Convém curar a neurose inflacionária
Pedro J. Bondaczuk
A economia brasileira nas
últimas semanas deu mostras de um relativo superaquecimento. Grandes
e numerosas transações foram efetuadas e a corrida dos consumidores
às lojas chegou a provocar uma certa apreensão em algumas
autoridades. Elas estão temerosas de que esse crescimento da demanda
venha a despertar o nocauteado monstro da inflação, colhido, de
surpresa, por um “potente cruzado”.
“Essa relativa euforia
consumista é boa ou ruim?”, deve estar se perguntando, angustiado,
o leitor, já um tanto alarmado. Depende, no entanto, das causas
dessa movimentação. Se o aumento do consumo decorre do medo de um
novo surto inflacionário futuro, o fenômeno não é sadio. Revela
que, psicologicamente, esse mal econômico que nos atormentou por
tanto tempo continua arraigado na mente da população. E todos sabem
que parte ponderável das anteriores taxas elevadas se devia às
expectativas de que elas, de fato, viessem a ser altas.
É necessário extirpar esse
temor. E o segredo, para isso – muito simples, por sinal – foi
revelado, anteontem, numa entrevista, pelo ministro Dílson Funaro ao
“Jornal da Globo”: “tranqüilidade”. Ele aconselhou os
compradores a agirem naturalmente. Se precisarem comprar um
determinado bem e se tiverem dinheiro para isso, que comprem. Se não
necessitarem efetuar essa transação, que deixem suas economias na
caderneta de poupança, na certeza de que se decidirem, mais para a
frente, adquirir esse mesmo produto, ele estará custando a mesma
coisa que hoje.
Quando se tem uma moeda forte,
não há necessidade de precipitações para fazer compras. E nem de
se passar privações, temendo o dia de amanhã. Nada como agir
naturalmente. É claro que é muito difícil para a população
esquecer, da noite para o dia, os estragos que a inflação fez, até
pouco tempo atrás, em seu orçamento e, por conseqüência, em seu
padrão de vida.
Esse pesadelo, certamente,
deixou marcas profundas no comportamento da maioria, que só o tempo
poderá apagar. Mas é preciso que “não nos dispersemos”,
conforme foi a palavra de ordem do saudoso ex-presidente Tancredo
Neves, também nessa cruzada para apagar a componente psicológica da
inflação.
Entretanto, se o crescimento
da demanda refletir uma elevada dose de confiança do consumidor na
nova política econômica do governo e se vier acompanhada de
investimentos maciços no setor produtivo (tendência que se acentua
cada vez mais) e do competente aumento de produção (e,
principalmente, da produtividade), o processo é não só saudável,
como, até, indispensável. Implicará numa expansão do mercado
interno, na geração de milhões de empregos e no crescimento do
bolo da riqueza nacional.
Bastará, então, que a sua
distribuição seja mais justa do que no passado e que o governo
coloque, de fato, em ação seus arrojados projetos sociais, visando
eliminar os gigantescos bolsões de miséria existentes no País. O
comportamento das Bolsas de Valores, nos últimos dias, registrando
uma crescente afluência de investidos, abertura de capital de novas
empresas (como foi o caso, nesta semana, da Papel Simão) e a
elevação na aquisição de máquinas por parte das indústrias,
visando a sua expansão, é um dado sumamente positivo.
Havendo mais e melhores
mercadorias no mercado interno, não haverá demanda no mundo que
jogue outra vez a inflação para cima. E os empresários já
detectaram a favorabilidade do momento. Sentiram que, dada a
excelente conjuntura internacional, com os consumidores
norte-americanos e europeus ávidos por gastarem mais, em virtude da
euforia despertada pela queda do preço do petróleo no mercado
internacional e da descida das taxas de juros preferenciais, tudo o
que sobrar aqui dentro, encontrará, facilmente, comprador lá fora.
Perceberam que a ordem, no momento, é produzir e produzir. É
queimar etapas para recuperar o tempo perdido durante a longa e
tormentosa noite de recessão que o País acaba de deixar para trás.
O volume de negócios fechados
na recente Feira de Utilidades Domésticas do Anhembi mostrou isso.
Inúmeros industriais lamentaram, publicamente, não terem capacidade
produtiva, atual, triplicada. E já estão se movimentando para que
seus negócios possam se expandir.
Há empresários que, somente
durante a UD, conseguiram vender, de forma antecipada, sua produção
total de noventa dias. Por isso, não será surpresa para ninguém se
os anúncios de empregados procurados pelo menos dobrarem nos
próximos dias.
Chegou a hora de curarmos a
nossa neurose inflacionária. De aceitarmos os conselhos do ministro
Dílson Funaro e agirmos naturalmente. E de pouparmos, não mais
temendo dias difíceis pela frente, mas que possamos, finalmente,
subir pelo menos um degrau na nossa condição econômica.
Nunca o momento esteve tão
propício para isso. Pelo menos nestes dois meses de vigência do
cruzado, foi possível ressuscitar a prática de estabelecer um
orçamento doméstico e se guiar por ele. É indispensável que isso
volte a se transformar num hábito entre as famílias e que se forme,
doravante, uma mentalidade nova. Somente assim teremos condições de
exigir que o governo tenha juízo e critério nos seus próprios
gastos.
(Artigo publicado na página
2, Opinião, do Correio Popular, em 27 de abril de 1986)
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