Monday, May 01, 2017

Jogo da vida


Pedro J. Bondaczuk


O poeta italiano, Gabriele D’Annunzio, foi um sujeito controvertido. Para uns, foi um herói, um revolucionário, um idealista, além de um artista sensível e criativo. Para outros, foi uma pessoa amalucada, dessas que hoje costumamos chamar de “porras loucas”, que vivem aprontando mil peripécias e não sossegam em lugar algum. Questão de opinião. Da minha parte, embora admire algumas de suas poesias (e deteste outras), fico com a segunda opinião.

Além de poeta, D’Annunzio foi músico, bruxo (dizem que acreditava e praticava a magia negra). Para muitos, foi “gênio”, já para outros, não passava de um sujeito grosseiro e mal-educado, além de incorrigível mulherengo e aventureiro sem-limites. Para que o leitor tenha uma idéia das suas “peripécias”, basta citar apenas uma, a mais maluca de todas, que foi a conquista de uma cidade.

Não me refiro, neste caso, à conquista da simpatia e admiração dos cidadãos ou de prestígio e reverência por causa de seus dotes artísticos. Não, não foi nada isso. Pelo contrário, aliás. D’Annunzio conquistou, sim, uma cidade, mas militarmente, a poder de armas, à frente de um pequeno exército informal (de “porras loucas” como ele) conhecido como “Arditi”.

O fato se deu na Primeira Guerra Mundial. Pouca gente, fora da Itália, conhece essa história e os que a conhecem preferem ignorar essa “façanha”. A cidade conquistada foi Fiume, da então Iugoslávia, antes que essa federação formada artificialmente se esfacelasse, no final dos anos 90, num dantesco banho de sangue que chocou o mundo. Concluída a conquista, D’Annunzio, achando que havia feito algo de extremamente meritório, ofereceu, incontinenti, a sua presa ao governo italiano.

O que o leitor acha que aconteceu? Que o poeta foi condecorado como herói nacional e ganhou, até, estátua em praça pública? Quem pensou assim enganou-se. O que D’Annunzio armou foi um enorme incidente diplomático e nada mais. Foi censurado acerbamente e o primeiro-ministro italiano chegou a chamá-lo, entre outras tantas coisas impublicáveis, de “idiota”. E estava errado? Cada um conclua por si.

Trago Gabriele D’Annunzio à baila, porém, não para comentar suas trapalhadas e nem para avaliar a sua poesia (para muitos, decadente, para mim, de um bom nível). Interessa-me, isto sim, uma declaração que ele fez em um de seus textos, que me chamou, particularmente, a atenção e suscitou-me algumas reflexões. O controvertido poeta escreveu: “Quem disse que a vida é um sonho? A vida é um jogo”.

O leitor concorda com ele? Eu não! Acho que essa foi mais uma das tantas bobagens que disse, escreveu ou que lhe são atribuídas. Raciocinemos. Somos condicionados, desde crianças, a sermos competitivos, é fato, como se a vida, na verdade, fosse um jogo. Insisto, não é! Não raro, testamos nossos limites e tentamos ir além deles, para superar supostos competidores.

Colocamos à nossa frente objetivos que, quase sempre, são inalcançáveis, e nos frustramos quando não os atingimos. Queremos ser mais, ter mais, fazer mais do que os outros, quando a vida não é isso. Precisamos é conhecer e desenvolver nossas capacidades e viver, sem nos preocuparmos se o vizinho conquistou ou não mais coisas do que nós.

Para rebater a afirmação de D’Annunzio, recorro a outro poeta, a Mário Quintana, que observou, em uma crônica publicada no jornal “Gazeta do Povo” de Porto Alegre: “A vida não é um jogo onde só quem testa seus limites é que leva o prêmio. Não sejamos vítimas ingênuas desta tal competitividade. Se a meta está alta demais, reduza-a. Se você não está de acordo com as regras, demita-se”.

Agindo assim, pode ser que não sejamos os “campeões” que pretendemos ser. Mas alcançaremos um prêmio maior e muito mais cobiçado, sem preço: seremos felizes! Entre os dois poetas, o italiano fanfarrão e amalucado, e o gaúcho, sábio e sereno, claro que fico com o segundo.

Não estamos num jogo, mas imersos em um insondável mistério. Nossa sobrevivência nem mesmo depende de nós, mas de forças poderosíssimas, alheias a nós, contra as quais nada podemos fazer. Nossos dias e nossas noites, nosso sono e nosso despertar diário estão, somente, nas mãos de Deus (ou chamem como quiserem esse poder sobrenatural que controla o micro e o macrocosmo e impõe leis naturais ao universo. Da minha parte, prefiro a denominação convencional).

Piedosamente, não sabemos o que nos irá acontecer no segundo seguinte, quanto mais nos anos vindouros. Se forem grandes alegrias e a realização dos nossos sonhos, a surpresa multiplicará esse bem. Se forem tragédias, desastres ou até a morte, é melhor, mesmo, que sequer saibamos deles, para não sofrermos duplamente. Daí eu ter afirmado que esse não-conhecimento do minuto seguinte é um ato de piedade para conosco.

Sonho ter um dia um magnífico e definitivo despertar, mas num mundo infinitamente melhor e, sobretudo, imortal. É exagero meu? Pode ser! É verdade que não tenho a mínima indicação de que isso seja possível. Mas os que o julgam mera pretensão também não podem demonstrar, com fatos, que isso seja impossível. Prefiro ficar com o meu sonho!

Para encerrar, já que tratei de poetas, recorro a um terceiro, este bastante saudoso, que em vida foi meu amigo, e que sobreviverá em minha memória enquanto eu viver. Trata-se de Mauro Sampaio, que escreveu a respeito, nestes versos do seu poema “Amanhecer”:

Os dias e as noites são teus, Senhor.
Teu é o meu sono e o amanhecer.

Mas penso agora em outra noite e outro dia,
amalgamados
em um único e admirável despertar.
E imagino minha confusão deslumbrante e definitiva!”.

Por essa esperança, sim, vale a pena viver, não é mesmo? Jogo? Quem disse que a vida é um jogo? Sonho, talvez, não seja, mas desafio até que pode ser!



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