Concepção de Platão
sobre a criação
Pedro
J. Bondaczuk
As idéias de Platão
(algumas delas, óbvio) tiveram muito mais influência sobre o pensamento
ocidental do que hoje se admite. E não apenas no âmbito filosófico, mas também
no científico (afinal, Filosofia é “a mãe” de todas as ciências), político e
até religioso. Num de seus tantos diálogos, talvez o mais famoso, o “Timeu”,
por exemplo, ele apresenta sua visão sobre a criação do mundo (que nada tinha a
ver com a concepção moderna do “big bang”).
O astrônomo Johannes
Kepler, no livro “Harmonices Mundi”, publicado no século XVI, que revolucionou
a astronomia, chama a atenção para a similaridade entre a teoria platônica da
criação do mundo com a descrição de Moisés, a esse propósito, no Gênesis, o primeiro
livro da Bíblia. Escreveu: `` (...) O Timeu ...é ...um pequeno texto sobre o
primeiro capítulo do Gênesis, ou do livro I de Moisés, transformando-o em
filosofia Pitagórica, como é manifesto a quem o ler com atenção e o comparar
constantemente com as próprias palavras de Moisés...''
Pergunto: quem
influenciou quem nesse caso? Da minha parte, creio que nenhum dos dois.
Houvesse, todavia, influência de alguém, até por questão cronológica, Platão
teria sido influenciado por Moisés e jamais o contrário. Afinal, o filósofo
grego viveu, aproximadamente, entre 428 e 348 a.C (ou em torno desse período,
já que datas de épocas tão remotas não podem ser tomadas ao pé da letra, em
virtude dos vários calendários que existiram), enquanto o líder judeu viveu na
época do reinado do faraó Aquenatom (cerca de 1352-1338 a.C). Todavia, não
acredito que, por mais bem informado que Platão tenha sido, chegou a ler o
Pentateuco de Moisés. Mas... nunca se sabe. Essa é apenas uma convicção
pessoal, exclusivamente minha. Todavia
não se pode deixar de dar razão à arguta observação de Johannes Kepler,
ou seja, de que há admirável similaridade entre as concepções de Moisés e de
Platão sobre a criação do mundo.
O filósofo grego
afirmou, no “Timeu”, que “o mundo foi criado por uma divindade que, isenta de
inveja... quis que, na medida do possível, todas as coisas lhe fossem
semelhantes”. Inclusive (ou principalmente) o homem, destaco. E como Moisés se
refere à criação do único animal inteligente da natureza? Afirma que ele foi
criado “à imagem e semelhança de Deus”. Não há, é verdade, só similaridades nas
concepções “mosaicas” e
“platônicas”, da criação. Há, também, diferenças, algumas sutis e outras
ostensivas. Para Platão, por exemplo, o universo teria sido criado como “um
animal dotado de alma e razão”. Já Moisés não faz qualquer referência a
propósito. Kepler, todavia, escreveu, no livro que citei, restringindo sua
opinião ao nosso Planeta: “o globo da Terra seria um corpo, como o de um
animal”. Inspirado no Timeu, o astrônomo afirmou que nosso planetazinho azul
teria, até mesmo, uma alma. E que, como todo ser vivo, respira. A respiração,
no caso, seriam as marés, associadas aos movimentos da Lua e do Sol.
Platão justifica uma
inteligência superior por trás da criação citando a esfericidade de planetas,
satélites e estrelas como prova. Ou seja, com a “forma perfeita” que o criador
utilizou, o que não poderia, no seu entender, ser obra do acaso. Escreveu, em
determinado trecho do “Timeu”: “(...) Quanto à forma, concedeu-lhe a mais conveniente
e natural. Ora, a forma mais conveniente ao animal que deveria conter em si
mesmo todos os seres vivos, só poderia ser a que abrangesse todas as formas
existentes. Por isso ele torneou o mundo em forma de esfera ...” E justificou
porque a forma esférica seria dotada de virtudes tão especiais: “ (...) por
estarem todas suas extremidades a igual distância do centro, é a mais perfeita
das formas e mais semelhante a si mesma ...”
Para Platão, a criação
da alma (imaterial) precedeu à do corpo (material). O filósofo concebeu seu
Deus como sendo, antes e acima de tudo, um geômetra e complementou afirmando
que os números e a matemática regem todas as coisas. Essa concepção, aliás, era
a de Pitágoras, o mestre de Sócrates que, por sua vez, era seu mentor. Platão escreveu, no diálogo “Timeu”: “(...)
Concluída a composição da alma, de acordo com a mente de seu autor, organizou
dentro dela o universo corpóreo e uniu ambos pelos respectivos centros. Então a
alma entretecida em todo céu, do centro à extremidade, e envolvendo-o em
círculo por fora, sempre a girar em torno de si mesma, inaugurou para sempre o
começo de uma vida perpétua e inteligente. Assim formou-se, de uma parte, o
corpo visível do céu, e da outra, a alma invisível, porém participante de razão
e de harmonia, a melhor das coisas criadas pela natureza mais inteligente e
eterna”. Voltarei, certamente, a esse fascinante tema.
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