Quem foi o homem
Sócrates?
Pedro
J. Bondaczuk
Há séculos que homens
de cultura, historiadores, professores de Filosofia, filósofos e pessoas
cultas, as que se interessam por fatos e não meramente por lendas, tentam
saber, em vão, quem foi, realmente, o grego Sócrates. Não o mito, mas o
homem. Fontes para tal até que não
faltam, mas todas, por um motivo ou outro, não são confiáveis, por serem
“poluídas”. Uns dos que o conheceram destacam de tal forma suas supostas virtudes,
que chegam, praticamente, a divinizá-lo. Outros tantos por enfatizarem apenas
seus vícios, idiossincrasias e comportamentos considerados “anormais”, ao fim e
ao cabo, “demonizam-no”.
Como, pois, chegarmos
ao verdadeiro Sócrates, ao homem, com seus méritos e deméritos? Entendo que
isso jamais será possível, até pela distância no tempo que nos separa desse
personagem. Há, até, quem acredite que ele nem mesmo existiu. Que se trate de
personagem fictício, criado tanto pelos que só dizem coisas boas a seu
respeito, quanto pelos seus detratores. Tolice, claro. Para mim, isso é um
grande disparate. Documentos da antiga Atenas, que chegaram até nós, comprovam,
fartamente, sem sombra de dúvidas, que Sócrates, pelo menos, “existiu”.
Mas... quem foi ele,
sem os excessos cometidos tanto por seus fidelíssimos seguidores, e portanto
defensores, quanto por seus inimigos acérrimos, ferozes detratores? O único
jeito é darmos crédito a uns ou a outros. Ou a tirarmos uma “média” do que
escreveram os que o defenderam e os que o atacaram. Não há outra maneira. Observe-se que detalhes sobre a vida de
Sócrates derivam de três fontes contemporâneas dele: os diálogos de Platão
e de Xenofonte (ambos seus discípulos) e
as peças de Aristófanes.
Certamente, outros
tantos escreveram sobre ele, defendendo-o ou atacando-o. Mas quem foram eles?
Se existiram (e creio que sim), seus textos se perderam no tempo e não chegaram
até nós. Ademais, não há evidências de que Sócrates tenha, ele mesmo, publicado
alguma obra. Provavelmente não publicou. Alguns autores defendem que ele não
deixou nada escrito pois, além de na sua época a transmissão do saber ser
feita, essencialmente, pela via oral, ele assumia-se como alguém que “sabe que
nada sabe”. Assim, para Sócrates, a escrita fecharia o conhecimento, deixando-o
de forma acabada, amarrando o seu autor ao estrito contexto de afirmações
inamovíveis. Se essas afirmações contemplassem o erro, a escrita não só o
perpetuaria como garantiria sua transmissão.
A imagem que o
dramaturgo ateniense, Aristófanes, traça do mítico filósofo é feroz e
implacavelmente negativa. É certo que seu objetivo era o de fazer humor.
Todavia, o que conseguiu traçar, em vez de um perfil, mesmo que aproximado, de
seu desafeto, foi uma caricatura inverossímil e ostensivamente maldosa. Não dá,
portanto, para levá-lo a sério. Nenhum imbecil maluco, como Aristófanes
caricatura Sócrates, arrebanharia, por exemplo, tantos, tão ilustres e tão
respeitáveis discípulos como ele o fez. É verdade que o comportamento do
filósofo era, para dizer o mínimo, “exótico”, o que Platão e Xenofonte até
admitem. Por exemplo, ele andava descalço, com o peito nu e vestindo andrajos,
que o faziam parecer um mendigo. Além do que, detestava tomar banho.
Aristófanes pintou-o como um sujeito amalucado, desses chatos que abordam
estranhos nos momentos mais inoportunos, bombardeando-os com perguntas absurdas
e incabíveis.
Escreveu, ainda, que em
certas ocasiões, Sócrates parava o que quer que estivesse fazendo, ficando
imóvel por horas, meditando sobre algum problema. Platão também cita isso, mas
considera essa uma característica positiva de seu mestre. Narra, inclusive, em
um de seus diálogos, que certa vez seu mestre fez isso descalço sobre a neve, o
que, no seu entender, demonstrava o
caráter de autodisciplina de seu mentor. Aristófanes zombou do filósofo,
sobretudo na peça “As nuvens”, ao narrar: “Quando Sócrates observava a lua para
estudar o curso e as evoluções dela, no momento em que ele olhava de boca
aberta para o céu, do alto do teto uma lagartixa noturna, dessas pintadas, defecou
na boca dele”. E o tonto achava que essa citação escatológica era engraçada.
Talvez o fosse para imbecis, como ele.
Em outra narrativa,
Aristófanes descreve Sócrates pendurado numa cesta, observando os ares e
contemplando o sol. E diz que o filósofo justificou isso “pela necessidade de
elevar seu espírito e elevar seu pensamento sutil com o ar igualmente sutil”.
Claro que só pode ser brincadeira, e de péssimo gosto. Pior é que há quem
acredite nessa sua maldosa versão. Em “As nuvens”, o dramaturgo põe esta
justificativa na boca de Sócrates, para fazê-lo parecer um estúpido completo:
“Se eu tivesse ficado na terra para observar de baixo as regiões superiores,
jamais teria descoberto coisa alguma, pois a terra atrai inevitavelmente para
si mesma a seiva do pensamento. É exatamente isso que acontece com o agrião”;
Ora, ora, ora...
Prefiro crer nas
versões de Xenofonte e, sobretudo, de Platão (que me proponho a comentar
oportunamente). Mesmo dando o devido desconto ao entusiasmo de ambos. Queiram
ou não seus detratores, sobretudo o feroz Aristófanes, foi o pensamento
socrático que mais marcou o nascimento da filosofia clássica. Sua maior
contribuição foi o método que criou para se chegar às grandes verdades.
Sócrates foi tão incisivo, e tão didático em seus ensinamentos que influenciou
duas gerações de sábios, continuadores de suas revolucionárias idéias. Foram os
casos, claro, de seu fiel pupilo, Platão e, sobretudo, o do discípulo deste,
Aristóteles.
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