Seca e eleições
Pedro J. Bondaczuk
A
seca no Nordeste, tendo por conseqüência o doloroso drama da fome, que afeta a
quase cinco milhões de sertanejos na região, vem sendo amplamente explorada por
políticos --- governistas e da oposição --- como tema de campanha, com vistas
às eleições de outubro próximo. Em vez de tomarem as providências cabíveis,
para minorar o sofrimento desses brasileiros, pessoas inescrupulosas buscam
tirar vantagens, objetivando conseguir os votos dos despreparados ou mal
informados (infelizmente ainda a maioria) que os manterão encastelados no
poder. Exageram os erros uns dos outros, (e não o problema, que por si só é
gravíssimo) com a evidente finalidade de manipular a opinião pública.
A
oposição, por exemplo, acusa o governo de nada ter feito para prevenir o drama,
já que em setembro do ano passado sabia que haveria seca na região, em
conseqüência do fenômeno climático El Niño. A acusação, no entanto, não é de
todo procedente. É certo que faltou presteza no atendimento dos flagelados,
provavelmente em decorrência do excesso de burocracia, este mal que tanto
azucrina a vida pública brasileira. Não se agiu, como se deveria, em sentido
preventivo, mesmo existindo recursos para isso.
Os
governistas, por seu turno, exageram a participação do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem-Terra nos saques ocorridos em armazéns e
supermercados, insuflando os desesperados flagelados a cometerem esse delito. O
MST não é integrado por "santos", é óbvio. Tem, evidentemente,
explorado politicamente o problema, como fazem seus adversários. É culpado por
esse desrespeito ao patrimônio alheio e, portanto, cúmplice, quando não agente
direto, do crime. Mas longe das proporções apontadas.
Relatório
da Polícia Militar no Nordeste, divulgado no dia 26 pelo jornal Folha de São
Paulo, dá conta de que, em apenas nove dos 46 saques ocorridos na região, houve
a interferência dos sem-terra. Claro que se trata de questão de princípio, de
respeito à lei, e não de números. Mas é evidente a exploração política desses
episódios, para jogar a opinião pública contra determinado candidato à
Presidência, no caso o petista Luís Inácio Lula da Silva, que por sinal se opõe
a essa atitude.
Melhor
fariam as duas partes se agissem como vêm fazendo milhares de pessoas e
entidades, a maioria anônimos, promovendo campanhas de arrecadação de alimentos
e medicamentos para socorrer os irmãos nordestinos. E não se trata de caridade,
conforme alguns insinuam. É genuíno, espontâneo e louvável ato de solidariedade
humana.
É
até redundante dizer da necessidade de uma solução definitiva para o problema
da seca. Este poderia ter sido equacionado, ou pelo menos reduzido, há tempos,
desde o início do século, caso não houvesse quem se beneficiasse da desgraça
alheia.
Gerações
e mais gerações de brasileiros têm ouvido falar desse flagelo, sem que nada de
eficaz tenha sido feito a respeito. Cria-se, aqui ou ali, uma ou outra frente
de trabalho, sabidamente ineficaz. Distribuem-se minguadas rações de comida,
que mal dão para manter uma pessoa viva por um mês. E, muitas vezes, nem isso é
feito, deixando o sertanejo relegado ao próprio destino. Planos contra a seca
existem em profusão, como o de perfuração de poços artesianos nas zonas mais
críticas, o do desvio do Rio São Francisco para essas áreas e tantos outros
projetos factíveis, relativamente baratos, mas que nunca saem do papel.
Políticos
cínicos temem perder seu "cabo eleitoral" preferido. Sem sermos
pessimistas, todos temos a íntima convicção de que outras tantas secas virão,
trazendo as mesmíssimas conseqüências sociais da atual, sem que nada de eficaz
e competente seja feito em favor da sofrida e valente população nordestina.
Espertalhões inescrupulosos continuarão explorando, sem nenhuma cerimônia, essa
tremenda tragédia humana, convencendo os inocentes úteis a lhe darem seus
votos, e estes darão, os mantendo na vida pública por anos a fio, quando
deveriam banir essa corja, que não tem censo cívico, responsabilidade ou a
mínima consideração pelo sofrimento alheio.
(Texto
escrito em 26 de maio de 1998 e publicado como editorial na Folha do Taquaral).
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