Wednesday, May 31, 2017

Separatismo beneficia só russos


Pedro J. Bondaczuk


As Repúblicas separatistas na União Soviética, neste período de exacerbação nacionalista em decorrência da frustrada tentativa de golpe contra o presidente Mikhail Gorbachev, ainda não se deram conta da sua não viabilidade, pelo menos a médio prazo, como sociedades nacionais independentes.

Mesmo a Ucrânia, com área de 603.700 quilômetros quadrados e uma população de 51,7 milhões de habitantes, a despeito de ser uma espécie de celeiro alimentar do país, é carente de muitíssimas coisas. Unidos numa federação, tais Estados beneficiam-se da riqueza da Rússia. A rigor, fazendo-se uma análise criteriosa dos números disponíveis, os russos seriam os únicos beneficiados com a extinção da URSS.

Guardadas as devidas proporções, esse Estado soviético tem o papel que São Paulo representa em termos brasileiros. É o principal pilar de sustentação da nação em todo e qualquer aspecto, político, econômico, cultural, esportivo e militar. Pode-se afirmar, sem riscos de descambar para o exagero, que a Federação Russa, com seus 17,1 quilômetros quadrados (duas vezes o território do Brasil) e seus 147 milhões de habitantes, sustenta a União Soviética às custas do bem estar de seu próprio povo.

Ali são produzidos, por exemplo, 91% do petróleo do país, que é o maior produtor do mundo. Na atualidade, o produto é simplesmente transferido para as outras Repúblicas, de graça, sem nenhum pagamento. E quando os separatistas tiverem que pagar pela matéria-prima, em dólares, aos preços de mercado? Onde arranjarão recursos?

Uma coisa ficou claríssima nesse movimento secessionista. Os líderes nacionalistas estão seguros de que o Ocidente irá despejar toneladas de dólares em suas economias. Afinal, raciocinam, para quem interessa a desagregação do império soviético senão às ricas potências ocidentais? Nada, porém, é mais equivocado do que isso. Eles deveriam olhar e tomar como exemplo o que ocorre atualmente bem na sua vizinhança.

Os países do Leste europeu, notadamente Polônia, Hungria, Checoslováquia e Bulgária, abandonaram o comunismo e aderiram ao mercado livre. Todavia, não se sabe de nenhuma grande corrida dos grandes capitalistas estrangeiros para investirem ali. Muito pelo contrário.

Ressalte-se que, mesmo enquanto comunistas, as economias dessas nações eram muito mais saudáveis e equilibradas do que a soviética. Os separatistas lembram o caso daqueles filhos adolescentes rebeldes, que embora sustentados pelos pais, não querem se submeter à sua autoridade.

Sem preparo profissional para enfrentar a vida, resolvem sair de casa e sofrem o diabo. Os secessionistas, sem que percebam, não estão lançando base alguma para o futuro. Estão implantando o terceiromundismo em plena Europa. Enquanto no restante do continente a tendência é a de aglutinação em blocos, como é o caso da Comunidade Européia, no Leste ocorre o inverso, a fragmentação, que também se verifica, e de forma mais dramática, posto que sangrenta, na Iugoslávia.

Outro problema grave, que terá de ser equacionado se a desagregação soviética se concretizar, o que, por mais paradoxal que pareça diante dos últimos acontecimentos, é improvável, é quanto à reação dos russos étnicos que vivem em outras Repúblicas.

Tais pessoas estariam dispostas a embarcar nessa aventura? Elas são, hoje, mais de 16 milhões, distribuídas da seguinte maneira: 21,1% na Ucrânia; 11,9% na Bielorrússia; 10,8% no Uzbequistão; 36% no Kazaquistão; 7,4% na Geórgia; 7,9% no Azerbaijão; 8,6% na Lituânia; 12,8% na Moldávia; 32,8% na Letônia; 22% na Kirghizia; 10,4% no Tadjiquistão; 11,6% no Turkmenistão e 27,9% na Estônia.

Caso não precise sustentar o restante do país, a Rússia, certamente, assumirá sua vocação para superpotência. Perderá somente 10% do Produto Nacional Bruto com a desagregação, mas deixará de ter de alimentar quase 140 milhões de bocas, elevando, vertiginosamente, sua renda per capita e herdando, de quebra, 27 mil ogivas nucleares das 30 mil da União Soviética. Por isso, talvez Bóris Yeltsin não esteja se empenhando para preservar a federação.

(Artigo publicado na página 16, Internacional, do Correio Popular, em 30 de agosto de 1991).



Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

No comments: