Friday, September 30, 2016

A poesia da ciência


Pedro J. Bondaczuk


O cientista e o poeta lançam mão do mesmo tipo de linguagem, a dos signos e convenções, em suas respectivas atividades: a metáfora. Um, age assim para tentar descrever o indescritível, ou seja, os dois extremos do infinito, tanto o micro quanto o macro. O outro, vale-se desse recurso para tornar concretos os sentimentos e emoções (obviamente abstratos) que movem este animal incrível, o único ser racional conhecido – embora seja possível e até provável que na imensidão do universo, com quatrilhões ou mais de mundos, em uma infinidade de galáxias e sistemas estelares, haja outros, até mais inteligentes e perfeitos. Talvez jamais venhamos a saber se eles existem ou não.

Para ser justo, devo ressaltar que essa constatação, sobre a similaridade das linguagens, não é minha. Vários cientistas de renome admitem isso. E é, até, uma questão de lógica. Os cinco sentidos do bicho homem são extremamente frágeis para penetrar no âmago da matéria ou para alcançar distâncias absurdamente grandes e vislumbrar o que há nos limites do universo. Contudo, com o instrumento da razão, e com a metáfora da matemática (ou da palavra, no caso do poeta) consegue chegar a leis e princípios –  demonstráveis, de maneira lógica, posto que apenas de forma empírica – que regem todo esse fabuloso conjunto, cujos limites jamais conseguirá saber onde estão.

O eminente físico nuclear Niels Bohr observou a esse propósito: “Quando chegamos aos átomos, a linguagem somente pode ser usada como na poesia. O poeta também não está mais preocupado em descrever fatos do que em criar imagens”. Ciência e poesia, portanto, são as duas faces de uma mesma moeda. Ou seja, ambas refletem a ânsia, a necessidade, a obsessão humana de conhecer (e de entender e explicar) tudo o que nos rodeia, inclusive (e principalmente) o próprio homem.

Uma das pessoas que têm tratado com maior didatismo e lucidez essa questão da linguagem dessas duas atividades nobres do homo-sapiens é K. C. Cole (pesquisei durante dias na internet para tentar descobrir o significado das duas iniciais do seu nome, em vão). Trata-se de uma jornalista e escritora, especializada em jornalismo científico, que prestou, durante anos, relevantes serviços em sua especialidade ao jornal “Los Angeles Times” e que, atualmente, leciona essa disciplina, aos futuros comunicadores, na University of Southern Califórnia.

Num dos seus múltiplos ensaios a que tive acesso (e que consegui traduzir, posto que de forma canhestra), ela constata: “A ciência, com efeito, envolve, na maior parte dos casos, olhar para coisas que nunca poderemos ver. Não apenas quarks (subpartículas atômicas) e quasares (formações quase-estelares), mas também ‘ondas’ de luz e ‘partículas’ carregadas, ‘campos magnéticos’ e ‘forças gravitacionais, saltos quânticos’ e ‘órbitas’ de elétrons”.

E não somente na física existe essa impossibilidade, mas em praticamente todos os ramos da ciência. Nenhum homem jamais viu, por exemplo, um dinossauro, das milhares de espécies desses gigantescos sáurios que povoaram a Terra. Os paleontólogos, no entanto, não somente “sabem” tudo a seu respeito (será que sabem mesmo?), como conseguem situar a época que teriam vivido (que remonta há vários milhões de anos no passado), descrever os seus hábitos e reconstruir seus corpos, tendo em mãos nada mais do que um punhado de ossos. É a fértil imaginação humana a serviço da compreensão (ou da tentativa dela).

K. C. Cole – que tem forte ligação com o Brasil, pois passou a infância no Rio de Janeiro – autora de livros notáveis em seu gênero, como “A mente considerando a matéria: conversas com o cosmos” e “Universo e a xícara de chá”, entre outros (cuja leitura recomendo, notadamente para jornalistas), diz mais: “De fato, nenhum destes fenômenos (os que citei acima) é, literalmente, o que dizemos ser. As ondas de luz não ondulam através do espaço vazio da mesma forma que as ondas de água se propagam num lago calmo; um campo não é como um prado, mas antes uma descrição matemática da intensidade e do sentido de uma força; um átomo não salta, literalmente, de um estado quântico para outro; os elétrons não viajam, literalmente, em torno do núcleo atômico em círculos, tal como o amor não produz, literalmente, dor de cabeça”.

Como se vê, há profunda poesia na ciência e vice-versa. Usando uma expressão popular, podemos afirmar que ambas “são farinhas do mesmo saco”, frutos da fertilíssima imaginação humana. Só o homem consegue produzir o que há de mais veloz em todo o universo, que supera, em muito, a velocidade da luz: o pensamento. Basta pensarmos, por exemplo, em Alfa Centauro e imediatamente estaremos lá. Ou em algum minúsculo planeta de alguma remotíssima estrela, de uma perdida galáxia dos confins do universo, tão distante que o seu brilho chegará à Terra somente daqui uns bilhões de anos após esta não existir mais, para que nos sintamos pisando o seu solo. Por tudo isso, considero a poesia e a ciência gêmeas siamesas... Estarei forçando a barra? Provavelmente. Mas também tenho o direito e a prerrogativa de dar asas à minha imaginação!              


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