Indústria da concordata
Pedro J. Bondaczuk
As
leis existem porque há determinadas pessoas que, mesmo sabendo distinguir entre
o certo e o errado, o lícito e o ilícito, o desejável e o indesejável; mesmo
recendo a melhor educação dos pais e mestres e tendo uma vida repleta de
facilidades, avançam nos limites de seus direitos, não levando em conta a
recíproca dos deveres, e prejudicam seus semelhantes.
Não
fosse isso, seria prescindível qualquer legislação, com o conseqüente poder de
sanção do Estado. E à medida em que os desajustados sociais --- hoje já há um
termo específico para a sua definição: sociopatas --- encontram subterfúgios
para burlar as imposições legais, as normas tendem a ficar mais rígidas,
afetando, por conseqüência, até os inocentes.
Este
preâmbulo vem a propósito da Medida Provisória publicada no Diário Oficial da
União, nesta semana, alterando a legislação referente ao instituto da
concordata. A medida foi baixada para pôr termo a uma verdadeira indústria que
vinha sendo formada em torno desse benefício legal às empresas em dificuldade.
Muitos
estavam transformando isso numa forma de enriquecimento ilícito, numa maneira
de lesar o patrimônio alheio, deixando de pagar mercadorias ou serviços
adquiridos dos outros no seu devido valor.
A
concordata nada mais é do que uma trégua concedida legalmente para que
determinada empresa reorganize suas contas e pague seus credores em prazos
diferentes dos originalmente pactuados: em até dois anos. Até aqui, tal
reescalonamento das dívidas não previa juros e correção monetária, embora
alguns juizes, sabiamente, os determinassem por sua própria conta. O que
ocorria?
Certos
concordatários, que sequer tinham a necessidade de recorrer ao expediente, o
faziam para praticamente não pagar suas contas. Num país como o nosso, onde a
inflação emplaca taxas anuais em torno de 1.000%, saldar determinado
compromisso financeiro sem levar em consideração a desvalorização monetária é o
mesmo que ganhar uma anistia.
Ao
cabo de dois anos, o montante pago por uma dívida expressiva, que não seja
corrigida, não dá para pagar nem mesmo um cafezinho no botequim da esquina.
Isso é justo?
Ninguém
de bom senso investe contra a concordata em si, que continua existindo. Mas a
lei não pode privilegiar a uma das partes, em detrimento das demais, pois aí
deixa de ser uma manifestação de Justiça e se torna instrumento de sujeição,
exploração, abuso, espoliação. Ainda mais quando o concordatário investe o
dinheiro que normalmente usaria para saldar seus débitos no mercado financeiro...
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 22 de novembro de 1990).
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