Thursday, May 25, 2017

O seguro de Sakharov



Pedro J. Bondaczuk


O caso do físico dissidente Andrei Sakharov, ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 1975, está sendo uma incômoda pedra no sapato do governo soviético. Numa atitude imprudente de algum sonolento e limitado burocrata, o pai da bomba “H” russa foi considerado perigoso para o regime, pela sua pregação em favor de uma liberalização na vida interna da URSS. Ou seja, o que Sakharov defendia, em essência, era nada mais do que a volta dos ideais que nortearam os revolucionários de 1917, há muito esquecidos e sepultados sob um regime que não é, sequer, arremedo das utopias pregadas pelos líderes da Revolução Bolchevique.

Seguindo os moldes traçados por Stalin, desde a década de 20, qual a solução que os “iluminados” burocratas encontraram para calar a voz do dissidente? O desterro, o único meio que suas mentes limitadas sabem engendrar para resolver diferenças de opinião. Dessa forma, mandaram-no para a remota cidadezinha de Gorki, em novembro de 1980. A emenda, contudo, saiu muito pior do que o soneto.

Se o exilado fosse algum obscuro escritor, dos milhares que se valem da literatura subterrânea, dos textos mimeografados que percorrem, o vasto território soviético, de mão em mão, muito mais lidos do que os dos autores oficiais, a questão até que estaria resolvida. Bastaria interná-lo, como louco, em algum sanatório, dopá-lo com toneladas de calmantes, e esperar que seu corpo morresse, já que, como indivíduo, essa pessoa, simplesmente, já deixaria de existir.

Mas como agir dessa forma com uma personalidade tão ilustre? Quem iria acreditar que um homem tão lúcido, de uma hora para outra perderia a razão? O que fazer? Expulsá-lo da União Soviética, conforme foi feito com o escritor dissidente Alexander Soljenytsin, seria impraticável, até pelos segredos que Sakharov conhece a respeito dos armamentos russos. Simular sua morte, causaria uma grita geral no Ocidente, fazendo com que a imagem de Moscou, já bastante desgastada por causa das costumeiras violações dos direitos humanos ficasse muito pior. O que fazer?

Deixar que ele faça greve de fome e morra à míngua? Jamais! Ninguém entenderia a atitude. A solução óbvia, para nós, ocidentais, soa a heresia para os burocratas do Cremlin. Por que não abrir essa sociedade fechada, permitindo que a base de qualquer Estado, ou seja, os seus cidadãos, seja considerada a finalidade da existência do aparato estatal, e não mero meio? Mas, como dissemos, isso é demais para a limitada cabeça desses acomodados burocratas.



(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 8 de junho de 1984)


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