Cremlin
substitui diálogo por ameaças
Pedro J. Bondaczuk
O
presidente Mikhail Gorbachev, que em geral se mostrou coerente ao longo da sua
vida pública, parece agora descambar para a incoerência. Suas últimas atitudes
e declarações refletem temor, desconfiança, insegurança. Dão a entender que a
crescente oposição que vem encontrando para a implantação de suas reformas o
assusta.
Ele
demonstra não confiar em seu próprio povo, na medida em que não encontrou nele
o apoio que esperava para a execução da perestroika. Gorbachev, a partir de
1987, estimulou o liberalismo. Procurou despertar a consciência adormecida dos
soviéticos para seus próprios problemas. Incentivou que as principais questões
nacionais, os grandes focos de descontentamento popular, não fossem mais
murmurados aos cochichos pelos cantos, com receio da onipresente KGB, mas
trazidos à luz da opinião pública.
Subitamente,
não se sabe por que, o presidente passou a perseguir veladamente os liberais,
assustado com as dimensões adquiridas pelos movimentos nacionalistas. Começou a
ver neles não os aliados naturais que são, mas adversários.
Tivesse
Gorbachev utilizado a estratégia original, a do amplo debate de idéias, ao
invés da repressão, da intimidação e da coação, talvez, já haveria superado amplamente
os separatistas, com seus argumentos, pois é um exímio argumentador.
Provavelmente
os secessionistas teriam caído em ridículo e ele poderia atacar de vez o
verdadeiro problema soviético, que não é o separatismo, dada a relativa
expressão das Repúblicas que querem se separar da URSS, mas a queda na
produção, a má qualidade dos produtos, o sucateamento industrial, o despreparo
da mão de obra, as ilhas de miséria tão grandes quanto continentes existentes
em sua sociedade, enfim, as péssimas condições de vida do seu povo.
Seu
apelo por uma moratória nas greves e manifestações públicas reflete até uma
pontinha de pânico pela possibilidade da ocorrência de uma guerra civil. Esta,
se tiver de acontecer, ocorrerá de qualquer forma e não será por culpa de
Gorbachev. Ele se transformou somente no alvo concreto dos descontentamentos
populares, acumulados há décadas.
Seu
ex-chanceler, durante muito tempo tido como um dos melhores amigos pessoais,
Eduard Shevardnadze, que surpreendentemente renunciou ao cargo em 20 de
dezembro de 1990, após alertar que havia sintomas de iminência de uma nova
ditadura no país, expressou, em entrevista pela televisão em 31 de março
passado, a perplexidade, que é geral, com a atitude incoerente assumida nos
últimos tempos pelo presidente.
"Não
compreendo a atual campanha do governo contra os liberais. Foi a própria
política de Gorbachev que permitiu que eles surgissem e crescessem",
expressou na oportunidade. "Não vejo nada de terrível na luta dos
democratas pelo poder. Afinal, nós mesmos permitimos a formação dos movimentos
democráticos no país e deveríamos estar psicológica e moralmente preparados
para essa situação que, gostaríamos de enfatizar, é absolutamente normal",
acrescentou.
O
mesmo Gorbachev, que em 17 de maio de 1990 dizia "quando o povo começa a
repetir 'caos, caos, desintegração, desintegração' estou certo de que Lenin,
como observador, diria que esse caos cristalizará uma nova forma de vida",
agora adverte: "Hoje temos de agir. Agir juntos, não separadamente. Mas
com unidade e com todas as forças vivas. Temos de agir para não deixarmos que o
país caia numa catástrofe".
Como
se observa, o presidente acabou contaminado pelo catastrofismo que sempre vinha
condenando. Certamente, Gorbachev tem sido mal assessorado nos últimos tempos.
Muitos dos reformistas de primeiro momento se bandearam para a oposição, ao
primeiro sinal de perigo do "barco naufragar", deixando-o entregue às
feras conservadoras.
(Artigo
publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 11 de abril de
1991).
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