Reforma agrária ainda é tabu na América Latina
Pedro J.
Bondaczuk
A simples menção da “reforma agrária”, em países da
América Latina, causa sérias apreensões em determinados círculos (e até mesmo
gera pânico em alguns). Conscientemente ou não, eles associam o termo ao
“comunismo”, à expropriação indiscriminada de propriedades com fins
coletivistas. E partem de imediato para a reação, nem sempre racional,
inquietando a opinião pública e muitas vezes dando causa, até, a azedas crises
político institucionais.
Mas desde que feita
criteriosamente, dentro dos limites estritos da lei, essa providência não é
nenhum bicho de sete cabeças. E nem prerrogativa exclusiva dos países que têm
por cartilha os postulados de Karl Marx.
Em determinados períodos de sua
vida nacional, diversas sociedades, rigorosamente democráticas, modificaram
suas estruturas agrárias, quando estas mostraram-se incipientes e distorcidas.
E em nenhum país do mundo, convenhamos, há mais distorções e conflitos nesse
setor do que no nosso.
Brigas entre posseiros e
grileiros são coisas rotineiras no Brasil desde que éramos colônia de Portugal.
Certamente o leitor de mais idade já deve ter lido dezenas e dezenas de
notícias, no curso de toda a sua vida, a esse respeito. Algumas ganharam
enormes manchetes durante meses, por determinadas características, bastante
peculiares. O conflito por disputa de terras é uma realidade neste País, que
tem fartura delas.
Há quem argumente ser uma enorme
bobagem falar-se em reforma agrária quando se possui a extensão territorial do
Brasil. Onde o grosso da população concentra-se em alguns poucos milhões de
quilômetros quadrados (ou talvez nem chegue a cifras milionárias), enquanto o
restante do nosso território é um imenso vazio.
É evidente que tal afirmação não passa
de sofisma. O leitor originário da zona rural sabe que a coisa não é bem assim.
Que mesmo que alguém desbrave com seus braços o território mais inóspito e
afastado que encontrar neste gigantesco País-continente, com todas as
evidências de que naquele local ninguém jamais pisou, sempre vai aparecer, não
se sabe como e nem de onde, um “dono” para essa gleba, exibindo, furibundo, um
título de posse obtido em algum cartório sabe-se lá das quantas, que lhe
concede a propriedade da referida área.
Outro aspecto a se considerar, e
esse é muito importante, é a localização dessas terras pretensamente devolutas
que se apregoa existirem: pântanos, desertos, florestas inóspitas, parques
nacionais e reservas ecológicas, sem nenhuma povoação por perto ou qualquer meio
para se chegar ao menos próximo a uma.
O que resolve para um agricultor
obter uma gleba, digamos, em Roraima, onde possa chegar apenas usando seus
dotes de escoteiro, abrindo picadas na selva virgem, ou através de rios
caudalosos e traiçoeiros? O que ele vai fazer com suas safras? Vender para
quem? Transportar como? E, o pior, como obter sementes, equipamentos, adubos e
outros implementos para fazer a lavoura?
Enquanto isso, hectares e
hectares de terras produtivas, dotadas de razoáveis estradas, próximas de
grandes centros distribuidores e consumidores, permanecem abandonados por
décadas, séculos até. São propriedades que os donos detêm apenas por uma
questão de status.
O que as autoridades estão
defendendo, nesses casos, não é a sumária expropriação. E nem a distribuição
paternalista e irresponsável de hectares e mais hectares de campos a quem não
tem competência e nem vontade de cultivar.
Elas pretendem adquirir essas
terras a um preço justo e revender a quem demonstre verdadeiro interesse de
plantar. É claro que essa providência, para ser eficaz, deve vir acompanhada de
outras, suplementares, sem as quais todo o projeto, certamente, acabará
redundando num fracasso tão grande quanto foi a reforma agrária do Peru, em
1969. Por exemplo, de crédito facilitado ao novo proprietário dessas glebas,
para que possa aguardar, em segurança, até a época da colheita e da
comercialização da sua safra. De silagem, para que não se percam, como agora,
até 20% (às vezes mais) do que foi colhido. De transporte, para que esses
produtos possam chegar eficientemente aos consumidores. Enfim, de tudo aquilo
de que carecem os atuais “heróis”que ainda têm ânimo e disposição para o
exercício dessa arriscada, fundamental, mas nem sempre compensadora atividade.
Que o País precisa de uma reforma
agrária, cremos que isso nem é mais passivo de discussões. Que essa deve ser
feita estritamente nos limites da lei, para que o direito fundamental da
propriedade seja preservado, é mais do que evidente.
O que é preciso é que se fale
menos e se aja mais. Temos certeza de que quando ela estiver em andamento, seus
próprios resultados serão os seus termômetros. Caso estejam sendo observados
excessos e distorções, os responsáveis pela providência deverão ter sabedoria e
prudência suficientes para uma alteração de rota. Se eles forem compensadores,
as críticas e ataques haverão de cessar por si sós, automaticamente, já que
contra fatos não há argumentos que consigam se sobrepor.
Credibilidade para executar uma
tarefa de tamanha envergadura, o atual governo possui. E, como disse anteontem,
em Campinas, o presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária, Incra, José Gomes da Silva: “Sem credibilidade, ninguém estaria se
incomodando com Londrina, ou outra região do País, onde se tenta implantar a
reforma agrária”. Falta, apenas, que esse crédito seja justificado, e ampliado,
através de providências que coloquem o País, finalmente, no século XX nesse
setor fundamental da atividade humana.
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 7 de julho
de 1985).
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