Friday, September 09, 2016

Reforma agrária ainda é tabu na América Latina


Pedro J. Bondaczuk


A simples menção da “reforma agrária”, em países da América Latina, causa sérias apreensões em determinados círculos (e até mesmo gera pânico em alguns). Conscientemente ou não, eles associam o termo ao “comunismo”, à expropriação indiscriminada de propriedades com fins coletivistas. E partem de imediato para a reação, nem sempre racional, inquietando a opinião pública e muitas vezes dando causa, até, a azedas crises político institucionais.

Mas desde que feita criteriosamente, dentro dos limites estritos da lei, essa providência não é nenhum bicho de sete cabeças. E nem prerrogativa exclusiva dos países que têm por cartilha os postulados de Karl Marx.

Em determinados períodos de sua vida nacional, diversas sociedades, rigorosamente democráticas, modificaram suas estruturas agrárias, quando estas mostraram-se incipientes e distorcidas. E em nenhum país do mundo, convenhamos, há mais distorções e conflitos nesse setor do que no nosso.

Brigas entre posseiros e grileiros são coisas rotineiras no Brasil desde que éramos colônia de Portugal. Certamente o leitor de mais idade já deve ter lido dezenas e dezenas de notícias, no curso de toda a sua vida, a esse respeito. Algumas ganharam enormes manchetes durante meses, por determinadas características, bastante peculiares. O conflito por disputa de terras é uma realidade neste País, que tem fartura delas.

Há quem argumente ser uma enorme bobagem falar-se em reforma agrária quando se possui a extensão territorial do Brasil. Onde o grosso da população concentra-se em alguns poucos milhões de quilômetros quadrados (ou talvez nem chegue a cifras milionárias), enquanto o restante do nosso território é um imenso vazio.

É evidente que tal afirmação não passa de sofisma. O leitor originário da zona rural sabe que a coisa não é bem assim. Que mesmo que alguém desbrave com seus braços o território mais inóspito e afastado que encontrar neste gigantesco País-continente, com todas as evidências de que naquele local ninguém jamais pisou, sempre vai aparecer, não se sabe como e nem de onde, um “dono” para essa gleba, exibindo, furibundo, um título de posse obtido em algum cartório sabe-se lá das quantas, que lhe concede a propriedade da referida área.

Outro aspecto a se considerar, e esse é muito importante, é a localização dessas terras pretensamente devolutas que se apregoa existirem: pântanos, desertos, florestas inóspitas, parques nacionais e reservas ecológicas, sem nenhuma povoação por perto ou qualquer meio para se chegar ao menos próximo a uma.

O que resolve para um agricultor obter uma gleba, digamos, em Roraima, onde possa chegar apenas usando seus dotes de escoteiro, abrindo picadas na selva virgem, ou através de rios caudalosos e traiçoeiros? O que ele vai fazer com suas safras? Vender para quem? Transportar como? E, o pior, como obter sementes, equipamentos, adubos e outros implementos para fazer a lavoura?

Enquanto isso, hectares e hectares de terras produtivas, dotadas de razoáveis estradas, próximas de grandes centros distribuidores e consumidores, permanecem abandonados por décadas, séculos até. São propriedades que os donos detêm apenas por uma questão de status.

O que as autoridades estão defendendo, nesses casos, não é a sumária expropriação. E nem a distribuição paternalista e irresponsável de hectares e mais hectares de campos a quem não tem competência e nem vontade de cultivar.

Elas pretendem adquirir essas terras a um preço justo e revender a quem demonstre verdadeiro interesse de plantar. É claro que essa providência, para ser eficaz, deve vir acompanhada de outras, suplementares, sem as quais todo o projeto, certamente, acabará redundando num fracasso tão grande quanto foi a reforma agrária do Peru, em 1969. Por exemplo, de crédito facilitado ao novo proprietário dessas glebas, para que possa aguardar, em segurança, até a época da colheita e da comercialização da sua safra. De silagem, para que não se percam, como agora, até 20% (às vezes mais) do que foi colhido. De transporte, para que esses produtos possam chegar eficientemente aos consumidores. Enfim, de tudo aquilo de que carecem os atuais “heróis”que ainda têm ânimo e disposição para o exercício dessa arriscada, fundamental, mas nem sempre compensadora atividade.

Que o País precisa de uma reforma agrária, cremos que isso nem é mais passivo de discussões. Que essa deve ser feita estritamente nos limites da lei, para que o direito fundamental da propriedade seja preservado, é mais do que evidente.

O que é preciso é que se fale menos e se aja mais. Temos certeza de que quando ela estiver em andamento, seus próprios resultados serão os seus termômetros. Caso estejam sendo observados excessos e distorções, os responsáveis pela providência deverão ter sabedoria e prudência suficientes para uma alteração de rota. Se eles forem compensadores, as críticas e ataques haverão de cessar por si sós, automaticamente, já que contra fatos não há argumentos que consigam se sobrepor.

Credibilidade para executar uma tarefa de tamanha envergadura, o atual governo possui. E, como disse anteontem, em Campinas, o presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Incra, José Gomes da Silva: “Sem credibilidade, ninguém estaria se incomodando com Londrina, ou outra região do País, onde se tenta implantar a reforma agrária”. Falta, apenas, que esse crédito seja justificado, e ampliado, através de providências que coloquem o País, finalmente, no século XX nesse setor fundamental da atividade humana.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 7 de julho de 1985).


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