Encontros
e desencontros
Pedro
J. Bondaczuk
A memória, vira e mexe, nos
prega cada peça! Coloca-nos em situações às vezes engraçadas, é
verdade, quando analisadas depois de haverem passado, mas, não raro,
nos mete, também, em algumas embrulhadas que são bastante
constrangedoras.
Uma das suas características
é a seletividade. Desconhecemos, todavia, quais são os critérios
que utiliza nessa seleção. A memória é, pois, caprichosa e, às
vezes, até capciosa. Há ocasiões em que nos lembramos com extrema
facilidade de tudo, até de algum poema que decoramos quando tínhamos
onze anos idade, para ser declamado em alguma dessas festinhas da
escola, e que julgávamos ter esquecido por completo. Em outras,
todavia... Esquecemo-nos, até, de como se executa determinado
trabalho, que aprendemos a fazer a somente alguns meros dias e nos
vemos em sérios apuros por isso.
Não se trata de ser
desmemoriado. São situações meramente fortuitas e ocasionais,
talvez ligadas ao estresse, talvez à afobação, sei lá.
Lembramo-nos, por exemplo, de determinado fato, ou de certa pessoa,
que julgávamos sem importância e nos esquecemos de outros, que um
dia chegamos a julgar importantíssimos, mas que o tempo e as
circunstâncias se encarregaram de provar que não tinham toda essa
importância (quando não, rigorosamente, nenhuma).
São mistérios da nossa
mente. Quantas vezes fui surpreendido por esses súbitos lapsos de
memória, por esses constrangedores esquecimentos! Não raro, na rua,
no trabalho, no shopping ou em algum outro lugar público qualquer,
alguém parte em minha direção, com os braços abertos, pronto para
me dar um abraço, com um largo sorriso nos lábios e gritando, com
entusiasmo, o meu nome e, no entanto... nem sei de quem se trata.
Simplesmente, não me lembro!
Nessas circunstâncias, sou
obrigado a fingir, o que contraria tudo o que acredito. Detesto
fingimento, mas há momentos em que ele se faz necessário. Afinal,
ninguém gosta de ser esquecido. Eu, pelo menos, detesto. Evito,
claro, de dizer o nome dessa pessoa (e nem poderia, pois na verdade
nem sei quem é) e busco agir com a maior naturalidade, como se, de
fato, me lembrasse de quem se trata e estivesse feliz de revê-la.
Até aqui, a tática sempre deu certo. Mas que é constrangedor, não
há como negar.
Há, também, o outro lado da
questão, quando as posições se invertem. A gente se lembra de
alguém, de quem gosta, reconhece-a na rua e parte, feliz, em sua
direção. No entanto, percebe, por seu olhar, que essa pessoa não
nos reconhece. Seus olhos, surpresos e indagadores, revelam isso com
absoluta verdade. Algumas fingem nos ter reconhecido (da mesma forma
que nós fazemos com outras), mas percebemos que não reconheceram
coisa nenhuma. Outras... nem isso. Simplesmente nos dizem, na lata,
não raro com inusitada agressividade, que não sabem quem nós somos
e seguem seu caminho, rumo (agora sim) ao eterno esquecimento, não
sem antes nos fazer passar um carão daqueles!
Existe, ainda, uma outra
situação. É a de algumas pessoas que conhecemos de passagem, nos
vemos por somente uma ou duas vezes, trocamos algumas palavras e nos
separamos. Todavia, há tanta afinidade entre ambos, tamanha empatia,
que passados cinqüenta anos ou mais, uma lembra da outra, com
carinho e com saudade. E quando se reencontram, se isso porventura
acontece, tratam-se com tamanha intimidade, com tanta afeição
recíproca, que é como se tivessem prolongada amizade, de anos a
fio, sem nenhuma separação, e que se sintam acumpliciadas por esse
sentimento.
Cheguei a apaixonar-me nessas
circunstâncias. Fiquei com a imagem dessa mulher por meses no
pensamento. Essa lembrança, tão cara e meiga, chegou, mesmo, a ser
uma obsessão para mim. Acreditei, porém, que se tratasse de mero
capricho de moço, ávido por encontrar sua “cara metade”. Custei
a tirá-la da memória. Nunca, porém, a tirei por completo. Mesmo
depois de alguns anos, uns dez ou mais, me lembrava dela e sempre com
carinho e saudade, mas, também, com indisfarçável frustração.
O tempo passou, segui meu rumo
e nunca mais vi aquela mulher. Qual não foi minha surpresa, porém,
quando mais de quarenta anos depois, descobri que ela se lembrava
nitidamente de mim e mais, que o sentimento de afeto era recíproco.
Ou seja, que eu também havia conseguido “balançar” seu coração.
Por que, então, não deu certo e não acabamos juntos, como nessas
histórias incríveis, com infalível “happy end”? Atribuo o
fracasso (se é que possa caracterizar esse desencontro dessa forma)
às circunstâncias, que juntaram, por breves momentos, nossos
caminhos, mas os separaram a seguir, por tantos e tantos anos.
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