Pressões
sobre Reagan
Pedro J. Bondaczuk
As pressões internacionais contra a política do
“apartheid” da África do Sul aumentam dia a dia, na mesma proporção que os
conflitos, cada vez mais sangrentos e selvagens, ceifam um número crescente de
vítimas, especialmente na comunidade negra daquele país.
O papa João Paulo II fez três pronunciamentos
incisivos contra o segregacionismo sul-africano em menos de uma semana: na
sexta-feira, antes de embarcar para a
África; sábado, na Costa do Marfim e anteontem, na República dos Camarões.
O Brasil, por seu turno, transformou em lei aquilo
que já vinha realizando na prática. Virtualmente rompeu as relações culturais e
esportivas, e reduziu bastante as comerciais, com Pretória. Ontem foi a vez da
Argentina, que desde 1983 não tem embaixador na África do Sul, de chamar seu
encarregado de negócios naquele país para consultas. Ou seja, o governo de
Alfonsin deu o penúltimo passo antes do rompimento de relações diplomáticas com
o regime sul-africano.
Mas as pressões maiores têm vindo dos Estados
Unidos. Não do governo do presidente Ronald Reagan, que teima em conservar
aquilo que chama de “diplomacia construtiva”, que na verdade não vem
construindo nada. Que providência prática, por exemplo, no terreno diplomático,
o Departamento norte-americano de Estado adotou diante das medidas de exceção
tomadas pelo presidente Pieter Botha, em meados do mês passado? Essa expressão
adotada pela Casa Branca, portanto, não passa de um eufemismo para o fato de
não fazer coisa alguma.
Mas se no plano estatal providência alguma ainda foi
tomada para pressionar a África do Sul, o mesmo não ocorre com a população.
Personalidades representativas da sociedade norte-americana vêm mobilizando-se,
promovendo gigantescas manifestações e mantendo acesos todos os focos da
opinião pública sobre o que ocorre na terra dos teimosos “affrikaners”.
Especialmente sobre o regime de terror imposto pela toda-poderosa polícia
sul-africana sobre a comunidade negra, que já foi responsável, em apenas três
semanas, por seis dezenas de mortes e por quase dois milhares de prisões
arbitrárias.
Artistas, políticos, religiosos e cidadãos comuns
manifestam-se quase todos os dias nas ruas das grandes cidades dos EUA,
especialmente na sua capital. A questão ganha cada vez mais espaços na
imprensa, nos noticiários de rádio e televisão e, principalmente, nos
comentários do povo. E esse movimento vem crescendo de tal forma nas terras de
Tio Sam a ponto de já estar impacientando o presidente Reagan. Não em relação
aos manifestantes, mas ao governo de Pretória, que nada faz para buscar um
diálogo construtivo com os líderes negros.
Aliás, o Senado norte-americano já aprovou sanções
contra a África do Sul. Estas apenas não ganharam, igualmente, a aprovação da
Câmara em virtude do recesso parlamentar de agosto. Mas em setembro, quando o
Legislativo retomar os seus trabalhos, dificilmente o projeto deixará de ser
transformado em algo mais efetivo e palpável. Afinal, no próximo ano ocorrem
importantes eleições nos Estados Unidos, para a renovação de metade do
Congresso norte-americano. E nenhum político que preze sua carreira vai,
certamente, arriscar de ser reprovado nas urnas por uma questão que está
ocorrendo a milhares de quilômetros de distância, em outro continente e
hemisfério.
Ninguém está pregando que se derrube o regime
sul-africano ou que se promova uma discriminação às avessas. O que se procura
é, através de uma intensa pressão internacional, chamar os dirigentes políticos
da África do Sul à razão, para que entendam que sua atitude discriminatória não
se coaduna com os tempos em que vivemos. Que o “apartheid” é uma forma
intolerável (e até ingênua) de manutenção de privilégios conquistados a ferro e
fogo por uma absoluta minoria sobre uma esmagadora maioria. Que os homens
jamais podem voltar a ser classificados por sua cor, credo ou convicção
política. Esta é, portanto, uma luta de todos, pois envolve a própria dignidade
humana.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do
Correio Popular, em 14 de agosto de 1985)
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