País carece de uma política
agrária
Pedro
J. Bondaczuk
A implantação da reforma
agrária no País, mais do que um mero ato político, é uma
necessidade inadiável e até uma ação de bom senso. Falar de falta
de terra para plantar, numa nação que detém uma das cinco maiores
áreas agriculturáveis do Planeta, chega a ser surrealista,
principalmente em se sabendo que a nossa densidade demográfica não
é das mais elevadas.
Quase 80% da população
brasileira está concentrada em cerca de duas dezenas de metrópoles,
deixando imensos espaços vazios inaproveitados. Mas, estranhamente,
se algum pioneiro tupiniquim ousasse empreender a nossa "marcha
para o Oeste", ao estilo dos Estados Unidos do século passado,
seria impedido. A maioria das terras, muitas das quais nunca pisadas
pelo homem branco, tem misteriosos donos.
A reforma agrária brasileira
é algo que não pode mais tardar. Já está atrasada, e no mínimo
em cinco décadas, causando essa estranha situação de um país com
irresistível vocação agrícola, que surgiu, foi colonizado e se
desenvolveu em função da fertilidade do seu solo, ter de importar
determinados alimentos, que podem ser produzidos com fartura até em
fundo de quintal das casas em grandes cidades.
O que existe é um autêntico
caos no setor, gerando, em decorrência, cenas de faroeste como as
verificadas na chamada zona do "Bico de Papagaio", que
abrange áreas do Sul do Pará, Norte de Goiás e Sudoeste do
Maranhão. E esta é somente uma das tantas regiões de conflito
existentes em praticamente todo o território brasileiro,
estranhamente um imenso vazio, improdutivo, desabitado e ocioso.
É evidente que as terras que
estão sendo cultivadas, até por uma razão de bom senso, não devem
ser tocadas. A reforma agrária que o presidente José Sarney
pretende implantar não se prende a questões ideológicas, como
ocorreu em Cuba e no Peru na década de 60 e nem às meramente
políticas, como a tentativa feita em El Salvador em 1981 ou a que se
ensaia na Nicarágua. Ela é, sobretudo, prática. Visa a tornar o
Brasil autossuficiente na produção de alimentos, fazendo com que o
País possa sair da casa dos 50 milhões de toneladas de grãos, em
que nossas safras vêm se mantendo há pelo menos uma década. O que
poderia ser uma "fartura", naquele tempo, hoje é uma
"indigência".
É verdade que aquilo que
falta não é somente novos empreendimentos agrícolas. Precisa-se de
toda uma política para o setor, para que os agricultores tenham
incentivos para exercer essa atividade fundamental e seu trabalho
possa ser recompensado com a valorização que merece, tanto por
parte do governo quanto da própria sociedade.
Se as verbas empregadas em
passado recente na jogatina da especulação, ou as que foram
depositadas em "paraísos fiscais" do Exterior, ou então
as enterradas em obras perfeitamente dispensáveis, mas que na
ocasião rendiam polpudos dividendos políticos, fossem investidas na
agricultura, hoje a colheita de 50 milhões de toneladas de grãos
seria a de uma única região. A produção brasileira seria, pelo
menos, o dobro dessa cifra.
No campo, está tudo por fazer
ainda. Não existe, por exemplo, um sistema eficiente de silagem, de
âmbito nacional. Toneladas e toneladas de alimentos apodrecem nas
lavouras por falta de preços compensadores para quem os produziu, de
estradas que escoem essa mercadoria, de armazéns onde ela possa ser
guardada, de regras decentes de comercialização, onde o agente da
geração dessa riqueza não seja encarado como um pária e os lucros
dos frutos do seu trabalho não venham a engordar as contas bancárias
de espertalhões que nada entendem da atividade, mas que ocupam esses
espaços para enriquecer às custas alheias. Os problemas,
evidentemente, não param por aí. Sua abordagem preencheria um
tratado, de dezenas de volumes.
Vários governos no passado
apregoaram que a agricultura era a sua prioridade. Mas ou por falta
de visão, ou de competência ou de vontade, relegaram esse setor ao
abandono, ao "Deus dará", ao esquecimento. Não basta, por
essa razão, dar simplesmente terras para quem não as possui se esse
ato não vier acompanhado das devidas condições para que ela se
torne produtiva. Essa, estejam certos, é a razão do governo de José
Sarney estar agindo com tanta cautela na aplicação da reforma
agrária.
O País está vivendo um
período acelerado de mudanças e é mais do que hora delas chegarem
finalmente ao campo. É o momento desses autênticos heróis
esquecidos, que sem as mínimas condições, contraindo dívidas,
apostando no escuro contra os caprichos da natureza e o descaso dos
políticos, ainda estão conseguindo, pelo menos, sustentar por anos
a fio safras de 50 milhões de toneladas de grãos.
Jamais poderemos sonhar em ser
um país forte se não obtivermos a independência alimentar. Não é
a quantidade de pessoas envolvidas na atividade agrícola que conta
para que o Brasil seja bem abastecido, mas a sua eficiência. Os
Estados Unidos dão sobejas provas disso. O número de seus
agricultores é irrisório, quando comparado com a massa de sua
população. Mas essa superpotência é o celeiro de alimentos do
mundo. E é por isso que ela ostenta esse posição de suprema
liderança mundial.
(Artigo publicado na página
2, Opinião, do Correio Popular, em 25 de maio de 1986)
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