Friday, September 23, 2016

Seca e eleições


Pedro J. Bondaczuk


A seca no Nordeste, tendo por conseqüência o doloroso drama da fome, que afeta a quase cinco milhões de sertanejos na região, vem sendo amplamente explorada por políticos --- governistas e da oposição --- como tema de campanha, com vistas às eleições de outubro próximo. Em vez de tomarem as providências cabíveis, para minorar o sofrimento desses brasileiros, pessoas inescrupulosas buscam tirar vantagens, objetivando conseguir os votos dos despreparados ou mal informados (infelizmente ainda a maioria) que os manterão encastelados no poder. Exageram os erros uns dos outros, (e não o problema, que por si só é gravíssimo) com a evidente finalidade de manipular a opinião pública.

A oposição, por exemplo, acusa o governo de nada ter feito para prevenir o drama, já que em setembro do ano passado sabia que haveria seca na região, em conseqüência do fenômeno climático El Niño. A acusação, no entanto, não é de todo procedente. É certo que faltou presteza no atendimento dos flagelados, provavelmente em decorrência do excesso de burocracia, este mal que tanto azucrina a vida pública brasileira. Não se agiu, como se deveria, em sentido preventivo, mesmo existindo recursos para isso.

Os governistas, por seu turno, exageram a participação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra nos saques ocorridos em armazéns e supermercados, insuflando os desesperados flagelados a cometerem esse delito. O MST não é integrado por "santos", é óbvio. Tem, evidentemente, explorado politicamente o problema, como fazem seus adversários. É culpado por esse desrespeito ao patrimônio alheio e, portanto, cúmplice, quando não agente direto, do crime. Mas longe das proporções apontadas.

Relatório da Polícia Militar no Nordeste, divulgado no dia 26 pelo jornal Folha de São Paulo, dá conta de que, em apenas nove dos 46 saques ocorridos na região, houve a interferência dos sem-terra. Claro que se trata de questão de princípio, de respeito à lei, e não de números. Mas é evidente a exploração política desses episódios, para jogar a opinião pública contra determinado candidato à Presidência, no caso o petista Luís Inácio Lula da Silva, que por sinal se opõe a essa atitude.

Melhor fariam as duas partes se agissem como vêm fazendo milhares de pessoas e entidades, a maioria anônimos, promovendo campanhas de arrecadação de alimentos e medicamentos para socorrer os irmãos nordestinos. E não se trata de caridade, conforme alguns insinuam. É genuíno, espontâneo e louvável ato de solidariedade humana.

É até redundante dizer da necessidade de uma solução definitiva para o problema da seca. Este poderia ter sido equacionado, ou pelo menos reduzido, há tempos, desde o início do século, caso não houvesse quem se beneficiasse da desgraça alheia.

Gerações e mais gerações de brasileiros têm ouvido falar desse flagelo, sem que nada de eficaz tenha sido feito a respeito. Cria-se, aqui ou ali, uma ou outra frente de trabalho, sabidamente ineficaz. Distribuem-se minguadas rações de comida, que mal dão para manter uma pessoa viva por um mês. E, muitas vezes, nem isso é feito, deixando o sertanejo relegado ao próprio destino. Planos contra a seca existem em profusão, como o de perfuração de poços artesianos nas zonas mais críticas, o do desvio do Rio São Francisco para essas áreas e tantos outros projetos factíveis, relativamente baratos, mas que nunca saem do papel.

Políticos cínicos temem perder seu "cabo eleitoral" preferido. Sem sermos pessimistas, todos temos a íntima convicção de que outras tantas secas virão, trazendo as mesmíssimas conseqüências sociais da atual, sem que nada de eficaz e competente seja feito em favor da sofrida e valente população nordestina. Espertalhões inescrupulosos continuarão explorando, sem nenhuma cerimônia, essa tremenda tragédia humana, convencendo os inocentes úteis a lhe darem seus votos, e estes darão, os mantendo na vida pública por anos a fio, quando deveriam banir essa corja, que não tem censo cívico, responsabilidade ou a mínima consideração pelo sofrimento alheio.

(Texto escrito em 26 de maio de 1998 e publicado como editorial na Folha do Taquaral).

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