Baile
de máscaras
Pedro
J. Bondaczuk
A
vida em sociedade – seja esta de que natureza for, a família, a
escola, a igreja, o clube, a comunidade, o bairro, a cidade, o Estado
ou a Nação – pode ser comparada a um grande baile de máscaras,
em que procuramos dissimular o que de fato somos, numa espécie de
autodefesa. Queiramos ou não, estejamos ou não dispostos a admitir,
na maior parte do tempo não nos mostramos em nossa plenitude a
ninguém e representamos um determinado papel.
Amiúde,
fala-se em “personalidade”, que seria, grosso modo, a nossa
essência, o que nos caracteriza de fato. Na verdade, contudo, esta é
exatamente a máscara que usamos para esconder nosso rosto. Ninguém
é, no íntimo, o que aparenta ser e que busca convencer os outros
que seja.
E
por que agimos dessa maneira? Por que nos empenhamos tanto em iludir
o próximo sobre o que somos, queremos, pensamos, sonhamos etc.?
Apenas pelo prazer da contradição? Por sermos, no âmago, rematados
patifes? Não creio! Agimos dessa maneira para defender nosso mundo
secreto dos olhares indiscretos dos que nos cercam.
Essa
dissimulação é uma autodefesa, um escudo, uma couraça cuja
eficácia, todavia, é contestável. Desconfio que nunca funciona a
contento. Deixamos escapar, aqui e ali, por gestos e palavras, o que
de fato somos e buscamos esconder com tamanho afinco. A tentativa,
sobretudo, é a de preservar a originalidade dos nossos sonhos e de
impedir, assim, que estes venham a ser maculados, e destarte
comprometidos, pela intrusão alheia.
Esse
teatro, em que se tornou (sabe Deus desde quando) a chamada vida
social, ora se constitui em tragédia (na maior parte do tempo), ora
em comédia, em que nosso lado patético (e o dos demais “atores”,
evidentemente) ressalta, sem que seja, sequer, percebido.
Falta
autenticidade na maioria dos relacionamentos, sejam de que natureza
forem. Faltam clareza, transparência e verdade. Quem levantou, com
muita sensibilidade, este tema, foi Luísa Levinson, parceira de
Jorge Luiz Borges na coletânea de contos “La Hermana de Heloísa”
(que, creio, não foi traduzida para o português e nem publicada no
Brasil), que, em determinado trecho escreveu: “Sabe-se que, para
viver em sociedade, homens e mulheres procuram máscaras, ou se
escondem no que chamamos personalidade, para defender seu mundo
secreto e preservar a infância dos sonhos”.
Quanto
mais racionais nos tornamos (ou julgamos nos tornar), mais temos que
aprender, e nos acostumar, a conviver com a solidão. E essa
convivência, quase sempre, nos é intolerável. Optamos, via de
regra, por dissimular o que somos, pensamos ou queremos, apenas para
não ficarmos sós. Ou seja, aceitamos as regras, vestimos nossa
máscara, para, dessa maneira, participar desse grande baile, dessa
imensa farsa.
Ademais,
nossa evolução (quando ocorre) não é acompanhada,
necessariamente, pela dos que nos rodeiam. Estes, muitas vezes, até
regridem, o que é mais comum do que se pensa. Entregam-se a
superstições, escondem-se no álcool, nas drogas, ou em diversões
baratas e banais, que não passam de perda de tempo, evitando o
incômodo encontro consigo próprias, numa tentativa desesperada (e
inútil) de preencher esse vazio na alma que sentem, mas não sabem
definir. Não suportam encarar suas fraquezas, patifarias e defeitos.
Por isso, dissimulam o que são, querem e pensam. Vestem, por seu
turno, as suas máscaras.
Quantas são
as vezes em que, face a grandes sucessos ou a enormes fracassos não
ficamos atônitos a nos perguntar: quem, de fato, somos? Na verdade,
conhecemos muito pouco a nosso próprio respeito. Certamente, somos
muito mais fortes do que pensamos e muito mais frágeis do que
gostaríamos de ser.
De tanto
nos mascararmos, em determinado momento chegamos a perder de vista a
verdadeira identidade. De todo o conhecimento a que temos acesso, o
mais complexo é o que se refere a nós. É o de sabermos realmente
quem somos, como reagiremos diante de determinado fato e até onde
vai nossa capacidade de amar e de nos doar ao próximo.
Esse tema é
recorrente em meus textos. Em 23 de setembro de 1974, por exemplo,
compus um poema, intitulado “Dissimulação”, com o qual venci um
concurso de poesias. Escrevi, na oportunidade:
“Figuram-me
triste,
com um
ar "blasée",
revestido
de tédio,
envolto
na saudade,
a viver
do passado.
E eu
revisto o rosto em sombras,
torno os
olhos opacos,
os
sentimentos "gris",
crispo e
selo os lábios.
E desta
melancólica armadura
faço um
perfeito disfarce,
útil
arma de defesa,
escudo
protetor,
refúgio
indevassável.
Mas a
alma, escondida,
secretamente,
estua de
alegria.
O
coração, à socapa,
mal
esconde o seu júbilo.
A
máscara falsa do rosto
nem
sempre pode dissimular
que amo
a vida,
que
creio em Deus,
que sou
feliz!!!”
Que tal se
eu não somente assumisse, publicamente, essa felicidade, como a
compartilhasse com todos ao meu redor? Que tal se eu vencesse o medo
de me expor e inovasse, nesse imenso “baile de máscaras” social,
aparecendo exatamente como sou, o que para os outros participantes,
certamente, pareceria que eu estivesse mascarado, mesmo sem estar?! É
caso para se pensar... Ou, pelo menos, para se tentar, para ver no
que dá.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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