Tuesday, May 16, 2017

Aventura que custa muito caro



Pedro J. Bondaczuk


A União Soviética, apesar de não esconder a sua exasperação pelo fato das negociações de paz de Genebra estarem empacadas, dá, a cada dia que passa, sinais mais do que evidentes de que deseja ver o Afeganistão pelas costas. As autoridades atuais do Cremlin, é bom que se frise, nada têm a ver com essa aventura inconseqüente e temerária, obra do hoje execrado dirigente Leonid Brezhnev, que fez tantas trapalhadas que serão precisos muitos anos para que tudo seja reparado.

O “investimento” em sangue, destruição e sacrifícios não teve a mínima compensação, nem política, nem militar e muito menos material. O prejuízo, portanto, foi total e irreparável. Não é difícil do leitor avaliar o custo astronômico da manutenção de 115 mil combatentes num país estranho, onde língua, costumes, alimentação e modo de vida são completamente diferentes.

Pior, ainda, tudo se torna, quando a presença desses invasores desperta hostilidade geral, até dos que seriam pretensamente beneficiados com ela, como é o caso das autoridades marxistas afegãs. Tudo levar a crer que o Cremlin, dentro da sua tradição mais espetaculosa, está aguardando, apenas, a proximidade da reunião de cúpula de Moscou para anunciar a sua saída dessa pobre nação da Ásia.

A presença soviética nesse território, além de não trazer vantagem alguma para os russos, nem mesmo conseguiu melhorar um pouquinho que fosse o padrão de existência dos habitantes do Afeganistão. Eles continuam sendo, praticamente em todos os parâmetros que se tomem para medida, os mais pobres e desvalidos cidadãos do Planeta.

Nem mesmo o “imbróglio” que levou Brezhnev a determinar a invasão, ou seja, a guerra civil no país, caminhou um só milímetro para qualquer solução, após oito anos de selvagens combates entre as partes. A nação continua tão dividida e repleta de animosidade entre os beligerantes como no dia 27 de dezembro de 1979, quando os tanques e as tropas soviéticas surpreenderam (ou melhor, decepcionaram) o mundo, colocando esse lugar (esquecido por todos, há tempos), tristemente, no mapa dos grandes conflitos deste século.

É lógico que o líder Mikhail Gorbachev deve ter ponderado tudo isso e já ter decidido o que fazer. Ademais, a população da URSS está saturada de ver seus parentes seguirem inteiros e saudáveis para uma guerra sem sentido e retornarem estropiados, com os nervos e o corpo em frangalhos, quando não num caixão.

E todos fazem a mesma pergunta: “Por que tudo isso? Quais as vantagens para os soviéticos ou para os afegãos dessa presença que nenhuma das partes deseja?”. As declarações, publicadas, ontem, na Bulgária, dadas pelo chanceler Eduard Shevardnadze, nada mais fazem do que confirmar que a saída do Afeganistão é uma questão de dias.

Espera-se, somente, que essa aventura, e a do Vietnã (para os norte-americanos), sirvam de lições para as superpotências, para que aprendam que nem sempre a força resolve as pendências, principalmente quando ela não pode ser usada em toda a sua plenitude.

(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 1º de abril de 1988)



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