Sunday, May 07, 2017

Extremos da eternidade



Pedro J. Bondaczuk



O futuro, entre tantos símbolos abstratos que o engenho humano criou com a força do seu raciocínio, é um dos mais incompreendidos e desvirtuados. Poucos são os que se dão conta de que se trata, meramente, de um “potencial”. Ou seja, pode, ou não, acontecer. No entanto, as pessoas têm o hábito inconsciente de projetar suas esperanças, sonhos e desejos nesse tempo ainda não ocorrido e que, para elas, pode sequer ocorrer. Algumas, inclusive, deixam de se empenhar para a realização dos seus projetos e obras no presente, no aqui e agora, quando estão vivas, saudáveis e têm a oportunidade de fazê-lo, adiando-os indefinidamente.

Acreditam que circunstâncias novas, que surgiriam no porvir, as favoreceriam, sem que precisassem sequer se esforçar para obter o que querem. Claro que as coisas não são bem assim e que isso, se acontecer, será um fato raro, cuja probabilidade real, matemática, é de nunca ocorrer. É um risco sem limites que se corre, portanto, o adiar, do que quer que seja, para o futuro.

O padre Antônio Vieira, no sermão da “Quarta Dominga do Advento”, pregado na Capela Real de Lisboa, em 1652, nos lembra: “Quantos amanheceram e não anoiteceram! Quantos se deitaram à noite e não se levantaram pela manhã! Quantos postos à mesa os afogou um bocado! Quantos indo por uma rua os sepultou uma ruína! A quantos levou uma bala não esperada! Quantos endoideceram de repente! A quantos veio a febre junta com o delírio! A quantos um espasmo, a quantos uma apoplexia, a quantos infinitos acidentes, que, ou tiram o uso da razão, ou a vida! Todos estes cuidavam que iriam morrer de uma morte ordinária, como vós cuidais; e quem vos deu a certeza de que vos não há de suceder o mesmo?”.

Quando buscamos racionalizar essa atitude e mostrar a estupidez de se projetar nossos sonhos e projetos para um futuro incerto; quando buscamos alertar para o quanto ela é insensata e tola, baseados na inflexível lógica, de imediato nos colam na testa o rótulo de “pessimistas”. Pessimismo? Não! Realismo! O que quer que se pretenda fazer, mandam o bom-senso e a razão – aos quais quase sempre relutamos em atender – deve ser feito no aqui e agora. A menos que...

Na verdade, ninguém admite, em seu íntimo, mesmo que o diga da boca para fora, a hipótese de não ter futuro. E, mais do que isso, dele não ser radioso, próspero, bonançoso e feliz, muito melhor do que o presente. Associa-se, sempre, a esse tempo meramente potencial, a idéia de progresso, de evolução, de felicidade, de prosperidade pessoal e da comunidade em que se está inserido: cidade, Estado, país e mundo. A realidade, porém, é bem outra. O futuro, diz a mínima lógica, está intimamente vinculado à decadência, à decrepitude e, finalmente, à morte.

Reitero que se deve valorizar e aproveitar ao máximo o fugaz presente, que é concreto, é real e é palpável, por pior que se nos apresente. Afinal, é nele que iremos construir, ato a ato, idéia a idéia, emoção a emoção, momento a momento, a nossa biografia. Cada segundo desperdiçado, pois, torna-se irrecuperável. O tempo é um precioso e inestimável patrimônio para este animal cuja existência média, nos casos mais otimistas, beira os 75 anos.

Em circunstâncias muito excepcionais, há pessoas que conseguem passar dos cem. Meu avô Hilarion, por exemplo, viveu 105 anos. Isso não me assegura, todavia, idêntica longevidade, pois esses casos são extremas raridades. E onde estaria o nosso amanhã? O poeta sérvio, Milorad Pavitch, nos dá uma indicação de como antecipá-lo e encontrá-lo no livro “O Dicionário de Kazar”: “O caminho mais reto para se chegar ao futuro é seguir sempre na direção em que o nosso medo cresce”.

Pessimismo? Não! É sabedoria e bom-senso! Afinal, o que ainda pode (ou não) acontecer é absoluta incógnita. Tanto pode nos trazer a recompensa dos nossos esforços do presente (logicamente supondo-se que estes estejam sendo feitos e nos limites das nossas forças e da nossa capacidade), quanto a nossa inexorável extinção. A morte jamais manda aviso, não marca hora e muito menos antecipa o momento da sua chegada. Colhe suas vítimas, qualquer que seja a sua situação ou posição, como bem lembrou o padre Vieira no sermão a que nos referimos, nos momentos e locais mais inesperados: durante o sono, ao longo de uma refeição, no trabalho, no lazer, no amor, numa briga, numa conversa informal com os amigos e em milhares de outras circunstâncias e lugares. Pois, como concluiu com sapiência o escritor Vladimir Nabokov (autor do best-seller “Lolita”), “nossa existência não é mais do que um curto-circuito de luz entre duas eternidades de escuridão”.


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