Otimistas bem informados
Pedro J. Bondaczuk
O presidente José Sarney,
em seu programa semanal “Conversa ao pé do Rádio” do dia 16 passado, voltou a
investir contra os “pessimistas”. Contra aqueles que, no seu entender, acham
que as coisas estão indo, na política, na economia e nas relações sociais, cada
vez mais de mal a pior.
Essa
crítica, no entanto, serve de ótimo “gancho” para algumas reflexões. A primeira
delas é em torno da existência ou não de motivo para que devamos enxergar a
realidade dos dias que correr sob uma óptica cor-de-rosa.
Há,
porventura, alguma razão, por mínima que seja, para otimismo, diante da atual
crise? Aliás, esta palavra se tornou freqüentadora assídua, desde 1982, dos
discursos políticos, dos editoriais dos jornais e do noticiário da imprensa.
Convenhamos,
seis anos de situação crítica, de angústias e incertezas, são “dose cavalar”
até para o mais cordato dos cidadãos. Ou para o alienado dos alienados.
A
Segunda reflexão que podemos fazer é quanto ao caráter do brasileiro. Seria o
nosso povo dado a recalques, remoques e exacerbadas neuroses? Claro que não! O
que muita gente não entende é que, salvo em casos extremos envolvendo notórios
neuróticos, não existe o “pessimista”.
Ele
não passa, na verdade, de um “otimista bem informado”. A soma de problemas
existentes na luta pela sobrevivência é de tal sorte grande, que é impossível
fugir da angústia, da incerteza e até do desânimo, o que, ademais, seria uma
atitude nociva, de alienação.
Para
que nosso raciocínio fique um pouquinho mais claro, vamos citar, apenas, alguns
números. Em 1956 – há 32 anos, portanto – o menor salário do País comprava 0,8
boi. Não era, convenhamos, lá essas coisas. O Brasil atravessava também uma
dura situação e culpava-se a construção de Brasília, e outras grandes obras do
presidente Juscelino Kubitschek, pelas dificuldades nacionais.
No
ano passado, o salário mínimo, porém, permitia a aquisição de somente 0,1 boi!
E não tínhamos nenhum empreendimento de vulto em andamento. Ressalte-se que
esse piso salarial irrisório é a remuneração de mais de 80% dos brasileiros, de
acordo com dados do IBGE.
Enquanto
em 1974, com esse menor salário do País o trabalhador podia comprar 53,82
quilos de carne, em outubro do ano passado ele era suficiente, apenas, para se
adquirir quase a metade: 26,54 quilos. Na década de 70, o consumo per capita do
produto era de 22 quilos. No final de 1987, mal chegava aos 11 (e provavelmente
baixou mais ainda nestes primeiros dias de 1988).
Devemos
ficar otimistas com isto? Ou com o fato do salário mínimo ser quase que
insuficiente para custear (somente) o café da manhã do brasileiro, com o qual
são gastos exatos 28%?! Isto para não citar dados mais contundentes,
indicadores de miséria crescente, como a mortalidade infantil, a falta de
habitação, a desnutrição aguda e outras coisas até piores.
É
verdade que se nós quisermos um país próspero, forte e justo, temos que
construí-lo. A experiência já demonstrou o que acontece com quem fica esperando
esse tipo de ajuda de fora. Mas para que consigamos fazer qualquer coisa, é
necessário que haja regras claras e definidas. Que tenhamos uma economia com um
mínimo de ordem e uma administração que se volte, de fato, para o interesse
geral.
Hoje
há milhões de brasileiros à margem do consumo e da produção, não por falta de
capacidade pessoal, mas porque tiveram vedado o acesso às oportunidades. Há
pais de família sem emprego, crianças sem escola e pessoas sem ter o que comer.
E assim não há como, por mais insensível que se possa ser, arranjar espaço para
o otimismo.
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 28 de janeiro de 1988).
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