Inércia quase catatônica
Pedro J.
Bondaczuk
O ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, disse,
durante a semana, em Porto Alegre, que o “País sofre de esquizofrenia”. A
observação foi feita a propósito do que afirmou ser uma “onda” em favor do congelamento
de preços, quando não faz muito as pressões gerais eram exatamente em sentido
inverso. Ou seja, pela manutenção da liberdade de mercado.
Esqueceu-se de dizer, todavia,
que o atual governo sofre de profunda “catatonia”. Está mergulhado numa inércia
assustadora, em termos de providências práticas para deter a escalada
inflacionária. Abundam reuniões, planos, declarações, sem que nada disso seja
acompanhado das correspondentes ações.
Até porque o ministro sabe que é
inútil atuar nos efeitos da inflação, mas que é preciso atacar as causas. E
estas residem na atual impossibilidade do Estado de sanear suas finanças. É
verdade que se vem tentando fazer esse saneamento, o que tem esbarrado em
barreiras de todos os tipos, algumas aparentemente intransponíveis.
Fernando Henrique percebeu que
soluções heterodoxas não funcionam. Até porque o governo não dispõe de
instrumentos adequados para fazer respeitar tais medidas, sem nenhuma eficácia.
É uma balela querer atribuir a
inflação à sociedade. Comerciantes, industriais e prestadores de serviços não
emitem moeda e muito menos títulos públicos para a rolagem da dívida do Estado.
Os preços são apenas reflexos, efeitos, conseqüências dessas emissões sem
lastro na produção. Representam a “febre”e não a doença que a ocasionou.
O governo é o gerador por
excelência da inflação. Fernando Henrique sabe disso. Tanto é que voltou a
descartar, por completo, qualquer espécie de congelamento. Supondo que essa
“onda”mencionada pelo ministro da Fazenda exista, e seja majoritária, essa
“esquizofrenia”afetaria, no máximo, 60 milhões de brasileiros, que podem ser
classificados como integrantes daquilo que os economistas denominam de
População Economicamente Ativa, termo resumido pela sigla PEA.
Os demais 90 milhões sofrem, mas
é de fome mesmo. Não dispõem de renda, de emprego e nem de perspectiva. São as
vítimas do modelo econômico que aí está, que lhes fecha as portas para o
exercício da cidadania. E, o que é pior, sequer lhes possibilita lutar, com
dignidade, pela própria sobrevivência.
O professor inglês Samuel Finer
disse, em certa ocasião, numa entrevista, que “representatividade, estabilidade
e capacidade de previsão fazem a mistura de um governo duradouro”. Há tempos o
País não dispõe de uma administração que reúna essas características. Sempre
faltou algum dos fatores.
Por isso, os seus atos, em raras
ocasiões, produziram os efeitos pretendidos. Durante 28 longos anos, os
governos careceram de representatividade, por serem escolhidos de forma
indireta. Tão logo as eleições diretas para a Presidência foram restabelecidas,
o primeiro presidente, eleito com mais de 55 milhões de votos, não tardou a
revelar a verdadeira face.
Mostrou-se instável e foi apeado
do poder. O atual, empossado emergencialmente, sem que dispusesse de um
programa próprio e de sólida base de apoio político, tem demonstrado incrível
incapacidade de previsão. Perde-se em retórica, troca sucessivamente sua equipe
e se vê tomado por uma assustadora paralisia, como um catatônico, que passasse
o tempo a olhar fixamente para o umbigo.
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 13 de
agosto de 1993).
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