Monday, May 01, 2017

Realismo letão


Pedro J. Bondaczuk


O poderoso "império" soviético foi mais uma vez desafiado, ontem, com a aprovação da declaração de independência da Letônia, decidida por uma margem de seis votos além dos 132 necessários, pelo seu Parlamento nacional, completando a "trinca" das Repúblicas bálticas, anexadas à URSS em 1940, que agora exigem a restauração de suas soberanias. As outras duas foram a Lituânia e a Estônia. Mais uma "dor de cabeça", portanto, para o presidente Mikhail Gorbachev, que tenta, de todas as maneiras, evitar a desagregação da federação, processo, aliás, tornado possível exatamente em conseqüência das profundas reformas políticas, econômicas e sociais que ele vem fazendo no país.

Os letões, todavia, ao contrário de seus vizinhos lituanos e estonianos, escolheram uma estratégia diferente para a secessão. Ao invés do confronto, optaram pela flexibilidade, pela negociação, pela maleabilidade, ao preverem um período de transição rumo à autonomia completa. Se o Cremlin vai ou não engolir isso, é o que veremos futuramente. Todavia, o caminho escolhido por essa República expõe menos Gorbachev diante de seus adversários internos, os políticos de linha dura do Partido Comunista e os nacionalistas russos, que consideram uma "heresia" o mais leve movimento tendente a desagregar o extenso império eurasiano.

O presidente letão, Anatoly Gorbunov, mostrou um realismo muito grande anteontem, ao afirmar, no Parlamento, em Riga, que o seu povo não deve esperar nada do Ocidente, além de vagas declarações de simpatia, pois os ocidentais não iriam arriscar seus interesses na União Soviética por causa de "cinco milhões de bálticos". Por essa razão, não é irreal supor que a estratégia que escolheu venha a ser bem sucedida e até mesmo se constituir num modelo para o novo tipo de relacionamento que Gorbachev diz desejar criar entre as mais de 100 etnias e nacionalidades que constituem a URSS.

O líder do Cremlin já deixou claro que vai propor ao Parlamento nacional um novo tipo de federacionismo, onde cada uma das 15 Repúblicas terá o seu próprio espaço. Estará filiada por livre vontade e consentimento do seu povo, e não por imposição de Moscou. Há quem coloque em dúvida a sinceridade do presidente soviético. Existem, também, os que confiam nele, mas não acreditam que ele tenha força política suficiente, não somente para instituir o novo federacionismo, como até mesmo para se conservar no poder sequer até o final do corrente ano. Mas para quem já fez tanta coisa, julgada antes impossível, como Gorbachev, tudo pode ser possível. Até a "absorção" pura e simples, sem maiores traumas, da independência das três Repúblicas bálticas.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 5 de maio de 1990)



Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

No comments: