Friday, May 19, 2017

País onde o povo está reaprendendo a pensar


Pedro J. Bondaczuk


A União Soviética, em seu processo de reformas políticas, econômicas e sociais, vem promovendo uma autêntica revolução, cuja tendência é redundar num novo tipo de regime, num "hibridismo" entre capitalismo e comunismo. Talvez nem mesmo o deflagrador e condutor dessas mudanças, Mikhail Gorbachev, tenha consciência disso.

O risco é que sejam amalgamados somente os aspectos negativos dos dois sistemas, o que, fatalmente, resultaria em sérios confrontos internos. O país passa por um período caótico em todos os sentidos, característico, aliás, de movimentos revolucionários.

É como se alguém se dispusesse a reformar uma enorme, mas desgastada mansão. Pode-se mudar somente o que estiver envelhecido ou praticamente colocar a edificação inteira no chão, reconstruindo-a desde os alicerces.

O primeiro processo, caso a base seja sólida, é o mais recomendável, até por custar menos. O segundo é o mais seguro, caso haja capitais para arcar com os custos em que ele implica. Gorbachev, certamente, já esperava por essa confusão toda.

Afinal, foi ele, na introdução do seu livro "Perestroika", que disse que o povo soviético precisa reaprender a pensar, a discutir, a cultivar a saudável controvérsia, sem aceitar mais imposições vindas de cima para baixo. Por isso, o observador acha estranho, e até um tanto surrealista, quando o presidente é acusado por seus opositores de querer ser um ditador.

Caso pretendesse, de fato, isso, bastaria tão somente não deflagrar o processo de mudanças que está implantando. Recorde-se que quando assumiu o poder, em substituição ao arquiburocrata Constantin Chernenko, em março de 1985, o país vivia sob a mais rígida e absoluta ditadura de que se teve notícia até hoje.

Seria muito cômodo, portanto, deixar as coisas como estavam, não mudar absolutamente nada. Ademais, a soma maior de poder que Gorbachev obteve lhe foi dada por um Soviete Supremo modificado, não mais composto por "boizinhos de presépio" obedientes e apavorados, que aprovavam, sem pestanejar, tudo o que partisse do Cremlin, mas por um Parlamento ativo, crítico, participante, que lhe faz implacável oposição.

O conflito legal entre a União e as Repúblicas que a compõem faz parte de um contexto, de um todo mais amplo, de um processo revolucionário que, embora não tenha (ainda) sido batizado de revolução, tende a ser, num futuro não muito distante, mais profundo e, principalmente, infinitamente mais benéfico do que o movimento de 1917, que instituiu o comunismo no país. A controvérsia, se bem administrada, gera uma energia fantástica e altamente benéfica. E Gorbachev, convenhamos, já demonstrou que é um bom administrador.

(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 26 de outubro de 1990).



Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

No comments: