Tuesday, May 02, 2017

Convém curar a neurose inflacionária



Pedro J. Bondaczuk


A economia brasileira nas últimas semanas deu mostras de um relativo superaquecimento. Grandes e numerosas transações foram efetuadas e a corrida dos consumidores às lojas chegou a provocar uma certa apreensão em algumas autoridades. Elas estão temerosas de que esse crescimento da demanda venha a despertar o nocauteado monstro da inflação, colhido, de surpresa, por um “potente cruzado”.

Essa relativa euforia consumista é boa ou ruim?”, deve estar se perguntando, angustiado, o leitor, já um tanto alarmado. Depende, no entanto, das causas dessa movimentação. Se o aumento do consumo decorre do medo de um novo surto inflacionário futuro, o fenômeno não é sadio. Revela que, psicologicamente, esse mal econômico que nos atormentou por tanto tempo continua arraigado na mente da população. E todos sabem que parte ponderável das anteriores taxas elevadas se devia às expectativas de que elas, de fato, viessem a ser altas.

É necessário extirpar esse temor. E o segredo, para isso – muito simples, por sinal – foi revelado, anteontem, numa entrevista, pelo ministro Dílson Funaro ao “Jornal da Globo”: “tranqüilidade”. Ele aconselhou os compradores a agirem naturalmente. Se precisarem comprar um determinado bem e se tiverem dinheiro para isso, que comprem. Se não necessitarem efetuar essa transação, que deixem suas economias na caderneta de poupança, na certeza de que se decidirem, mais para a frente, adquirir esse mesmo produto, ele estará custando a mesma coisa que hoje.

Quando se tem uma moeda forte, não há necessidade de precipitações para fazer compras. E nem de se passar privações, temendo o dia de amanhã. Nada como agir naturalmente. É claro que é muito difícil para a população esquecer, da noite para o dia, os estragos que a inflação fez, até pouco tempo atrás, em seu orçamento e, por conseqüência, em seu padrão de vida.

Esse pesadelo, certamente, deixou marcas profundas no comportamento da maioria, que só o tempo poderá apagar. Mas é preciso que “não nos dispersemos”, conforme foi a palavra de ordem do saudoso ex-presidente Tancredo Neves, também nessa cruzada para apagar a componente psicológica da inflação.

Entretanto, se o crescimento da demanda refletir uma elevada dose de confiança do consumidor na nova política econômica do governo e se vier acompanhada de investimentos maciços no setor produtivo (tendência que se acentua cada vez mais) e do competente aumento de produção (e, principalmente, da produtividade), o processo é não só saudável, como, até, indispensável. Implicará numa expansão do mercado interno, na geração de milhões de empregos e no crescimento do bolo da riqueza nacional.

Bastará, então, que a sua distribuição seja mais justa do que no passado e que o governo coloque, de fato, em ação seus arrojados projetos sociais, visando eliminar os gigantescos bolsões de miséria existentes no País. O comportamento das Bolsas de Valores, nos últimos dias, registrando uma crescente afluência de investidos, abertura de capital de novas empresas (como foi o caso, nesta semana, da Papel Simão) e a elevação na aquisição de máquinas por parte das indústrias, visando a sua expansão, é um dado sumamente positivo.

Havendo mais e melhores mercadorias no mercado interno, não haverá demanda no mundo que jogue outra vez a inflação para cima. E os empresários já detectaram a favorabilidade do momento. Sentiram que, dada a excelente conjuntura internacional, com os consumidores norte-americanos e europeus ávidos por gastarem mais, em virtude da euforia despertada pela queda do preço do petróleo no mercado internacional e da descida das taxas de juros preferenciais, tudo o que sobrar aqui dentro, encontrará, facilmente, comprador lá fora. Perceberam que a ordem, no momento, é produzir e produzir. É queimar etapas para recuperar o tempo perdido durante a longa e tormentosa noite de recessão que o País acaba de deixar para trás.

O volume de negócios fechados na recente Feira de Utilidades Domésticas do Anhembi mostrou isso. Inúmeros industriais lamentaram, publicamente, não terem capacidade produtiva, atual, triplicada. E já estão se movimentando para que seus negócios possam se expandir.

Há empresários que, somente durante a UD, conseguiram vender, de forma antecipada, sua produção total de noventa dias. Por isso, não será surpresa para ninguém se os anúncios de empregados procurados pelo menos dobrarem nos próximos dias.

Chegou a hora de curarmos a nossa neurose inflacionária. De aceitarmos os conselhos do ministro Dílson Funaro e agirmos naturalmente. E de pouparmos, não mais temendo dias difíceis pela frente, mas que possamos, finalmente, subir pelo menos um degrau na nossa condição econômica.

Nunca o momento esteve tão propício para isso. Pelo menos nestes dois meses de vigência do cruzado, foi possível ressuscitar a prática de estabelecer um orçamento doméstico e se guiar por ele. É indispensável que isso volte a se transformar num hábito entre as famílias e que se forme, doravante, uma mentalidade nova. Somente assim teremos condições de exigir que o governo tenha juízo e critério nos seus próprios gastos.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 27 de abril de 1986)


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