Salário e fome
Pedro J. Bondaczuk
O
presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), D. Mauro
Moreli, bispo católico do município de Duque de Caxias, no Estado do Rio, em
nota distribuída à imprensa durante a semana, alertou que o salário "é a
forma mais adequada e eficiente de repartir a renda e atender às exigências
básicas da cidadania".
A
simples necessidade de existência de um órgão, como o que ele integra, que tem,
entre outras tarefas, a de estabelecer estratégias para combater a fome no
País, é reveladora do quanto é injusta e elitizada a nossa sociedade. E nenhuma
distorção é mais nítida e vexatória, das tantas que existem entre nós, do que a
salarial.
O
salário mínimo brasileiro está entre os mais baixos, não apenas da América
Latina, mas de todo o mundo, comparável ao dos países mais atrasados e carentes
da África e da Ásia. E que não se diga que se trata da renda da minoria. Pelo
contrário.
Há,
inclusive, quem ganhe até menos ou que não possua nenhuma remuneração. Estudos
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) têm mostrado que esse
estado de coisa é regra, e não exceção, no Brasil. Daí a existência de uma
"Belíndia", ou seja, de uma Bélgica e de uma Índia, em termos de
padrão de vida, convivendo num mesmo território.
A
manutenção de uma situação explosiva como esta e, o que é pior, o seu
agravamento, como vem ocorrendo nos últimos anos, representam uma autêntica
bomba de tempo. Desníveis tão profundos e absurdos como esses são
insustentáveis. É uma questão de lógica.
Só
não se sabe quando e como o descontentamento vai extravasar e quais as
conseqüências desse extravasamento. Mas é possível de se intuir que essas,
certamente, não serão boas. Na nota mencionada acima, D. Mauro lembrou que no
mês de junho o custo da cesta básica, calculado pelo Departamento Intersindical
de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), em São Paulo, portanto na
cidade mais próspera e moderna da América Latina, foi de R$ 110,00, enquanto o
salário mínimo nacional está fixado em R$ 64,79.
O
cidadão que recebe essa remuneração, por um mês de trabalho, qualquer que seja
a sua natureza, não ganha o suficiente sequer para comer, e mesmo assim muito
mal! Daí o enorme contingente de famintos pelo País afora, não importa se 1
milhão ou os propalados 32 milhões.
O
que é inadmissível é que tanta gente passe fome no Brasil, quando se sabe que
temos potencial não apenas para alimentar, com sobejos, toda a nossa população,
mas inclusive a do Planeta inteiro.
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 16 de julho de 1994).
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