Friday, September 02, 2016

Saraus literários

Pedro J. Bondaczuk

A agitação da vida moderna – com a selvagem correria do cotidiano e os monumentais engarrafamentos de trânsito das grandes cidades, entre outros inconvenientes – e, acima de tudo, a violência urbana – semeando desconforto e medo –, modificaram, para pior, alguns hábitos das famílias brasileiras, distanciando cada vez mais as pessoas e tornando os relacionamentos crescentemente impessoais.

Um dos costumes que há décadas deixaram de existir é o da realização de saraus familiares nas casas, em geral, de pessoas da classe média, que era a forma dos nossos antepassados se divertirem. É verdade que então não existia sequer o rádio. A televisão iria surgir apenas em meados da década de 30 do século XX. No Brasil ela chegou, apenas, em setembro de 1950, com a inauguração da TV Tupi de São Paulo.   Nem havia, na ocasião, os cinemas comerciais, já que a Sétima Arte apenas engatinhava. E computador... nem pensar!

Machado de Assis, entre outros escritores, nos narra, em muitos dos seus romances e contos, como eram essas reuniões. Nelas, havia música (em geral, de piano), recitação de poesias e até a leitura de um ou outro capítulo de obras de escritores que se tornariam famosos. E hoje, qual é a rotina das famílias brasileiras de classe média das grandes e médias cidades?

A mulher chega do trabalho e, enquanto requenta, no microondas, o jantar, não raro de comida congelada, assiste a novela das sete, no receptor de TV da cozinha, à espera do Jornal Nacional, que antecede sua amada novela das oito (que na verdade começa às nove). O marido, antes da janta, vai para o escritório, fazer os últimos cálculos dos investimentos que pretende fazer no dia seguinte na bolsa ou coisa parecida.

O filho adolescente segue para a balada com os amigos, enquanto o mais novo está no quarto, às voltas com o vídeogame. A filha está há horas no Facebook, ou em algum chat qualquer, fofocando com as amigas. Literatura? Nem pensar! Livro, então, há meses (quando não há anos), ninguém da família sequer se aproximou de algum (a não ser aqueles da escola). “Não temos tempo”, é a argumentação indefectível. Não têm?!

Aqueles saraus familiares antigos, de fins do século XIX e até mais ou menos a década de 30 do século XX, eram muito mais do que meras diversões. Neles, revelavam-se talentos. As novas gerações pegavam gosto por literatura e artes em geral. Havia intensa vida cultural na época – não a oficial, frise-se, e muito menos essa pasteurizada, que se convencionou chamar de “cultura popular” – a despeito da inexistência dos modernos meios de comunicação com os quais hoje contamos (e que usamos e abusamos).

Nota-se, porém, uma tendência para o renascimento desses saraus. Não mais, claro, em casas de família, mas através da internet. Multiplicam-se, exponencialmente, as comunidades de amantes de literatura internet afora, para trocas de textos e de opiniões sobre produções (próprias e alheias).

É certo que falta o desejável e bem vindo calor humano que sobejava naqueles encontros dos nossos antepassados. Mas o gosto pela literatura e pela arte continua o mesmo, ou quase. Bendita internet que, ao mesmo tempo em que estabelece hábitos não tão saudáveis, quando não, até mesmo, altamente nocivos (como é o caso da pornografia on line), estimula, nos que têm cabeça e bom-gosto, o interesse por idéias, pensamentos e sentimentos! Ou seja, por textos de escritores de todas as partes, quer do País, quer do mundo.


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