Monday, May 22, 2017

Risco iminente


Pedro J. Bondaczuk


A surpreendente renúncia do ministro de Relações Exteriores da União Soviética, Eduard Shevardnadze, é um fato altamente preocupante, não pelo afastamento em si, mas pelas razões que levaram o chanceler a agir dessa maneira.

O presidente Mikhail Gorbachev, pressionado por todos os lados, e incapaz de administrar o processo que deflagrou, pode ser a próxima baixa da crise política e3 econômica que toma conta da superpotência do Leste europeu. Está cada vez mais isolado, tendo que enfrentar a revanche da linha-dura, contando, somente, com a sua boa estrela, que o livrou de situações aparentemente insustentáveis no passado.

O círculo de aliados fica a cada dia mais restrito e, a menos que os resultados positivos comecem a aparecer, um golpe militar na União Soviética é somente questão de tempo. Aliás, Shevardnadze ressaltou, com bastante clareza, esse aspecto, no emocionado discurso que pronunciou, anteontem, no Congresso dos Deputados do Povo.

Disse que os democratas estão se omitindo, os reformistas ficam em cima do muro, deixando espaço livre para que a chamada linha-dura, os corruptos, os alienados e os oportunistas atuem. Os políticos que deveriam ver em Gorbachev um aliado, o têm como adversário, numa falta de visão que chega a chocar os observadores que acompanham à distância o drama soviético e que por isso analisam os fatos sem paixões. Afinal, não fosse o presidente, com as suas “glasnost” e “perestroika”, e certamente agora os panoramas nacional e internacional seriam muito diferentes.

Os nacionalistas e os reformistas de vários matizes, certamente, estariam abarrotando os campos de trabalhos forçados ou os manicômios do país. Os soldados soviéticos estariam sendo dizimados no Afeganistão. A corrida armamentista nuclear, se é que não saísse a guerra do fim do mundo, alcançaria o paroxismo. As Alemanhas não estariam reunificadas e intervenções militares se sucederiam por todo o Leste europeu.

A democracia pressupõe a existência de controvérsias, que apenas nela subsistem. Ditadores e ditaduras nunca permitem discordâncias, mas impõem o consenso pela violência e pelo terror. Tais conflitos, surgidos num sistema democrático, produzem uma forma inimaginável. Caso esta seja orientada em sentido positivo, tende a produzir uma explosão de progresso. Se descontrolada, mata a democracia e é capaz de causar a própria desagregação nacional, que é o risco mais iminente da atualidade na União Soviética.

O pior é que os democratas autênticos estão empenhados numa luta fratricida, num nacionalismo irrealista e insensato. A URSS jamais irá se desagregar. Os soviéticos só têm uma escolha: Gorbachev ou uma ditadura. E até aqui, por inexperiência democrática, estão optando, exatamente, pela morte da democracia.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 22 de dezembro de 1990).



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