O seguro de Sakharov
Pedro J. Bondaczuk
O caso do físico dissidente
Andrei Sakharov, ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 1975, está
sendo uma incômoda pedra no sapato do governo soviético. Numa
atitude imprudente de algum sonolento e limitado burocrata, o pai da
bomba “H” russa foi considerado perigoso para o regime, pela sua
pregação em favor de uma liberalização na vida interna da URSS.
Ou seja, o que Sakharov defendia, em essência, era nada mais do que
a volta dos ideais que nortearam os revolucionários de 1917, há
muito esquecidos e sepultados sob um regime que não é, sequer,
arremedo das utopias pregadas pelos líderes da Revolução
Bolchevique.
Seguindo os moldes traçados
por Stalin, desde a década de 20, qual a solução que os
“iluminados” burocratas encontraram para calar a voz do
dissidente? O desterro, o único meio que suas mentes limitadas sabem
engendrar para resolver diferenças de opinião. Dessa forma,
mandaram-no para a remota cidadezinha de Gorki, em novembro de 1980.
A emenda, contudo, saiu muito pior do que o soneto.
Se o exilado fosse algum
obscuro escritor, dos milhares que se valem da literatura
subterrânea, dos textos mimeografados que percorrem, o vasto
território soviético, de mão em mão, muito mais lidos do que os
dos autores oficiais, a questão até que estaria resolvida. Bastaria
interná-lo, como louco, em algum sanatório, dopá-lo com toneladas
de calmantes, e esperar que seu corpo morresse, já que, como
indivíduo, essa pessoa, simplesmente, já deixaria de existir.
Mas como agir dessa forma com
uma personalidade tão ilustre? Quem iria acreditar que um homem tão
lúcido, de uma hora para outra perderia a razão? O que fazer?
Expulsá-lo da União Soviética, conforme foi feito com o escritor
dissidente Alexander Soljenytsin, seria impraticável, até pelos
segredos que Sakharov conhece a respeito dos armamentos russos.
Simular sua morte, causaria uma grita geral no Ocidente, fazendo com
que a imagem de Moscou, já bastante desgastada por causa das
costumeiras violações dos direitos humanos ficasse muito pior. O
que fazer?
Deixar que ele faça greve de
fome e morra à míngua? Jamais! Ninguém entenderia a atitude. A
solução óbvia, para nós, ocidentais, soa a heresia para os
burocratas do Cremlin. Por que não abrir essa sociedade fechada,
permitindo que a base de qualquer Estado, ou seja, os seus cidadãos,
seja considerada a finalidade da existência do aparato estatal, e
não mero meio? Mas, como dissemos, isso é demais para a limitada
cabeça desses acomodados burocratas.
(Artigo publicado na página
9, Internacional, do Correio Popular, em 8 de junho de 1984)
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment