Humildade lúcida
Pedro J. Bondaczuk
Confundimos, via de regra,
conceitos simples e tornamos complexo aquilo que de fato não é.
Duas virtudes indispensáveis na vida, geralmente mal-entendidas,
são, vira e mexe, desvirtuadas e ganham conotação de defeitos:
humildade e coragem.
Há quem entenda
(erroneamente, claro) que ser humilde é se apequenar diante do
próximo, o considerando superior em todos os aspectos. Engano. É,
isto sim, ter consciência da própria força e das potencialidades,
mas também das limitações. É saber que, por maiores que sejam os
nossos recursos, talentos e habilidades, são insuficientes para as
necessidades da vida. É, antes de tudo, contar com o indispensável
senso de proporção e com a benfazeja autocrítica..
Já a coragem não é, como
alguns pensam, se atirar de cabeça contra quaisquer perigos, sem
sequer atentar para as conseqüências. Isso é temeridade, senão
irresponsabilidade e tendência suicida. Ser corajoso não é isso.
É, isso sim, fazer, com determinação, cautela e método, o que tem
que ser feito, sem bravatas ou ostentações.
O saudoso escritor e
psicanalista Roberto Freire (não confundir com seu homônimo
político) escreveu o seguinte, a propósito, em sua coluna “Cidade
Aflita”, publicada no jornal Última Hora em 17 de dezembro de
1964, sob o título “Mano aí, sim”: “Viver integralmente o
nosso mundo, sem preconceito algum, aceitando suas contradições
como forças naturais e sociais em choque, à procura de uma síntese
evolutiva, eis a posição do homem de humildade lúcida e de coragem
despretensiosa. Não se trata de uma posição passiva,
absolutamente. Condenar apenas esta ou aquela atitude, aplaudir
outras, vivendo cômoda e covardemente à margem da realidade atual,
boa ou má, esta sim, seria a passividade condenável”.
O perdão, por sua vez, é uma
das atitudes mais nobres e superiores que podemos ter face aos
semelhantes. É, simultaneamente, humildade e coragem e, sobretudo,
ato de sabedoria, posto que, como seres imperfeitos e falíveis que
somos, freqüentemente, precisamos ser perdoados pelos agravos (reais
e/ou imaginários) que causamos ao próximo. E se não soubermos
perdoar quem nos ofenda, não há como pretender que sejamos
perdoados quando ofendermos alguém.
Não por acaso, o Mestre dos
Mestres, Jesus Cristo, fez desse ato sublime e nobre um dos pontos
centrais dos Seus ensinamentos. Parece que não aprendemos nada a
respeito. Não raro, nos recusamos a perdoar, até (ou
principalmente) as pessoas que dizemos amar, mostrando, na prática,
que nosso tão apregoado amor não passa de falsidade.
Existe alguma regra infalível,
alguma norma de conduta eficaz para orientar uma conversação útil
e proveitosa? Há algum dicionário específico que contenha as
palavras adequadas a serem usadas nessas ocasiões? Não, não
existe. Mas há uma atitude que podemos e devemos adotar como regra:
sensatez.
A pessoa sensata não sai por
aí falando, a torto e a direito, mal da vida alheia. Não inventa
rótulos para aplicar aos desafetos e nem perde tempo com conversas
vãs, que somente quebram o silêncio (que é tão precioso nesta
época de tanto barulho) por absolutamente nada.
A conversação sadia versa
sobre idéias, opiniões e conceitos a respeito de valores, de forma
equilibrada e respeitosa, sem que ninguém tente impor, a ferro e
fogo, seus próprios conceitos aos interlocutores. Consiste em
diálogo, nunca em maçantes monólogos.
Entre as muitas palavras
ambiguas, geralmente consideradas sinônimas sem que o sejam, duas
se destacam: orgulho e vaidade, ambas antônimas (cada qual à sua
maneira) da humildade. A primeira, traz em si, embutida, uma opinião.
Já a segunda, reflete, antes de tudo, um desejo secreto (raramente
admitido pelo vaidoso).
Conheço pessoas orgulhosas,
de nariz empinado, que se acham o supra-sumo da perfeição, mas que
não têm um pingo de vaidade. Não se importam nem um pouco com a
aparência, com a ostentação e nem com o que os outros pensam
delas. Suas opiniões sobre elas mesmas lhes bastam.
Também são muitos os
vaidosos que não nutrem qualquer orgulho. Querem ser admirados, mas
no fundo da alma acham que não são tão bons como gostariam de ser.
A escritora inglesa, Jane Austen, esclarece, a respeito: “O orgulho
relaciona-se mais com a opinião que temos de nós mesmos, e a
vaidade, com o que desejaríamos que os outros pensassem de nós”.
Melhor, claro, é deixarmos de
lado qualquer laivo de pretensão e nos revestirmos da humildade
lúcida e da coragem despretensiosa. Agindo dessa maneira, certamente
jamais precisaremos pedir perdão a quem quer que seja por eventuais
agravos. Mas, se ainda assim alguém se julgar ofendido por nossas
palavras ou pela nossa postura, não devemos hesitar um só momento.
Pertinente ou não a queixa alheia, jamais tenhamos a vergonha, ou a
vaidade, ou o orgulho de pedir perdão. Isso sim é viver com
coragem. É ter essa humildade lúcida de que tanto falei.
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