Jogo
da vida
Pedro J. Bondaczuk
O
poeta italiano, Gabriele D’Annunzio, foi um sujeito controvertido.
Para uns, foi um herói, um revolucionário, um idealista, além de
um artista sensível e criativo. Para outros, foi uma pessoa
amalucada, dessas que hoje costumamos chamar de “porras loucas”,
que vivem aprontando mil peripécias e não sossegam em lugar algum.
Questão de opinião. Da minha parte, embora admire algumas de suas
poesias (e deteste outras), fico com a segunda opinião.
Além
de poeta, D’Annunzio foi músico, bruxo (dizem que acreditava e
praticava a magia negra). Para muitos, foi “gênio”, já para
outros, não passava de um sujeito grosseiro e mal-educado, além de
incorrigível mulherengo e aventureiro sem-limites. Para que o leitor
tenha uma idéia das suas “peripécias”, basta citar apenas uma,
a mais maluca de todas, que foi a conquista de uma cidade.
Não
me refiro, neste caso, à conquista da simpatia e admiração dos
cidadãos ou de prestígio e reverência por causa de seus dotes
artísticos. Não, não foi nada isso. Pelo contrário, aliás.
D’Annunzio conquistou, sim, uma cidade, mas militarmente, a poder
de armas, à frente de um pequeno exército informal (de “porras
loucas” como ele) conhecido como “Arditi”.
O
fato se deu na Primeira Guerra Mundial. Pouca gente, fora da Itália,
conhece essa história e os que a conhecem preferem ignorar essa
“façanha”. A cidade conquistada foi Fiume, da então Iugoslávia,
antes que essa federação formada artificialmente se esfacelasse, no
final dos anos 90, num dantesco banho de sangue que chocou o mundo.
Concluída a conquista, D’Annunzio, achando que havia feito algo de
extremamente meritório, ofereceu, incontinenti, a sua presa ao
governo italiano.
O
que o leitor acha que aconteceu? Que o poeta foi condecorado como
herói nacional e ganhou, até, estátua em praça pública? Quem
pensou assim enganou-se. O que D’Annunzio armou foi um enorme
incidente diplomático e nada mais. Foi censurado acerbamente e o
primeiro-ministro italiano chegou a chamá-lo, entre outras tantas
coisas impublicáveis, de “idiota”. E estava errado? Cada um
conclua por si.
Trago
Gabriele D’Annunzio à baila, porém, não para comentar suas
trapalhadas e nem para avaliar a sua poesia (para muitos, decadente,
para mim, de um bom nível). Interessa-me, isto sim, uma declaração
que ele fez em um de seus textos, que me chamou, particularmente, a
atenção e suscitou-me algumas reflexões. O controvertido poeta
escreveu: “Quem disse que a vida é um sonho? A vida é um jogo”.
O
leitor concorda com ele? Eu não! Acho que essa foi mais uma das
tantas bobagens que disse, escreveu ou que lhe são atribuídas.
Raciocinemos. Somos condicionados, desde crianças, a sermos
competitivos, é fato, como se a vida, na verdade, fosse um jogo.
Insisto, não é! Não raro, testamos nossos limites e tentamos ir
além deles, para superar supostos competidores.
Colocamos
à nossa frente objetivos que, quase sempre, são inalcançáveis, e
nos frustramos quando não os atingimos. Queremos ser mais, ter mais,
fazer mais do que os outros, quando a vida não é isso. Precisamos é
conhecer e desenvolver nossas capacidades e viver, sem nos
preocuparmos se o vizinho conquistou ou não mais coisas do que nós.
Para
rebater a afirmação de D’Annunzio, recorro a outro poeta, a Mário
Quintana, que observou, em uma crônica publicada no jornal “Gazeta
do Povo” de Porto Alegre: “A vida não é um jogo onde só quem
testa seus limites é que leva o prêmio. Não sejamos vítimas
ingênuas desta tal competitividade. Se a meta está alta demais,
reduza-a. Se você não está de acordo com as regras, demita-se”.
Agindo
assim, pode ser que não sejamos os “campeões” que pretendemos
ser. Mas alcançaremos um prêmio maior e muito mais cobiçado, sem
preço: seremos felizes! Entre os dois poetas, o italiano fanfarrão
e amalucado, e o gaúcho, sábio e sereno, claro que fico com o
segundo.
Não
estamos num jogo, mas imersos em um insondável mistério. Nossa
sobrevivência nem mesmo depende de nós, mas de forças
poderosíssimas, alheias a nós, contra as quais nada podemos fazer.
Nossos dias e nossas noites, nosso sono e nosso despertar diário
estão, somente, nas mãos de Deus (ou chamem como quiserem esse
poder sobrenatural que controla o micro e o macrocosmo e impõe leis
naturais ao universo. Da minha parte, prefiro a denominação
convencional).
Piedosamente,
não sabemos o que nos irá acontecer no segundo seguinte, quanto
mais nos anos vindouros. Se forem grandes alegrias e a realização
dos nossos sonhos, a surpresa multiplicará esse bem. Se forem
tragédias, desastres ou até a morte, é melhor, mesmo, que sequer
saibamos deles, para não sofrermos duplamente. Daí eu ter afirmado
que esse não-conhecimento do minuto seguinte é um ato de piedade
para conosco.
Sonho
ter um dia um magnífico e definitivo despertar, mas num mundo
infinitamente melhor e, sobretudo, imortal. É exagero meu? Pode ser!
É verdade que não tenho a mínima indicação de que isso seja
possível. Mas os que o julgam mera pretensão também não podem
demonstrar, com fatos, que isso seja impossível. Prefiro ficar com o
meu sonho!
Para
encerrar, já que tratei de poetas, recorro a um terceiro, este
bastante saudoso, que em vida foi meu amigo, e que sobreviverá em
minha memória enquanto eu viver. Trata-se de Mauro Sampaio, que
escreveu a respeito, nestes versos do seu poema “Amanhecer”:
“Os
dias e as noites são teus, Senhor.
Teu
é o meu sono e o amanhecer.
Mas
penso agora em outra noite e outro dia,
amalgamados
em
um único e admirável despertar.
E
imagino minha confusão deslumbrante e definitiva!”.
Por
essa esperança, sim, vale a pena viver, não é mesmo? Jogo? Quem
disse que a vida é um jogo? Sonho, talvez, não seja, mas desafio
até que pode ser!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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