Diversão
ou reflexão?
Pedro
J. Bondaczuk
O filósofo Blaisé Pascal
condena o divertimento, que classifica de “maior das nossas
misérias”. Destaca que o tempo perdido com distrações fúteis e
vazias poderia (e deveria) ser utilizado para reflexão, notadamente
sobre nossas dúvidas, medos, anseios e projetos pessoais. Discordo
do ilustre pensador. Entendo que, desde que moderado, o divertimento
(aquele que realmente diverte e não o que aborrece ou degrada) é
não somente válido, como, até, absolutamente necessário.
Trata-se de uma pausa em nossa
luta cotidiana para construir uma vida exemplar e produtiva, que
justifique, principalmente, nossa existência e nos marque na memória
da nossa e das futuras gerações. Não é o que acontece, porém,
com a maioria esmagadora das pessoas, forçada a trabalhar no que lhe
aparece para garantir o “pão nosso de cada dia” e não no que
gosta e sabe fazer melhor.
Tempo nós perdemos, por
exemplo, em algum desses tantos empregos (a maioria) em que nos são
designadas tarefas opressivas, monótonas e repetitivas, dessas de
enlouquecer qualquer indivíduo que tenha pelo menos mais do que dois
neurônios. Isso quando não são insalubres e até perigosas para
nossa integridade física e/ou mental.
E fazemos isso por que? Para
nossa evolução espiritual ou material? Não, não e não!!!
Envelhecemos precocemente; nos sentimos perdidos, infelizes e
desamparados; remoemos ressentimentos; suportamos cansaços e dores;
engolimos desaforos de chefetes estúpidos e irracionais, enfim,
submetemo-nos a tantos vexames e tamanhos riscos apenas, e tão
somente, para obtermos “migalhas” que nos sustentem.
Os mais resistentes, ou mais
inconscientes, ou mais dóceis talvez (ou tudo isso junto), conseguem
a façanha de permanecer trinta e cinco anos ininterruptos no
mesmíssimo emprego. E o que lhes dão como “prêmio” por tamanha
constância e assiduidade?
Essas pessoas conseguem (e
quando conseguem) uma aposentadoria ridícula e perversa, cujo valor
é insuficiente para pelo menos cobrir os custos dos remédios que
precisam tomar para atenuar as doenças que contraem em decorrência
não somente do esforço, mas, principalmente, das privações pelas
quais tiveram que passar por quase quatro décadas e só. Estou fora
dessa!
Alguns (raríssimos) obtêm
suposto reconhecimento dos patrões, que lhes dão (quando dão) de
lembrança, por tantos e tantos anos de sacrifícios, lutas,
desespero e frustrações, um reles cartão de prata, com palavras
pomposas, mas hipócritas, por serem meramente formais e uma caneta
dourada, ou algo parecido, objetos, convenhamos, sem nenhuma
serventia.
Sei que essa minha constatação
é, digamos, subversiva ou, no mínimo, “politicamente incorreta”.
Mas é a puríssima realidade, que quase todos sabem que é assim,
mas pouquíssimos têm a coragem de denunciar. Classifico esse tipo
de trabalho de “escravidão remunerada”. Temos alternativas? Cada
qual que responda por si. Eu encontrei a minha.
Despendemos esforço demais
para vantagens de menos. Quem acaba lucrando com nosso desdobramento
muscular (ou intelectual, não importa) é, invariavelmente, aquele
que nos contrata e que valoriza tão pouco (ou quase nada) a nossa
capacidade produtiva. E surge, de novo, a pergunta: temos
alternativas? E reitero, a título de resposta: cada qual que
responda por si.
Isso sim é perda de tempo
(pior, é desperdício de vida) e não os divertimentos. Há, é
claro, os que exageram na maneira de se divertir. Despendem todo o
tempo de que dispõem em diversões muitas vezes tolas e que sequer
divertem tanto assim, em detrimento da evolução material, mental e,
sobretudo espiritual. Argumentam que, se não agirem assim, suas
vidas serão um interminável tédio.
O eminente filósofo francês,
porém, argumentou que o tédio, nesses casos, é necessário.
Garantiu que, para nos livrarmos dele, procuraremos um meio
inteligente e sólido como alternativa e, com isso, evoluiremos, se
não materialmente (e até essa possibilidade ele prevê), pelo menos
espiritualmente. Pascal não deixa de ter razão. Mas... apenas
parcialmente.
Suas palavras exatas, que
constam do livro “Pensamentos”, são as seguintes: “A única
coisa que nos consola das nossas misérias é o divertimento, e,
contudo, é a maior das nossas misérias. Porque é isto que nos
impede, principalmente, de pensar em nós, e que nos faz perder,
insensivelmente. Sem isso, estaríamos no tédio, e este tédio nos
levaria a procurar um meio mais sólido de sair dele. Mas o
divertimento distrai-nos e faz-nos chegar, insensivelmente, à
morte”.
Convenhamos, reitero, que o
filósofo não deixa de ter razão. Mas... apenas parcialmente. O que
nos distrai, mais do que tudo, e nos faz chegar “insensivelmente à
morte” é a “escravidão remunerada”, que nos incutem na
cabeça, desde criancinhas, que se trata de preciosa virtude quando,
na verdade, não passa de abjeta e suicida submissão, que nos custa
muito caro. Tem um preço proibitivo.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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