Thursday, May 04, 2017

Seqüelas da Guerra Fria



Pedro J. Bondaczuk


A Guerra Fria, que sucedeu ao grande conflito mundial de 1939 a 1945 (embora os presidentes George Bush, dos Estados Unidos, e Mikhail Gorbachev, da União Soviética, tenham assegurado, em dezembro de 1989, quanda da reunião de cúpula realizada ao largo da ilha de Malta, no Mediterrâneo, que haja chegado ao fim), deixou ainda alguma seqüela. Por haver sido um confronto eminentemente ideológico, entre duas concepções distintas de vida --- a capitalista e a dita socialista --- arraigou-se profundamente na mente dos povos que seguiam tais correntes. Gerou preconceitos bem mais fundos do que os raciais, principalmente por causa do bombardeio publicitário a que as pessoas de ambos os lados ficaram expostas durante mais de 40 anos. Portanto, por mais que se admita que a Guerra Fria tenha acabado, o comportamento típico que a caracterizou permanecerá vivo ainda por muitos anos.

Isto se verifica, principalmente, em relação aos movimentos de independência das três Repúblicas bálticas. Amiúde, os noticiaristas e comentaristas internacionais mencionam que a Lituânia, Letônia e Estônia foram independentes até 1940, quando foram anexadas graças ao pacto firmado pelos ditadores Adolf Hitler, nazista e o soviético Joseph Stalin, conhecido como "Molotov-Ribentropp". Só que omitem que esses três territórios tiveram um período de autonomia curtíssimo, de 23 anos apenas. Não dizem, também, que essas independências foram obtidas no final da Primeira Guerra Mundial, quando o império russo era convulsionado pela Revolução Bolchevique, tanto é que se retirou desse conflito de maneira melancólica, com imensas perdas em vidas, terras e recursos. Não mencionam, igualmente, que as atuais três Repúblicas bálticas eram parte integrante da Rússia czarista há séculos. A meia-verdade é bem pior do que a mentira completa.

Compreende-se o sentimento autonomista de lituanos, letões e estonianos. Porém, é preciso ver a questão com objetividade. Nos últimos 50 anos, Moscou fez investimentos enormes na região. Ainda assim, se os três Estados lograrem obter a independência, por razões até não-objetivas e sobretudo passionais (o nacionalismo, autêntico anacronismo numa época em que 12 países europeus ocidentais ensaiam uma fusão para criar os Estados Unidos da Europa), estarão distantes, muito longe da auto-suficiência. Ficarão sempre à mercê da caridade dos superindustrializados (que são sete), vistos como uma espécie de "grande papai" do mundo contemporâneo. Os movimentos de independência do Báltico, portanto, pecam pela inoportunidade, irrealismo e anti-historiecidade. Quem os apóia, quase que certamente ainda está profundamente intoxicado pelos "vírus" da Guerra Fria, pretensamente acabada.

(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 16 de maio de 1990)



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