Thursday, September 08, 2016

Cremlin beneficia Reagan


Pedro J. Bondaczuk


A entrevista concedida pelo presidente soviético, Constantin Chernenko, ao jornal norte-americano “The Washington Post”, e que foi publicada ontem, surpreendeu os observadores políticos internacionais em dois pontos: pelo tom inusitadamente conciliador do Cremlin em relação aos EUA e por reforçar a posição do presidente Ronald Reagan junto ao seu eleitorado, às vésperas do importante e decisivo debate que este vai travar domingo com o democrata Walter Mondale, e que pode, até mesmo, reverter as expectativas eleitorais.

Chernenko afirmou, categoricamente, que “as relações entre Washington e Moscou poderiam melhorar se o governo norte-americano concordasse com pelo menos uma, de quatro propostas feitas pelo Cremlin, e que são: proibição da militarização do espaço, congelamento das armas nucleares, ratificação de tratados de proscrição de armas nucleares e uma promessa de Tio Sam de que não seria o primeiro a usar suas bombas atômicas contra os russos”.

Bem, diria o leitor, o presidente soviético colocou Ronald Reagan contra a parede, forçando-o a uma manifestação pública exatamente nos quatro pontos chaves de sua política em relação à superpotência do Leste. Aparentemente, no xadrez da retórica internacional, Chernenko teria fornecido, na verdade, farta munição para Mondale usar no debate de domingo próximo. Não vejo a coisa bem assim.

O simples fato de haver uma manifestação conciliatória de Moscou, já é um ponto favorável à Casa Branca. Afinal, Reagan não se cansa de repetir que apenas usando a firmeza nas suas posições, os EUA poderão forçar os soviéticos a negociarem. E ao que se saiba, o candidato republicano à reeleição não cedeu em nada ao Cremlin, mas mesmo assim esse revela (ou pelo menos manifesta publicamente) um ânimo conciliatório.

Hábil como é, Reagan certamente não deixará de explorar esse aspecto na campanha. E poderá ir até mais longe, declarando, publicamente, estar de acordo com uma das quatro propostas de Chernenko. Por exemplo, pode assumir o compromisso de não desfechar o primeiro ataque. Com isso, passará a bola para o outro lado, deixando o presidente soviético outra vez na defensiva. Isto é, ou ele inicia negociações com Washington, depois disso, conforme sua promessa, ou mais uma vez cai em descrédito perante a opinião pública mundial.

Se a entrevista do líder russo visava beneficiar o candidato democrata, portanto, o tiro saiu pela culatra. Ou pelo menos pode sair, dependendo da habilidade do atual presidente norte-americano em explorá-la a seu favor. O fato é que os acontecimentos da semana, mesmo à revelia de Reagan, acabaram lhe trazendo fartos benefícios (como por exemplo o diálogo promovido pelo presidente salvadorenho com a guerrilha). E estes chegaram no momento oportuno, no exato instante em que Mondale já começa a ameaçar uma reeleição que parecia, a princípio, demasiadamente, tranqüila.      

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 18 de outubro de 1984)


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