Extremos da eternidade
Pedro J. Bondaczuk
O futuro,
entre tantos símbolos abstratos que o engenho humano criou com a
força do seu raciocínio, é um dos mais incompreendidos e
desvirtuados. Poucos são os que se dão conta de que se trata,
meramente, de um “potencial”. Ou seja, pode, ou não, acontecer.
No entanto, as pessoas têm o hábito inconsciente de projetar suas
esperanças, sonhos e desejos nesse tempo ainda não ocorrido e que,
para elas, pode sequer ocorrer. Algumas, inclusive, deixam de se
empenhar para a realização dos seus projetos e obras no presente,
no aqui e agora, quando estão vivas, saudáveis e têm a
oportunidade de fazê-lo, adiando-os indefinidamente.
Acreditam
que circunstâncias novas, que surgiriam no porvir, as favoreceriam,
sem que precisassem sequer se esforçar para obter o que querem.
Claro que as coisas não são bem assim e que isso, se acontecer,
será um fato raro, cuja probabilidade real, matemática, é de nunca
ocorrer. É um risco sem limites que se corre, portanto, o adiar, do
que quer que seja, para o futuro.
O
padre Antônio Vieira, no sermão da “Quarta Dominga do Advento”,
pregado na Capela Real de Lisboa, em 1652, nos lembra: “Quantos
amanheceram e não anoiteceram! Quantos se deitaram à noite e não
se levantaram pela manhã! Quantos postos à mesa os afogou um
bocado! Quantos indo por uma rua os sepultou uma ruína! A quantos
levou uma bala não esperada! Quantos endoideceram de repente! A
quantos veio a febre junta com o delírio! A quantos um espasmo, a
quantos uma apoplexia, a quantos infinitos acidentes, que, ou tiram o
uso da razão, ou a vida! Todos estes cuidavam que iriam morrer de
uma morte ordinária, como vós cuidais; e quem vos deu a certeza de
que vos não há de suceder o mesmo?”.
Quando
buscamos racionalizar essa atitude e mostrar a estupidez de se
projetar nossos sonhos e projetos para um futuro incerto; quando
buscamos alertar para o quanto ela é insensata e tola, baseados na
inflexível lógica, de imediato nos colam na testa o rótulo de
“pessimistas”. Pessimismo? Não! Realismo! O que quer que se
pretenda fazer, mandam o bom-senso e a razão – aos quais quase
sempre relutamos em atender – deve ser feito no aqui e agora. A
menos que...
Na
verdade, ninguém admite, em seu íntimo, mesmo que o diga da boca
para fora, a hipótese de não ter futuro. E, mais do que isso, dele
não ser radioso, próspero, bonançoso e feliz, muito melhor do que
o presente. Associa-se, sempre, a esse tempo meramente potencial, a
idéia de progresso, de evolução, de felicidade, de prosperidade
pessoal e da comunidade em que se está inserido: cidade, Estado,
país e mundo. A realidade, porém, é bem outra. O futuro, diz a
mínima lógica, está intimamente vinculado à decadência, à
decrepitude e, finalmente, à morte.
Reitero
que se deve valorizar e aproveitar ao máximo o fugaz presente, que é
concreto, é real e é palpável, por pior que se nos apresente.
Afinal, é nele que iremos construir, ato a ato, idéia a idéia,
emoção a emoção, momento a momento, a nossa biografia. Cada
segundo desperdiçado, pois, torna-se irrecuperável. O tempo é um
precioso e inestimável patrimônio para este animal cuja existência
média, nos casos mais otimistas, beira os 75 anos.
Em
circunstâncias muito excepcionais, há pessoas que conseguem passar
dos cem. Meu avô Hilarion, por exemplo, viveu 105 anos. Isso não me
assegura, todavia, idêntica longevidade, pois esses casos são
extremas raridades. E onde estaria o nosso amanhã? O poeta sérvio,
Milorad Pavitch, nos dá uma indicação de como antecipá-lo e
encontrá-lo no livro “O Dicionário de Kazar”: “O caminho mais
reto para se chegar ao futuro é seguir sempre na direção em que o
nosso medo cresce”.
Pessimismo?
Não! É sabedoria e bom-senso! Afinal, o que ainda pode (ou não)
acontecer é absoluta incógnita. Tanto pode nos trazer a recompensa
dos nossos esforços do presente (logicamente supondo-se que estes
estejam sendo feitos e nos limites das nossas forças e da nossa
capacidade), quanto a nossa inexorável extinção. A morte jamais
manda aviso, não marca hora e muito menos antecipa o momento da sua
chegada. Colhe suas vítimas, qualquer que seja a sua situação ou
posição, como bem lembrou o padre Vieira no sermão a que nos
referimos, nos momentos e locais mais inesperados: durante o sono, ao
longo de uma refeição, no trabalho, no lazer, no amor, numa briga,
numa conversa informal com os amigos e em milhares de outras
circunstâncias e lugares. Pois, como concluiu com sapiência o
escritor Vladimir Nabokov (autor do best-seller “Lolita”), “nossa
existência não é mais do que um curto-circuito de luz entre duas
eternidades de escuridão”.
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