Monday, September 26, 2016

Pressões sobre Reagan



Pedro J. Bondaczuk


As pressões internacionais contra a política do “apartheid” da África do Sul aumentam dia a dia, na mesma proporção que os conflitos, cada vez mais sangrentos e selvagens, ceifam um número crescente de vítimas, especialmente na comunidade negra daquele país.

O papa João Paulo II fez três pronunciamentos incisivos contra o segregacionismo sul-africano em menos de uma semana: na sexta-feira, antes de embarcar  para a África; sábado, na Costa do Marfim e anteontem, na República dos Camarões.

O Brasil, por seu turno, transformou em lei aquilo que já vinha realizando na prática. Virtualmente rompeu as relações culturais e esportivas, e reduziu bastante as comerciais, com Pretória. Ontem foi a vez da Argentina, que desde 1983 não tem embaixador na África do Sul, de chamar seu encarregado de negócios naquele país para consultas. Ou seja, o governo de Alfonsin deu o penúltimo passo antes do rompimento de relações diplomáticas com o regime sul-africano.

Mas as pressões maiores têm vindo dos Estados Unidos. Não do governo do presidente Ronald Reagan, que teima em conservar aquilo que chama de “diplomacia construtiva”, que na verdade não vem construindo nada. Que providência prática, por exemplo, no terreno diplomático, o Departamento norte-americano de Estado adotou diante das medidas de exceção tomadas pelo presidente Pieter Botha, em meados do mês passado? Essa expressão adotada pela Casa Branca, portanto, não passa de um eufemismo para o fato de não fazer coisa alguma.

Mas se no plano estatal providência alguma ainda foi tomada para pressionar a África do Sul, o mesmo não ocorre com a população. Personalidades representativas da sociedade norte-americana vêm mobilizando-se, promovendo gigantescas manifestações e mantendo acesos todos os focos da opinião pública sobre o que ocorre na terra dos teimosos “affrikaners”. Especialmente sobre o regime de terror imposto pela toda-poderosa polícia sul-africana sobre a comunidade negra, que já foi responsável, em apenas três semanas, por seis dezenas de mortes e por quase dois milhares de prisões arbitrárias.

Artistas, políticos, religiosos e cidadãos comuns manifestam-se quase todos os dias nas ruas das grandes cidades dos EUA, especialmente na sua capital. A questão ganha cada vez mais espaços na imprensa, nos noticiários de rádio e televisão e, principalmente, nos comentários do povo. E esse movimento vem crescendo de tal forma nas terras de Tio Sam a ponto de já estar impacientando o presidente Reagan. Não em relação aos manifestantes, mas ao governo de Pretória, que nada faz para buscar um diálogo construtivo com os líderes negros.

Aliás, o Senado norte-americano já aprovou sanções contra a África do Sul. Estas apenas não ganharam, igualmente, a aprovação da Câmara em virtude do recesso parlamentar de agosto. Mas em setembro, quando o Legislativo retomar os seus trabalhos, dificilmente o projeto deixará de ser transformado em algo mais efetivo e palpável. Afinal, no próximo ano ocorrem importantes eleições nos Estados Unidos, para a renovação de metade do Congresso norte-americano. E nenhum político que preze sua carreira vai, certamente, arriscar de ser reprovado nas urnas por uma questão que está ocorrendo a milhares de quilômetros de distância, em outro continente e hemisfério.

Ninguém está pregando que se derrube o regime sul-africano ou que se promova uma discriminação às avessas. O que se procura é, através de uma intensa pressão internacional, chamar os dirigentes políticos da África do Sul à razão, para que entendam que sua atitude discriminatória não se coaduna com os tempos em que vivemos. Que o “apartheid” é uma forma intolerável (e até ingênua) de manutenção de privilégios conquistados a ferro e fogo por uma absoluta minoria sobre uma esmagadora maioria. Que os homens jamais podem voltar a ser classificados por sua cor, credo ou convicção política. Esta é, portanto, uma luta de todos, pois envolve a própria dignidade humana.    

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 14 de agosto de 1985)


Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk 

No comments: