País onde o povo está
reaprendendo a pensar
Pedro J. Bondaczuk
A União Soviética, em seu
processo de reformas políticas, econômicas e sociais, vem
promovendo uma autêntica revolução, cuja tendência é redundar
num novo tipo de regime, num "hibridismo" entre capitalismo
e comunismo. Talvez nem mesmo o deflagrador e condutor dessas
mudanças, Mikhail Gorbachev, tenha consciência disso.
O risco é que sejam
amalgamados somente os aspectos negativos dos dois sistemas, o que,
fatalmente, resultaria em sérios confrontos internos. O país passa
por um período caótico em todos os sentidos, característico,
aliás, de movimentos revolucionários.
É como se alguém se
dispusesse a reformar uma enorme, mas desgastada mansão. Pode-se
mudar somente o que estiver envelhecido ou praticamente colocar a
edificação inteira no chão, reconstruindo-a desde os alicerces.
O primeiro processo, caso a
base seja sólida, é o mais recomendável, até por custar menos. O
segundo é o mais seguro, caso haja capitais para arcar com os custos
em que ele implica. Gorbachev, certamente, já esperava por essa
confusão toda.
Afinal, foi ele, na introdução
do seu livro "Perestroika", que disse que o povo soviético
precisa reaprender a pensar, a discutir, a cultivar a saudável
controvérsia, sem aceitar mais imposições vindas de cima para
baixo. Por isso, o observador acha estranho, e até um tanto
surrealista, quando o presidente é acusado por seus opositores de
querer ser um ditador.
Caso pretendesse, de fato,
isso, bastaria tão somente não deflagrar o processo de mudanças
que está implantando. Recorde-se que quando assumiu o poder, em
substituição ao arquiburocrata Constantin Chernenko, em março de
1985, o país vivia sob a mais rígida e absoluta ditadura de que se
teve notícia até hoje.
Seria muito cômodo, portanto,
deixar as coisas como estavam, não mudar absolutamente nada.
Ademais, a soma maior de poder que Gorbachev obteve lhe foi dada por
um Soviete Supremo modificado, não mais composto por "boizinhos
de presépio" obedientes e apavorados, que aprovavam, sem
pestanejar, tudo o que partisse do Cremlin, mas por um Parlamento
ativo, crítico, participante, que lhe faz implacável oposição.
O conflito legal entre a União
e as Repúblicas que a compõem faz parte de um contexto, de um todo
mais amplo, de um processo revolucionário que, embora não tenha
(ainda) sido batizado de revolução, tende a ser, num futuro não
muito distante, mais profundo e, principalmente, infinitamente mais
benéfico do que o movimento de 1917, que instituiu o comunismo no
país. A controvérsia, se bem administrada, gera uma energia
fantástica e altamente benéfica. E Gorbachev, convenhamos, já
demonstrou que é um bom administrador.
(Artigo publicado na página
13, Internacional, do Correio Popular, em 26 de outubro de 1990).
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