Indústria
da inflação
Pedro J. Bondaczuk
O ex-ministro Marcílio Marques Moreira, em
declaração feita antes de assumir o cargo, observou que “a inflação brasileira
também resulta de uma inflação de palavras. Temos palavras demais correndo
atrás de fatos de menos”. E não se pode deixar de lhe dar razão.
O que se especula em torno do assunto, com
pseudotécnicos fazendo as mais estapafúrdias projeções, é qualquer coisa de
assustador. Os preços, enquanto isso, têm apenas o céu como limite. O
interessante é que ninguém projeta taxas decrescentes, mesmo nas ocasiões em
que existe essa possibilidade.
Os economistas e os palpiteiros, por exemplo, agora
discutem se o reajuste dos salários todos os meses vai elevar ou não a
inflação. De qualquer forma, enquanto a polêmica se desenrola, uma coisa é
certa, caso venha a ser aprovado pela Câmara dos Deputados o substitutivo do
Senado, que prevê antecipações mensais de 60% das taxas inflacionárias para as
faixas de até seis salários-mínimos: o chamado Grupo B, cujas datas-base são
fevereiro, junho e outubro, terá sério prejuízo com a nova lei salarial.
O alerta foi feito pelo Departamento Intersindical
de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos, o Dieese. Pela atual sistemática,
esses trabalhadores iriam receber uma parte da reposição em agosto. Seu
reajuste quadrimestral ocorreria em outubro.
Caso, porém, o projeto seja aprovado e sancionado
pelo presidente Itamar Franco, os salários ficarão, literalmente, “congelados”
por quatro meses. Tal congelamento, convenhamos, com uma inflação mensal ao
redor de 30% - ou cerca de 1% ao dia – é absolutamente intolerável.
A razão disso é simples. Ocorre que o substitutivo
aprovado pelo Senado determina que o ajuste mensal só passe a vigorar após o
acerto do primeiro quadrimestre. Dessa forma, os trabalhadores do Grupo B
passariam a ter seus salários reajustados, e ainda assim por antecipações de
60% da taxa inflacionária do mês anterior, a partir de novembro.
O ideal, todos reconhecem (da boca para fora), é
reduzir drasticamente a inflação. Já vão distantes os tempos em que o País se
indignava com índices acumulados anuais de 30%. Hoje, o próprio governo
festeja, como sendo uma grande vitória, taxas como essa, porém mensais.
É preciso, contudo, ser realista. A corrosão
inflacionária penaliza de forma perversa o trabalhador, cuja remuneração tende
apenas a encolher, já que, ao contrário das aplicações financeiras, não conta
com qualquer indexador que lhe reponha, de imediato, as perdas. Há uma evidente
dissintonia entre os preços e o poder de compra da população.
Entendemos, apenas, como inoportuna a mudança da lei
salarial agora, imediatamente após o anúncio do ousado plano de estabilização
econômica do ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso. Deveria haver pelo
menos um certo tempo para que as medidas produzissem efeito, já que desta vez
se pretende atacar as causas, e não os efeitos, da inflação brasileira.
Fica a impressão de que a sociedade não deseja, de
fato, debelar essa desordem econômica, mas apenas conviver com ela. E essa
convivência é absolutamente impossível para quem é assalariado. Enquanto isso,
a concentração de renda no País, uma das mais altas do mundo, acentua-se.
A cada dia que passa, o Brasil exercita o passo de
caranguejo, andando continuamente para trás. A cada nova divulgação das
estatísticas, dando conta da ordem social brasileira (ou desordem?), mais se
acentua o quadro de miserabilidade da nossa gente. Só uma atividade permanece
mais próspera do que nunca: a “indústria” da inflação. Até quando?
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio
Popular, em 13 de julho de 1993)
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment