Sunday, September 11, 2016

Indústria da inflação



Pedro J. Bondaczuk


O ex-ministro Marcílio Marques Moreira, em declaração feita antes de assumir o cargo, observou que “a inflação brasileira também resulta de uma inflação de palavras. Temos palavras demais correndo atrás de fatos de menos”. E não se pode deixar de lhe dar razão.

O que se especula em torno do assunto, com pseudotécnicos fazendo as mais estapafúrdias projeções, é qualquer coisa de assustador. Os preços, enquanto isso, têm apenas o céu como limite. O interessante é que ninguém projeta taxas decrescentes, mesmo nas ocasiões em que existe essa possibilidade.

Os economistas e os palpiteiros, por exemplo, agora discutem se o reajuste dos salários todos os meses vai elevar ou não a inflação. De qualquer forma, enquanto a polêmica se desenrola, uma coisa é certa, caso venha a ser aprovado pela Câmara dos Deputados o substitutivo do Senado, que prevê antecipações mensais de 60% das taxas inflacionárias para as faixas de até seis salários-mínimos: o chamado Grupo B, cujas datas-base são fevereiro, junho e outubro, terá sério prejuízo com a nova lei salarial.

O alerta foi feito pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos, o Dieese. Pela atual sistemática, esses trabalhadores iriam receber uma parte da reposição em agosto. Seu reajuste quadrimestral ocorreria em outubro.

Caso, porém, o projeto seja aprovado e sancionado pelo presidente Itamar Franco, os salários ficarão, literalmente, “congelados” por quatro meses. Tal congelamento, convenhamos, com uma inflação mensal ao redor de 30% - ou cerca de 1% ao dia – é absolutamente intolerável.

A razão disso é simples. Ocorre que o substitutivo aprovado pelo Senado determina que o ajuste mensal só passe a vigorar após o acerto do primeiro quadrimestre. Dessa forma, os trabalhadores do Grupo B passariam a ter seus salários reajustados, e ainda assim por antecipações de 60% da taxa inflacionária do mês anterior, a partir de novembro.

O ideal, todos reconhecem (da boca para fora), é reduzir drasticamente a inflação. Já vão distantes os tempos em que o País se indignava com índices acumulados anuais de 30%. Hoje, o próprio governo festeja, como sendo uma grande vitória, taxas como essa, porém mensais.

É preciso, contudo, ser realista. A corrosão inflacionária penaliza de forma perversa o trabalhador, cuja remuneração tende apenas a encolher, já que, ao contrário das aplicações financeiras, não conta com qualquer indexador que lhe reponha, de imediato, as perdas. Há uma evidente dissintonia entre os preços e o poder de compra da população.
Entendemos, apenas, como inoportuna a mudança da lei salarial agora, imediatamente após o anúncio do ousado plano de estabilização econômica do ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso. Deveria haver pelo menos um certo tempo para que as medidas produzissem efeito, já que desta vez se pretende atacar as causas, e não os efeitos, da inflação brasileira.

Fica a impressão de que a sociedade não deseja, de fato, debelar essa desordem econômica, mas apenas conviver com ela. E essa convivência é absolutamente impossível para quem é assalariado. Enquanto isso, a concentração de renda no País, uma das mais altas do mundo, acentua-se.

A cada dia que passa, o Brasil exercita o passo de caranguejo, andando continuamente para trás. A cada nova divulgação das estatísticas, dando conta da ordem social brasileira (ou desordem?), mais se acentua o quadro de miserabilidade da nossa gente. Só uma atividade permanece mais próspera do que nunca: a “indústria” da inflação. Até quando?         

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 13 de julho de 1993)


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