Ao
sabor do acaso
Pedro J. Bondaczuk
A redação de um livro, digamos,
de um romance, tem regras fixas, universais, que sejam iguais para todos, sem
as quais a obra nunca sai do terreno da mera cogitação? Explico-me melhor. Há
algum tipo de sequência, como “faça isso antes, depois aquilo, depois
aquiloutro” e assim por diante, que redunde, no final das contas, em uma obra
literária coerente e consistente? Esta é uma pergunta que me é feita com
enjoativa freqüência por quem se julga escritor e, notadamente, por aspirantes
a tal. Minha resposta, óbvia, é não! Cada qual escreve da forma que entender
ser a mais adequada às circunstâncias, quando, como e onde melhor lhe aprouver.
Ouso assegurar que os livros mais apreciados e bem-sucedidos são frutos do acaso.
Nascem sem nenhum planejamento. Praticamente “induzem” seus autores a
escrevê-los.
Vocês nunca ficaram com uma idéia
fixa na cabeça, perturbando dia e noite, por dias, semanas ou até meses,
insistente e obsessivamente, e que só deu trégua depois que vocês a
expressaram, a puseram no papel (ou, o que é mais comum hoje em dia, na telinha
do computador)? Tenho esse tipo de surto seguidamente. Muitos dos meus livros,
aliás, nasceram desse jeito. Praticamente se impuseram e na marra. Mas isso nem
sempre funciona assim. Várias dessas idéias fixas que tive não renderam
rigorosamente nada. Algumas resultaram em livros, mas pela metade, no aguardo
de novo “surto” de obsessão para serem eventualmente concluídos. Outras tantas
revelaram-se inviáveis até mesmo para uma crônica ou um conto e foram, por
isso, “abortadas”, descartadas liminarmente, sem produzir qualquer resultado.
Acontece!
Houve casos, também, e mais de
um, em que livros inconclusos, esquecidos na memória do computador por anos,
subitamente, sem mais e nem menos, me atraíram a concluí-los. E, não raro, os
concluí em meros dias, quando não em horas. E foram estes, estranhamente, que
findaram por se constituir no melhor da minha produção. Aliás, nosso grande
drama – meu e da maioria dos escritores – não é, propriamente, o de produzir as
nossas obras. Temos talento suficiente para isso. É o de viabilizá-las
comercialmente, de sorte a que cheguem às mãos dos legítimos destinatários: os
leitores.
No meu caso, por exemplo, tenho
22 livros acabadinhos, revisados e tudo – e não conto entre eles os
interrompidos ao meio, que são muitos, à espera do acaso para que os termine –,
mas somente quatro publicados. É uma desproporção enorme. Gasta-se mais tempo
tentando convencer editoras a bancarem nossas obras do que propriamente na sua
produção. E isso para quem não é mais “virgem” no mercado editorial. Para quem
nunca publicou... é uma diabólica roleta russa, uma ousada aventura, uma
loteria.
Há livros, por exemplo, que o
autor pode vender a alguma editora antes mesmo de iniciar a redação. E mais,
pode receber por eles um bem vindo adiantamento. Eu, de minha parte, não me
arriscaria a fazer isso. Sei lá quando estarei às voltas com uma dessas
tormentosas crises de criatividade, que afetam, periodicamente, todos os que
lidam com textos e que surgem e vão embora sem nenhum aviso. Prefiro negociar
produtos concretos. Claro que essa “promessa contratual” de produção de uma
obra, com o respectivo adiantamento, só funciona para os “medalhões” da
literatura, os famosos, que contam com público certo e cativo. Experimente um
escritor novato fazer esse tipo de proposta a alguma editora! Levará, por
resposta, a porta na cara, ou coisa muito pior.
Há, por outro lado, livros que
parecem que jamais irão “sair”, mas que, quando ninguém espera, zás! Saem!
Tenho um amigo escritor que levou doze anos para produzir seu primeiro romance.
Por um tempão, foi vítima de chacotas da turma, que achava que ele nunca
escreveria a tal história, cuja sinopse não cansava de nos repetir. E não é que
ele escreveu mesmo?! Não só escreveu, como publicou. E não só publicou, como
seu livro não pára de vender, de esgotar edições após edições. Reservo-me o
direito de citar o milagre, sem revelar o santo. Não direi de quem se trata,
pois hoje ele é um nome nacionalmente conhecido.
Aliás, é na sua experiência que
me baseio para nutrir esperanças de que meu primeiro romance, “O sinterklaas de
Rotterdam” (do qual publiquei, recentemente, neste espaço, um dos capítulos)
breve deixará de ser promessa, para se constituir em realidade. Trabalho nele
há já cinco anos. Mas, a bem da verdade, não “trabalho” tanto assim. Há
ocasiões em que se passam até seis meses sem que eu lhe acrescente uma única
palavra, uma só vírgula ou ponto. De repente, em uma manhã qualquer, escrevo
feito um louco de três a quatro capítulos de uma vez. E assim, as coisas vão
seguindo. Aos poucos, a mera sinopse vai ganhando forma de romance. Quinze
capítulos já estão prontos. Creio que faltem, ainda, uns dez. E estes tanto
podem nascer já amanhã, quanto levar mais cinco anos ou até não serem escritos
jamais. Tenho fé de que serão, embora não possa oferecer nenhuma garantia de
quando. E muito menos negociá-lo com alguma editora e pedir adiantamento. Não
dá!
Já me aconteceu, por outro lado,
de um livro ser escrito em somente cinco dias. E foi publicado e graças a Deus
vendeu muito bem. Claro que não chego nem perto do escritor português Camilo
Castelo Branco. Dizem as más línguas que, premido por credores, que ameaçavam
levá-lo à justiça por dívidas não pagas (e ele devia uma barbaridade!),
escreveu um de seus romances mais famosos em reles 24 horas. Não garanto que
não seja lenda, mas também não duvido. A versão dá conta, ainda, que a tal
história, urdida e redigida entre uma aurora e um ocaso, foi “Amor de
perdição”. Seria autobiográfica? Não duvidaria que fosse.
Reitero, pois, o que escrevi no
início destas descompromissadas reflexões: não há nenhuma norma fixa, que
determine forma e prazo para a redação de um livro. Via de regra, ele nasce ao
sabor das circunstâncias, que alguns optam por chamar de “destino” e que eu
prefiro denominar de “acaso”.
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