Ações e omissões na
visão de Antonio Vieira
Pedro
J. Bondaczuk
O escritor florentino,
Giovanni Boccaccio, escreveu, em certa ocasião, que “mais vale agir na
disposição de nos arrependermos do que arrependermo-nos de nada termos feito”.
A vida (para o bem ou para o mal) caracteriza-se pela ação. Claro que a atitude
sábia e coerente, é voltá-la, sempre e exclusivamente, para construir, não
importa se alguma obra concreta ou um “edifício” de idéias que redundem, ao fim
e ao cabo, em resultados palpáveis. Antonio Vieira observou, em um de seus
tantos e memoráveis sermões: “Nós somos o que fazemos. O que não se faz não
existe. Portanto, só existimos nos dias em que fazemos. Nos dias em que não
fazemos apenas duramos”. Muita gente não entende isso e se omite, quando
deveria agir. Portanto, não “vive”: apenas “dura”.
Uma das características
da pregação de Vieira foi a ênfase que deu à necessidade de ação, quer no plano
espiritual, quer no cotidiano de todos nós. Esse aspecto é ressaltado em todos
os seus mais de 200 sermões, sem nenhuma exceção. Deixou claro, por exemplo,
que de nada vale o talento, caso não seja exercitado. O mesmo se pode dizer da
inteligência, do conhecimento, da informação, da sabedoria etc.etc.etc. Tudo
requer uma ação e, quanto mais planejada e racional ela for, tanto melhor. Agir
por agir, sem rumo ou direção, nunca é eficaz. Ainda assim, é melhor do que se
omitir. Todavia, não é o ideal. É desperdício de vontade e de energia. Vieira
afirma: “Todo o talento é arriscado a o perder, ou não dar boa conta dele, a
presunção humana. Os maiores pela soberba, os menores pela inveja, e os mínimos
pela desesperação e pusilanimidade. Da casta destes últimos foi o que enterrou
o talento, podendo ser melhor e mais celebrado que todos se não o enterrara”.
Ou seja, poderia obter pleno sucesso caso não temesse agir. Mas temeu.
Omitiu-se, portanto.
A ação é nossa
característica, é o testemunho eficaz da nossa capacidade, é a prova concreta
da nossa competência. O pregador destacou isso, ao observar: “Quando vos
perguntarem quem sois, não vades revolver o nobiliário de vossos avós, ide ver
a matrícula de vossas ações. O que fazeis, isso sois, nada mais”. Palavras
tendem a ser enganadoras se desacompanhadas de atos, de resultados concretos,
de obras que as comprovem. São, como observou Vieira, “tiros sem bala; atroam,
mas não ferem. A funda de David derrubou o gigante, mas não o derrubou com o
estalo, senão com a pedra (...) As vozes da harpa de David lançavam fora os
demônios do corpo de Saul, mas não eram vozes pronunciadas com a boca, eram
vozes formadas com a mão”.
Apenas palavras, “falam
ao vento” e somente a ele. Tendem a se perder no ar, a entrar por um ouvido e
sair pelo outro dos que as ouvem. Por que? Porque “para falar ao coração, são
necessárias obras”. Elas são o fruto das sementes que lançamos ao léu. Vieira
enfatizou: “Se a minha vida é apologia contra minha doutrina, se as minhas
palavras vão já refutadas nas minhas obras, se uma coisa é o semeador e outra o
que semeia, como se há de fazer fruto?” Não há como! Se as ações são
características dos seres vivos, a inação é, por conseqüência, uma aberração.
Quem não age quando pode e deve agir, é omisso. E Antonio Vieira lembra as
conseqüências dessa atitude. “Por uma omissão perde-se um auxílio, por um
auxílio perde-se uma contrição, por uma contrição perde-se uma alma; daí conta
a Deus de uma alma por uma omissão”. Mas essa postura omissa tem conseqüências
não só no plano espiritual. “Por uma omissão perde-se um aviso, por um aviso
perde-se uma ocasião, por uma ocasião perde-se um negócio, por um negócio
perde-se um reino”.
E quantos omissos não
há por aí!!!! Por exemplo, quem presencia um crime e não faz nada para impedir,
é tão criminoso como quem o pratica. É, no mínimo, seu cúmplice. Quem sabe de
alguma negociata escusa – tão comum, infelizmente, entre políticos, e não
somente no Brasil – e não denuncia a quem de direito, por medo de represálias
ou por outra razão qualquer, é tão corrupto quanto o que de fato se corrompe e,
além de tudo, burro, por não auferir nenhuma vantagem de sua omissão (não que
eu recomende que lucre com isso. Muito pelo contrário). Vieira chama essas
pessoas de “ladrões do tempo”. Por que? Porque sua omissão contribui para a
destruição, material e moral, de uma sociedade, que poderia ser evitada, caso
não se omitissem.
O pregador não se
limitou a constatar o mal que essas pessoas fazem, “fingindo-se de mortas”, mas
clamou por exemplar punição para elas. Exclamou, em um de seus sermões, com
justa ira: “Ah omissões, ah vagares, ladrões do tempo! Não haverá uma justiça
para estes ladrões do tempo, estes salteadores da ocasião, estes destruidores
da república?”. É a pergunta que todos fazemos, diante da omissão dos que são
tidos como “bons”, por não praticaram pessoalmente o mal, mas que fazem vistas
grossas àqueles que o praticam.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment