Sublime modelagem
Pedro J. Bondaczuk
A escultura, de todas as
artes, é a que mais me fascina. Fico pasmo com o talento de
determinadas pessoas de transformar pedra bruta, mármore, madeira,
aço ou seja lá o material que for, em figuras. Algumas esculturas
são tão perfeitas nos detalhes, que não me surpreenderia se
saíssem andando e falando e acabassem por se transformar em gente
como a gente.
Não acho nada exagerada,
portanto, a exclamação de Michelangelo Buonarroti diante do Moisés,
que acabara de esculpir. Gritou, no auge do entusiasmo, ciente de que
havia produzido uma obra-prima: “Parla Moses!”. Eu teria feito o
mesmo. Ou talvez teria sido, até mesmo, bem mais exagerado, diante
de um feito artístico desse porte.
Notem a perfeição, por
exemplo, do “O Pensador”, de Auguste Rodin. E não somente dele,
mas de outras tantas esculturas, de milhares e milhares de artistas,
desde a Grécia Antiga até os tempos atuais. Poderia passar horas
citando escultores e mais escultores notáveis, do passado e do
presente, e suas mágicas produções. Claro que se o fizesse,
jamais deixaria de enfatizar o talento do nosso Aleijadinho, que
trabalhou em condições físicas para lá de precárias e nos legou
maravilhas, como os 12 profetas de Congonhas do Campo.
Conta a lenda (na verdade, a
mitologia grega) que um desses artistas excepcionais esculpiu uma
estátua tão perfeita, que esta findou por ganhar vida e ele se
casou com tal criatura, que até lhe gerou um filho. Refiro-me,
claro, a Pigmalião. Para quem não se lembra, ou não sabe (afinal,
ninguém é obrigado a saber de tudo), esclareço que esse personagem
lendário, além de exímio escultor, era rei: da ilha de Chipre.
Já havia produzido inúmeras
obras, que se destacavam pela perfeição e riqueza de detalhes.
Contudo, num certo dia, excedeu-se em perícia. Esculpiu a estátua
do que considerava a “mulher ideal”, notadamente no aspecto
estético. Era belíssima, toda simétrica, de beleza inigualável,
como jamais fora vista naqueles tempos remotos. E ocorreu o que nem
Pigmalião esperava: ele se apaixonou pela sua obra. Mas não se
tratou de mera paixão de artista, mas de macho por uma fêmea ideal
que na verdade não passava de mera imagem de pedra.
Esclareça-se que o rei de
Chipre havia optado pelo celibato. Sua decisão, na verdade, era
enfática crítica à atitude das mulheres da ilha, que o monarca
considerava libertinas e malsãs e, portanto, condenáveis. A
solidão, porém, começou a doer-lhe literalmente na carne. Ardia de
desejos e não tinha como os saciar. Ademais, sem mulher, não tinha
como gerar um herdeiro que lhe sucedesse no trono. Sua maior vontade,
a que lhe tirava o sono e a alegria de viver, era a de que a figura
que havia esculpido e que era, no seu parecer, o protótipo da
companheira ideal, adquirisse vida.
Naqueles tempos, homens e
deuses conviviam e não raro até se opunham uns aos outros, travando
batalhas sem fim. Não foi o caso de Pigmalião. A deusa Afrodite,
penalizada com a situação do monarca-escultor, resolveu fazer-lhe
uma surpresa. E que surpresa! Deu vida à escultura, que recebeu o
nome de Galatéia, com a qual ele se casou e que lhe gerou o tão
sonhado herdeiro: Pafos. Em ficção é sempre assim.
Invariavelmente, há um “happy end”. Todavia na vida...
O poeta romano Ovídio narrou,
também, esse mito, que havia ouvido de um escravo grego, em versos
marcantes, no livro “Metamorfoses”. O escritor e dramaturgo
irlandês George Bernard Shaw, ganhador do Prêmio Nobel de
Literatura de 1922, trouxe a história para os tempos modernos, com a
peça “My Fair Lady”, adaptada como tema de vários musicais da
Broadway, de Hollywood e de outros tantos centros teatrais mundo
afora (inclusive, claro, no Brasil).
Em Psicologia, há, também, o
chamado Efeito Pigmalião. Trata-se do ato de interpretar a realidade
não como ela é, mas de acordo com as nossas expectativas e desejos.
É, pois, uma forma, até bastante comum e corriqueira, de alienação.
Se admiro e invejo a maneira
literal de esculpir objetos e seres, tenho maior admiração e
inveja, ainda, da figurada. O escritor Victor Hugo – poeta notável
e romancista de primeiríssima linha – expressa, com maior
precisão, o que quero dizer. Escreveu, em certa ocasião: “Modelar
uma estátua e dar-lhe vida é belo; modelar uma inteligência e
dar-lhe verdade é sublime”. E não é?!
Prometo, oportunamente, voltar
ao tema e tratar dessa fundamental modelagem. O educador, paciente e
sábio, é, de fato, exímio escultor. Mais do que isso, é sublime.
Esculpe não figuras de pedra, madeira ou aço, inanimadas e frias,
mas molda personalidades, talentos e vidas. A ele, pois, rendo a
minha admiração, meu agradecimento e minha eterna e humilde
reverência.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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