Monday, May 08, 2017

País carece de uma política agrária


Pedro J. Bondaczuk


A implantação da reforma agrária no País, mais do que um mero ato político, é uma necessidade inadiável e até uma ação de bom senso. Falar de falta de terra para plantar, numa nação que detém uma das cinco maiores áreas agriculturáveis do Planeta, chega a ser surrealista, principalmente em se sabendo que a nossa densidade demográfica não é das mais elevadas.

Quase 80% da população brasileira está concentrada em cerca de duas dezenas de metrópoles, deixando imensos espaços vazios inaproveitados. Mas, estranhamente, se algum pioneiro tupiniquim ousasse empreender a nossa "marcha para o Oeste", ao estilo dos Estados Unidos do século passado, seria impedido. A maioria das terras, muitas das quais nunca pisadas pelo homem branco, tem misteriosos donos.

A reforma agrária brasileira é algo que não pode mais tardar. Já está atrasada, e no mínimo em cinco décadas, causando essa estranha situação de um país com irresistível vocação agrícola, que surgiu, foi colonizado e se desenvolveu em função da fertilidade do seu solo, ter de importar determinados alimentos, que podem ser produzidos com fartura até em fundo de quintal das casas em grandes cidades.

O que existe é um autêntico caos no setor, gerando, em decorrência, cenas de faroeste como as verificadas na chamada zona do "Bico de Papagaio", que abrange áreas do Sul do Pará, Norte de Goiás e Sudoeste do Maranhão. E esta é somente uma das tantas regiões de conflito existentes em praticamente todo o território brasileiro, estranhamente um imenso vazio, improdutivo, desabitado e ocioso.

É evidente que as terras que estão sendo cultivadas, até por uma razão de bom senso, não devem ser tocadas. A reforma agrária que o presidente José Sarney pretende implantar não se prende a questões ideológicas, como ocorreu em Cuba e no Peru na década de 60 e nem às meramente políticas, como a tentativa feita em El Salvador em 1981 ou a que se ensaia na Nicarágua. Ela é, sobretudo, prática. Visa a tornar o Brasil autossuficiente na produção de alimentos, fazendo com que o País possa sair da casa dos 50 milhões de toneladas de grãos, em que nossas safras vêm se mantendo há pelo menos uma década. O que poderia ser uma "fartura", naquele tempo, hoje é uma "indigência".

É verdade que aquilo que falta não é somente novos empreendimentos agrícolas. Precisa-se de toda uma política para o setor, para que os agricultores tenham incentivos para exercer essa atividade fundamental e seu trabalho possa ser recompensado com a valorização que merece, tanto por parte do governo quanto da própria sociedade.

Se as verbas empregadas em passado recente na jogatina da especulação, ou as que foram depositadas em "paraísos fiscais" do Exterior, ou então as enterradas em obras perfeitamente dispensáveis, mas que na ocasião rendiam polpudos dividendos políticos, fossem investidas na agricultura, hoje a colheita de 50 milhões de toneladas de grãos seria a de uma única região. A produção brasileira seria, pelo menos, o dobro dessa cifra.

No campo, está tudo por fazer ainda. Não existe, por exemplo, um sistema eficiente de silagem, de âmbito nacional. Toneladas e toneladas de alimentos apodrecem nas lavouras por falta de preços compensadores para quem os produziu, de estradas que escoem essa mercadoria, de armazéns onde ela possa ser guardada, de regras decentes de comercialização, onde o agente da geração dessa riqueza não seja encarado como um pária e os lucros dos frutos do seu trabalho não venham a engordar as contas bancárias de espertalhões que nada entendem da atividade, mas que ocupam esses espaços para enriquecer às custas alheias. Os problemas, evidentemente, não param por aí. Sua abordagem preencheria um tratado, de dezenas de volumes.

Vários governos no passado apregoaram que a agricultura era a sua prioridade. Mas ou por falta de visão, ou de competência ou de vontade, relegaram esse setor ao abandono, ao "Deus dará", ao esquecimento. Não basta, por essa razão, dar simplesmente terras para quem não as possui se esse ato não vier acompanhado das devidas condições para que ela se torne produtiva. Essa, estejam certos, é a razão do governo de José Sarney estar agindo com tanta cautela na aplicação da reforma agrária.

O País está vivendo um período acelerado de mudanças e é mais do que hora delas chegarem finalmente ao campo. É o momento desses autênticos heróis esquecidos, que sem as mínimas condições, contraindo dívidas, apostando no escuro contra os caprichos da natureza e o descaso dos políticos, ainda estão conseguindo, pelo menos, sustentar por anos a fio safras de 50 milhões de toneladas de grãos.

Jamais poderemos sonhar em ser um país forte se não obtivermos a independência alimentar. Não é a quantidade de pessoas envolvidas na atividade agrícola que conta para que o Brasil seja bem abastecido, mas a sua eficiência. Os Estados Unidos dão sobejas provas disso. O número de seus agricultores é irrisório, quando comparado com a massa de sua população. Mas essa superpotência é o celeiro de alimentos do mundo. E é por isso que ela ostenta esse posição de suprema liderança mundial.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 25 de maio de 1986)



Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

No comments: