Risco iminente
Pedro J. Bondaczuk
A surpreendente renúncia do
ministro de Relações Exteriores da União Soviética, Eduard
Shevardnadze, é um fato altamente preocupante, não pelo afastamento
em si, mas pelas razões que levaram o chanceler a agir dessa
maneira.
O presidente Mikhail
Gorbachev, pressionado por todos os lados, e incapaz de administrar o
processo que deflagrou, pode ser a próxima baixa da crise política
e3 econômica que toma conta da superpotência do Leste europeu. Está
cada vez mais isolado, tendo que enfrentar a revanche da linha-dura,
contando, somente, com a sua boa estrela, que o livrou de situações
aparentemente insustentáveis no passado.
O círculo de aliados fica a
cada dia mais restrito e, a menos que os resultados positivos comecem
a aparecer, um golpe militar na União Soviética é somente questão
de tempo. Aliás, Shevardnadze ressaltou, com bastante clareza, esse
aspecto, no emocionado discurso que pronunciou, anteontem, no
Congresso dos Deputados do Povo.
Disse que os democratas estão
se omitindo, os reformistas ficam em cima do muro, deixando espaço
livre para que a chamada linha-dura, os corruptos, os alienados e os
oportunistas atuem. Os políticos que deveriam ver em Gorbachev um
aliado, o têm como adversário, numa falta de visão que chega a
chocar os observadores que acompanham à distância o drama soviético
e que por isso analisam os fatos sem paixões. Afinal, não fosse o
presidente, com as suas “glasnost” e “perestroika”, e
certamente agora os panoramas nacional e internacional seriam muito
diferentes.
Os nacionalistas e os
reformistas de vários matizes, certamente, estariam abarrotando os
campos de trabalhos forçados ou os manicômios do país. Os soldados
soviéticos estariam sendo dizimados no Afeganistão. A corrida
armamentista nuclear, se é que não saísse a guerra do fim do
mundo, alcançaria o paroxismo. As Alemanhas não estariam
reunificadas e intervenções militares se sucederiam por todo o
Leste europeu.
A democracia pressupõe a
existência de controvérsias, que apenas nela subsistem. Ditadores e
ditaduras nunca permitem discordâncias, mas impõem o consenso pela
violência e pelo terror. Tais conflitos, surgidos num sistema
democrático, produzem uma forma inimaginável. Caso esta seja
orientada em sentido positivo, tende a produzir uma explosão de
progresso. Se descontrolada, mata a democracia e é capaz de causar a
própria desagregação nacional, que é o risco mais iminente da
atualidade na União Soviética.
O pior é que os democratas
autênticos estão empenhados numa luta fratricida, num nacionalismo
irrealista e insensato. A URSS jamais irá se desagregar. Os
soviéticos só têm uma escolha: Gorbachev ou uma ditadura. E até
aqui, por inexperiência democrática, estão optando, exatamente,
pela morte da democracia.
(Artigo publicado na página
11, Internacional, do Correio Popular, em 22 de dezembro de 1990).
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