Ambiente
claustrofóbico
Pedro
J. Bondaczuk
A atividade de escritor é
sumamente fascinante, mas, ao mesmo tempo, perigosa e não raro
frustrante. Ademais, implica em uma responsabilidade que quem não é
do ramo sequer desconfia. Não posso sair por aí escrevendo, a torto
e a direito, tudo o que me vem à cabeça, sem atentar para o que,
como e para quem escrevo. Quem age dessa maneira não chega a lugar
algum e, não raro, se mete em imensas encrencas. Na melhor das
hipóteses, dependendo do que escreveu, cai em ridículo. Portanto,
todo o cuidado é pouco.
Apesar do advento do
computador, ainda assim é válida a afirmação popular de que o
papel aceita qualquer coisa. Todavia, o leitor raramente é tão
flexível. E não sabemos de antemão em que mãos nosso texto irá
cair, nem como e nem quando. Tanto pode passar batido e se perder no
tempo, sem que mereça uma única e reles leitura, como pode nos
meter em terríveis encrencas, dependendo do teor do que escrevemos.
Escrever é uma atividade
terrivelmente solitária. Quando você estiver diante da tela em
branco do computador (ou de uma folha de papel, caso use o meio
antigo de produção de textos), passa a contar somente com você
mesmo: com sua memória, com seus conhecimentos, com seu domínio do
vocabulário e da gramática e com o seu estilo característico de
narrar.
Caso tenha um súbito “apagão
mental”, se esqueça de algum detalhe pertinente ao texto que
estiver produzindo, esqueça de pedir socorro. Não terá ninguém a
quem recorrer e com o qual possa contar. Se isso ocorrer, manda a
prudência, não escreva. Adie para outro dia, em que estiver mais
concentrado e disposto, o que pretendia escrever. Se já tiver
iniciado o texto, aborte-o de imediato.
Esse exercício de criação é
caprichoso. Às vezes você passa dias com um assunto na cabeça.
Mentalmente, já está com o esqueleto do texto perfeitamente
formado, bastando, apenas, revesti-lo de palavras. Mas na hora de
descarregá-lo na telinha do computador (supondo que você seja um
redator prático e moderno), sai tudo diferente do que projetou. Às
vezes, é verdade, a coisa sai melhor do que a encomenda. O produto
final se revela com muito mais qualidade do que você achava antes de
iniciar a redação.
No curso da narrativa, por
exemplo, vêm-lhe à mente, como num lampejo, idéias sobre as quais
você sequer cogitava a princípio. E você finda por produzir, para
sua satisfação e surpresa, sua obra-prima. Alguns chamam isso de
“inspiração”. Prefiro classificá-lo de “indução”. Ou
seja, um raciocínio induz outro, que por sua vez remete a um
terceiro e, assim, sucessivamente. E, quando percebemos, a narrativa
mudou completamente de rumo e é bem diversa daquela originalmente
planejada. Quando isso ocorre para melhor, é uma bênção, um
achado.
Mas nem sempre é o que se
verifica. Em boa parte das vezes, essa alteração de rumo nos conduz
a impasses, a beiras de abismos e, quando isso ocorre, o mais
prudente é abortar a narrativa e partir para outra. Se teimarmos,
poderemos nos dar mal (e, via de regra, nos damos mesmo).
A maioria dos escritores sente
compulsão para escrever. Às vezes nem está disposta, o corpo pede
repouso ou distrações, mas uma determinada idéia permanece
sufocada, com falta de ar, querendo vir a lume para poder “respirar”.
O romancista inglês Ian McEwan (ganhador do Book Prize de 1998),
explicou assim a razão desse “incômodo”: “A mente do
narrador está sempre envolvida em um ambiente claustrofóbico”.
Idéias existem para serem
transmitidas. Sufocadas, elas morrem no fundo da nossa mente e nos
envenenam o espírito com seus restos mortais. Precisam de luz para
sobreviver. Requerem ar, muito ar para respirar. São astutas,
capciosas, ardilosas e ditatoriais e nos escravizam aos seus
propósitos.
Há escritores que consideram
sua atividade (ou, pelo menos, a comparam dessa maneira) um ato de
exorcismo. É quando eles exorcizam seus demônios interiores e
sentem-se relaxados, até que haja novo surto de imposições de
idéias. Os que conseguem conviver com esse estado de perpétua
tensão, produzem obras marcantes, imortais e notáveis e até sentem
prazer em escrever. Seria masoquismo? Talvez.
Nem todos, no entanto, são
assim. Muitos, por despreparo técnico, ou psicológico ou por falta
de autodisciplina, sucumbem. São envenenados pelos restos mortais de
idéias que não sobreviveram por falta de luz e de ar. Tornam-se
amargos, arredios e não raro recorrem ao álcool ou às drogas, para
aplacar os demônios interiores. São esmagados pelo talento, que se
recusam a utilizar com responsabilidade e sabedoria.
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