A poesia da ciência
Pedro J.
Bondaczuk
O cientista e o poeta lançam mão do mesmo tipo de linguagem, a dos
signos e convenções, em suas respectivas atividades: a metáfora. Um, age assim
para tentar descrever o indescritível, ou seja, os dois extremos do infinito,
tanto o micro quanto o macro. O outro, vale-se desse recurso para tornar
concretos os sentimentos e emoções (obviamente abstratos) que movem este animal
incrível, o único ser racional conhecido – embora seja possível e até provável
que na imensidão do universo, com quatrilhões ou mais de mundos, em uma
infinidade de galáxias e sistemas estelares, haja outros, até mais inteligentes
e perfeitos. Talvez jamais venhamos a saber se eles existem ou não.
Para ser justo, devo ressaltar que essa constatação, sobre a
similaridade das linguagens, não é minha. Vários cientistas de renome admitem
isso. E é, até, uma questão de lógica. Os cinco sentidos do bicho homem são
extremamente frágeis para penetrar no âmago da matéria ou para alcançar
distâncias absurdamente grandes e vislumbrar o que há nos limites do universo.
Contudo, com o instrumento da razão, e com a metáfora da matemática (ou da
palavra, no caso do poeta) consegue chegar a leis e princípios – demonstráveis, de maneira lógica, posto que
apenas de forma empírica – que regem todo esse fabuloso conjunto, cujos limites
jamais conseguirá saber onde estão.
O eminente físico nuclear Niels Bohr observou a esse propósito: “Quando
chegamos aos átomos, a linguagem somente pode ser usada como na poesia. O poeta
também não está mais preocupado em descrever fatos do que em criar imagens”.
Ciência e poesia, portanto, são as duas faces de uma mesma moeda. Ou seja,
ambas refletem a ânsia, a necessidade, a obsessão humana de conhecer (e de
entender e explicar) tudo o que nos rodeia, inclusive (e principalmente) o
próprio homem.
Uma das pessoas que têm tratado com maior didatismo e lucidez essa
questão da linguagem dessas duas atividades nobres do homo-sapiens é K. C. Cole
(pesquisei durante dias na internet para tentar descobrir o significado das
duas iniciais do seu nome, em vão). Trata-se de uma jornalista e escritora,
especializada em jornalismo científico, que prestou, durante anos, relevantes
serviços em sua especialidade ao jornal “Los Angeles Times” e que, atualmente,
leciona essa disciplina, aos futuros comunicadores, na University of Southern
Califórnia.
Num dos seus múltiplos ensaios a que tive acesso (e que consegui
traduzir, posto que de forma canhestra), ela constata: “A ciência, com efeito,
envolve, na maior parte dos casos, olhar para coisas que nunca poderemos ver.
Não apenas quarks (subpartículas atômicas) e quasares (formações
quase-estelares), mas também ‘ondas’ de luz e ‘partículas’ carregadas, ‘campos
magnéticos’ e ‘forças gravitacionais, saltos quânticos’ e ‘órbitas’ de
elétrons”.
E não somente na física existe essa impossibilidade, mas em
praticamente todos os ramos da ciência. Nenhum homem jamais viu, por exemplo,
um dinossauro, das milhares de espécies desses gigantescos sáurios que povoaram
a Terra. Os paleontólogos, no entanto, não somente “sabem” tudo a seu respeito
(será que sabem mesmo?), como conseguem situar a época que teriam vivido (que
remonta há vários milhões de anos no passado), descrever os seus hábitos e
reconstruir seus corpos, tendo em mãos nada mais do que um punhado de ossos. É
a fértil imaginação humana a serviço da compreensão (ou da tentativa dela).
K. C. Cole – que tem forte ligação com o Brasil, pois passou a infância
no Rio de Janeiro – autora de livros notáveis em seu gênero, como “A mente
considerando a matéria: conversas com o cosmos” e “Universo e a xícara de chá”,
entre outros (cuja leitura recomendo, notadamente para jornalistas), diz mais:
“De fato, nenhum destes fenômenos (os que citei acima) é, literalmente, o que
dizemos ser. As ondas de luz não ondulam através do espaço vazio da mesma forma
que as ondas de água se propagam num lago calmo; um campo não é como um prado,
mas antes uma descrição matemática da intensidade e do sentido de uma força; um
átomo não salta, literalmente, de um estado quântico para outro; os elétrons
não viajam, literalmente, em torno do núcleo atômico em círculos, tal como o
amor não produz, literalmente, dor de cabeça”.
Como se vê, há profunda poesia na ciência e vice-versa. Usando uma expressão
popular, podemos afirmar que ambas “são farinhas do mesmo saco”, frutos da
fertilíssima imaginação humana. Só o homem consegue produzir o que há de mais
veloz em todo o universo, que supera, em muito, a velocidade da luz: o
pensamento. Basta pensarmos, por exemplo, em Alfa Centauro e
imediatamente estaremos lá. Ou em algum minúsculo planeta de alguma remotíssima
estrela, de uma perdida galáxia dos confins do universo, tão distante que o seu
brilho chegará à Terra somente daqui uns bilhões de anos após esta não existir
mais, para que nos sintamos pisando o seu solo. Por tudo isso, considero a
poesia e a ciência gêmeas siamesas... Estarei forçando a barra? Provavelmente.
Mas também tenho o direito e a prerrogativa de dar asas à minha imaginação!
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