Thursday, September 22, 2016

Quem foi o homem Sócrates?


Pedro J. Bondaczuk

Há séculos que homens de cultura, historiadores, professores de Filosofia, filósofos e pessoas cultas, as que se interessam por fatos e não meramente por lendas, tentam saber, em vão, quem foi, realmente, o grego Sócrates. Não o mito, mas o homem.  Fontes para tal até que não faltam, mas todas, por um motivo ou outro, não são confiáveis, por serem “poluídas”. Uns dos que o conheceram destacam de tal forma suas supostas virtudes, que chegam, praticamente, a divinizá-lo. Outros tantos por enfatizarem apenas seus vícios, idiossincrasias e comportamentos considerados “anormais”, ao fim e ao cabo, “demonizam-no”.

Como, pois, chegarmos ao verdadeiro Sócrates, ao homem, com seus méritos e deméritos? Entendo que isso jamais será possível, até pela distância no tempo que nos separa desse personagem. Há, até, quem acredite que ele nem mesmo existiu. Que se trate de personagem fictício, criado tanto pelos que só dizem coisas boas a seu respeito, quanto pelos seus detratores. Tolice, claro. Para mim, isso é um grande disparate. Documentos da antiga Atenas, que chegaram até nós, comprovam, fartamente, sem sombra de dúvidas, que Sócrates, pelo menos, “existiu”.

Mas... quem foi ele, sem os excessos cometidos tanto por seus fidelíssimos seguidores, e portanto defensores, quanto por seus inimigos acérrimos, ferozes detratores? O único jeito é darmos crédito a uns ou a outros. Ou a tirarmos uma “média” do que escreveram os que o defenderam e os que o atacaram. Não há outra maneira.  Observe-se que detalhes sobre a vida de Sócrates derivam de três fontes contemporâneas dele: os diálogos de Platão e  de Xenofonte (ambos seus discípulos) e as peças de Aristófanes.

Certamente, outros tantos escreveram sobre ele, defendendo-o ou atacando-o. Mas quem foram eles? Se existiram (e creio que sim), seus textos se perderam no tempo e não chegaram até nós. Ademais, não há evidências de que Sócrates tenha, ele mesmo, publicado alguma obra. Provavelmente não publicou. Alguns autores defendem que ele não deixou nada escrito pois, além de na sua época a transmissão do saber ser feita, essencialmente, pela via oral, ele assumia-se como alguém que “sabe que nada sabe”. Assim, para Sócrates, a escrita fecharia o conhecimento, deixando-o de forma acabada, amarrando o seu autor ao estrito contexto de afirmações inamovíveis. Se essas afirmações contemplassem o erro, a escrita não só o perpetuaria como garantiria sua transmissão.

A imagem que o dramaturgo ateniense, Aristófanes, traça do mítico filósofo é feroz e implacavelmente negativa. É certo que seu objetivo era o de fazer humor. Todavia, o que conseguiu traçar, em vez de um perfil, mesmo que aproximado, de seu desafeto, foi uma caricatura inverossímil e ostensivamente maldosa. Não dá, portanto, para levá-lo a sério. Nenhum imbecil maluco, como Aristófanes caricatura Sócrates, arrebanharia, por exemplo, tantos, tão ilustres e tão respeitáveis discípulos como ele o fez. É verdade que o comportamento do filósofo era, para dizer o mínimo, “exótico”, o que Platão e Xenofonte até admitem. Por exemplo, ele andava descalço, com o peito nu e vestindo andrajos, que o faziam parecer um mendigo. Além do que, detestava tomar banho. Aristófanes pintou-o como um sujeito amalucado, desses chatos que abordam estranhos nos momentos mais inoportunos, bombardeando-os com perguntas absurdas e incabíveis.

Escreveu, ainda, que em certas ocasiões, Sócrates parava o que quer que estivesse fazendo, ficando imóvel por horas, meditando sobre algum problema. Platão também cita isso, mas considera essa uma característica positiva de seu mestre. Narra, inclusive, em um de seus diálogos, que certa vez seu mestre fez isso descalço sobre a neve, o que, no seu entender, demonstrava  o caráter de autodisciplina de seu mentor. Aristófanes zombou do filósofo, sobretudo na peça “As nuvens”, ao narrar: “Quando Sócrates observava a lua para estudar o curso e as evoluções dela, no momento em que ele olhava de boca aberta para o céu, do alto do teto uma lagartixa noturna, dessas pintadas, defecou na boca dele”. E o tonto achava que essa citação escatológica era engraçada. Talvez o fosse para imbecis, como ele.   

Em outra narrativa, Aristófanes descreve Sócrates pendurado numa cesta, observando os ares e contemplando o sol. E diz que o filósofo justificou isso “pela necessidade de elevar seu espírito e elevar seu pensamento sutil com o ar igualmente sutil”. Claro que só pode ser brincadeira, e de péssimo gosto. Pior é que há quem acredite nessa sua maldosa versão. Em “As nuvens”, o dramaturgo põe esta justificativa na boca de Sócrates, para fazê-lo parecer um estúpido completo: “Se eu tivesse ficado na terra para observar de baixo as regiões superiores, jamais teria descoberto coisa alguma, pois a terra atrai inevitavelmente para si mesma a seiva do pensamento. É exatamente isso que acontece com o agrião”; Ora, ora, ora...

Prefiro crer nas versões de Xenofonte e, sobretudo, de Platão (que me proponho a comentar oportunamente). Mesmo dando o devido desconto ao entusiasmo de ambos. Queiram ou não seus detratores, sobretudo o feroz Aristófanes, foi o pensamento socrático que mais marcou o nascimento da filosofia clássica. Sua maior contribuição foi o método que criou para se chegar às grandes verdades. Sócrates foi tão incisivo, e tão didático em seus ensinamentos que influenciou duas gerações de sábios, continuadores de suas revolucionárias idéias. Foram os casos, claro, de seu fiel pupilo, Platão e, sobretudo, o do discípulo deste, Aristóteles.


Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk 

No comments: