Camaradagem entre
desiguais
Pedro J. Bondaczuk
O líder soviético, Mikhail Gorbachev, disse, anteontem, em
discurso que pronunciou no jardim da Casa Branca, em Washington, quando chegou
a esse local para o primeiro encontro oficial com o presidente norte-americano,
Ronald Reagan, uma frase muito marcante, por refletir a realidade que o mundo
vive há 42 anos, com o antagonismo existente entre as superpotências.
Afirmou: “Nos acontecimentos mundiais, muita coisa
irá depender da opção que fizermos e do que acabará triunfando: se os receios e
preconceitos herdados da guerra fria, e que levaram ao confronto, ou se o bom
senso, que requer ação para assegurar a sobrevivência da civilização”.
A julgar pelo clima do presente encontro, parece que
a escolha recaiu sobre o segundo ponto. Aos poucos, ambos os dirigentes,
conscientes de que estão escrevendo a história do final deste milênio de
violências, foram deixando de lado a formalidade, se esquecendo dos
estereótipos com que sempre encararam um ao outro e perceberam que,
paradoxalmente, embora dirijam sistemas políticos, econômicos, filosóficos e
ideológicos tão díspares, são mais parecidos do que poderiam acreditar.
Estabeleceu-se um visível elo de cordialidade, até
mesmo de camaradagem, entre eles, o que os torna predispostos a serem maleáveis
nos pontos em que divergem. Ficou mais claro do que nunca, a todos, que não
importam a origem, a nacionalidade, a cultura, os conceitos e os preconceitos
que tenham. Os homens são muito parecidos naquilo que constitui a essência da
sua humanidade. Parecem-se nas suas fraquezas e virtudes. As tibiezas
manifestam-se mediante a sede de poder, a justificação dos meios pelos fins e a
inegável ambição de domínio. As fortalezas, por seu turno, refletem-se nos
sentimentos de simpatia, de tolerância e, principalmente, de capacidade de
conciliação.
O entendimento verificado entre Reagan e Gorbachev
não quer dizer que, automaticamente, 42 anos de antagonismos serão esquecidos.
Não significa que uma esponja será passada em todos os atritos e que tudo vai
começar da estaca zero, em termos de mútuo relacionamento.
Certamente haverá momentos em que as superpotências
irão se confrontar em campos opostos e até chegar, como já aconteceu em
inúmeras vezes, à beira do Apocalipse. Por mais poder que os dois dirigentes
detenham, eles não são os Estados Unidos e a União Soviética.
Neste mesmo instante em que estão se entendendo
sobre vários pontos, grupos poderosos se movimentam, em Moscou e em Washington,
para pôr tudo a perder. Há interesses imensos e inconfessáveis em jogo. E tão
grandes, ao ponto de se sacrificar a paz mundial e a própria sobrevivência
humana.
Mas a camaradagem estabelecida entre cordiais
inimigos é uma prova de que nem tudo pode estar perdido para os homens. Que em
um rasgo de generosidade, o Planeta pode acabar ganhando nova perspectiva de
futuro, melhor do que a atual. Depois...Basta que seja ampliada...
(Artigo publicado na página 14, Internacional, do
Correio Popular, em 10 de dezembro de 1987).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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