Realismo letão
Pedro J. Bondaczuk
O poderoso "império"
soviético foi mais uma vez desafiado, ontem, com a aprovação da
declaração de independência da Letônia, decidida por uma margem
de seis votos além dos 132 necessários, pelo seu Parlamento
nacional, completando a "trinca" das Repúblicas bálticas,
anexadas à URSS em 1940, que agora exigem a restauração de suas
soberanias. As outras duas foram a Lituânia e a Estônia. Mais uma
"dor de cabeça", portanto, para o presidente Mikhail
Gorbachev, que tenta, de todas as maneiras, evitar a desagregação
da federação, processo, aliás, tornado possível exatamente em
conseqüência das profundas reformas políticas, econômicas e
sociais que ele vem fazendo no país.
Os letões, todavia, ao
contrário de seus vizinhos lituanos e estonianos, escolheram uma
estratégia diferente para a secessão. Ao invés do confronto,
optaram pela flexibilidade, pela negociação, pela maleabilidade, ao
preverem um período de transição rumo à autonomia completa. Se o
Cremlin vai ou não engolir isso, é o que veremos futuramente.
Todavia, o caminho escolhido por essa República expõe menos
Gorbachev diante de seus adversários internos, os políticos de
linha dura do Partido Comunista e os nacionalistas russos, que
consideram uma "heresia" o mais leve movimento tendente a
desagregar o extenso império eurasiano.
O presidente letão, Anatoly
Gorbunov, mostrou um realismo muito grande anteontem, ao afirmar, no
Parlamento, em Riga, que o seu povo não deve esperar nada do
Ocidente, além de vagas declarações de simpatia, pois os
ocidentais não iriam arriscar seus interesses na União Soviética
por causa de "cinco milhões de bálticos". Por essa razão,
não é irreal supor que a estratégia que escolheu venha a ser bem
sucedida e até mesmo se constituir num modelo para o novo tipo de
relacionamento que Gorbachev diz desejar criar entre as mais de 100
etnias e nacionalidades que constituem a URSS.
O líder do Cremlin já deixou
claro que vai propor ao Parlamento nacional um novo tipo de
federacionismo, onde cada uma das 15 Repúblicas terá o seu próprio
espaço. Estará filiada por livre vontade e consentimento do seu
povo, e não por imposição de Moscou. Há quem coloque em dúvida a
sinceridade do presidente soviético. Existem, também, os que
confiam nele, mas não acreditam que ele tenha força política
suficiente, não somente para instituir o novo federacionismo, como
até mesmo para se conservar no poder sequer até o final do corrente
ano. Mas para quem já fez tanta coisa, julgada antes impossível,
como Gorbachev, tudo pode ser possível. Até a "absorção"
pura e simples, sem maiores traumas, da independência das três
Repúblicas bálticas.
(Artigo publicado na página
11, Internacional, do Correio Popular, em 5 de maio de 1990)
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment