Saraus literários
Pedro
J. Bondaczuk
A agitação da vida
moderna – com a selvagem correria do cotidiano e os monumentais engarrafamentos
de trânsito das grandes cidades, entre outros inconvenientes – e, acima de
tudo, a violência urbana – semeando desconforto e medo –, modificaram, para
pior, alguns hábitos das famílias brasileiras, distanciando cada vez mais as
pessoas e tornando os relacionamentos crescentemente impessoais.
Um dos costumes que há
décadas deixaram de existir é o da realização de saraus familiares nas casas,
em geral, de pessoas da classe média, que era a forma dos nossos antepassados
se divertirem. É verdade que então não existia sequer o rádio. A televisão iria
surgir apenas em meados da década de 30 do século XX. No Brasil ela chegou,
apenas, em setembro de 1950, com a inauguração da TV Tupi de São Paulo. Nem havia, na ocasião, os cinemas
comerciais, já que a Sétima Arte apenas engatinhava. E computador... nem
pensar!
Machado de Assis, entre
outros escritores, nos narra, em muitos dos seus romances e contos, como eram
essas reuniões. Nelas, havia música (em geral, de piano), recitação de poesias
e até a leitura de um ou outro capítulo de obras de escritores que se tornariam
famosos. E hoje, qual é a rotina das famílias brasileiras de classe média das
grandes e médias cidades?
A mulher chega do
trabalho e, enquanto requenta, no microondas, o jantar, não raro de comida
congelada, assiste a novela das sete, no receptor de TV da cozinha, à espera do
Jornal Nacional, que antecede sua amada novela das oito (que na verdade começa
às nove). O marido, antes da janta, vai para o escritório, fazer os últimos
cálculos dos investimentos que pretende fazer no dia seguinte na bolsa ou coisa
parecida.
O filho adolescente
segue para a balada com os amigos, enquanto o mais novo está no quarto, às
voltas com o vídeogame. A filha está há horas no Facebook, ou em algum chat
qualquer, fofocando com as amigas. Literatura? Nem pensar! Livro, então, há
meses (quando não há anos), ninguém da família sequer se aproximou de algum (a
não ser aqueles da escola). “Não temos tempo”, é a argumentação indefectível.
Não têm?!
Aqueles saraus
familiares antigos, de fins do século XIX e até mais ou menos a década de 30 do
século XX, eram muito mais do que meras diversões. Neles, revelavam-se
talentos. As novas gerações pegavam gosto por literatura e artes em geral.
Havia intensa vida cultural na época – não a oficial, frise-se, e muito menos
essa pasteurizada, que se convencionou chamar de “cultura popular” – a despeito
da inexistência dos modernos meios de comunicação com os quais hoje contamos (e
que usamos e abusamos).
Nota-se, porém, uma
tendência para o renascimento desses saraus. Não mais, claro, em casas de
família, mas através da internet. Multiplicam-se, exponencialmente, as
comunidades de amantes de literatura internet afora, para trocas de textos e de
opiniões sobre produções (próprias e alheias).
É certo que falta o
desejável e bem vindo calor humano que sobejava naqueles encontros dos nossos
antepassados. Mas o gosto pela literatura e pela arte continua o mesmo, ou
quase. Bendita internet que, ao mesmo tempo em que estabelece hábitos não tão
saudáveis, quando não, até mesmo, altamente nocivos (como é o caso da
pornografia on line), estimula, nos que têm cabeça e bom-gosto, o interesse por
idéias, pensamentos e sentimentos! Ou seja, por textos de escritores de todas
as partes, quer do País, quer do mundo.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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