Homem superior
Pedro J. Bondaczuk
O dramaturgo inglês William Shakespeare, um dos
"imortais" em sua arte e integrante daquela elite humana que é
responsável pela evolução da civilização, escreveu, em uma de suas peças:
"Que grande obra é o homem! Como é nobre em razão! Como é infinito em
faculdade! Em forma e movimento como é expressivo e admirável! Em ação como
lembra um anjo! Em percepção, como lembra um deus!"
Tenho ouvido muitas críticas a respeito deste
trecho. Há quem diga que se Shakespeare vivesse nos dias de hoje, se tivesse
conhecimento das duas guerras mundiais travadas no mundo, do Holocausto, dos
vários conflitos armados que ocorreram e que estão em andamento, das taras, das
baixezas, das corrupções, do terrorismo, da exploração sexual de mulheres e
crianças e de violências de toda a sorte, contemporâneas, jamais teria posto na
boca de um de seus personagens estas palavras.
Bobagens. Em seu tempo, as coisas não eram melhores,
em termos de relacionamento entre pessoas e povos, do que são hoje. Nunca foram
na verdade. Mas achar que todos os seres humanos são iguais em suas atitudes
destrutivas, afirmar que o homem não passa de fera, a única que mata um membro
da própria espécie sem ser por necessidade na luta pela sobrevivência, supor
que nenhum ato positivo é praticado sem que haja um interesse pessoal por trás
dele, é uma estupidez fantástica. É uma generalização extremamente burra.
Houve, há e haverá indivíduos, ao longo da história, para os
quais as palavras de Shakespeare são exageradamente modestas, pelo muito que
fizeram pela humanidade. Exemplo? O francês Louis Pasteur, cujo centenário de
morte completou-se em 28 de setembro de 1995.
Sem a existência, o trabalho, a persistência e o
espírito de sacrifício desse homem, a vida na Terra seria muito pior hoje. Foi
um iluminado, um incansável, um clarividente, um sábio, um ser especial que
"em percepção lembra um deus". Descobriu, por exemplo, o "papel
enorme dos infinitamente pequenos", ou seja, os micróbios. Com essa
descoberta, revolucionou as ciências e a indústria. Pasteur, que nasceu em
Dole, em 27 de dezembro de 1822, dedicou 50 anos de sua vida não a amealhar
riquezas, a "furar" os olhos dos semelhantes ou a exercitar uma falsa
esperteza, comportamento bastante comum do homem ao longo dos tempos, a ponto
de hoje ser tido até como "normal" ou pelo menos tolerável. Utilizou
esse meio século para buscar a cura para várias doenças, humanas, de animais e
de plantas.
Era químico, não médico. Foi o pai da Microbiologia,
da Estereoquímica (química no espaço de três dimensões) e da Imunologia. O
processo que inventou para esterilizar alimentos (a pasteurização), impede que
epidemias se espalhem, através da comida e bebida, e dizimem o homem da face da
Terra. Foi o primeiro a estabelecer regras de assepsia em cirurgia, fazendo com
que as operações passassem, de fato, a salvar os doentes e não a matar, como
ocorria até então, em decorrência das infecções. Suas descobertas
revolucionaram a química, a agricultura, a indústria, a medicina e a higiene
coletiva. A seu respeito, o inventor da penicilina, Alexander Fleming, afirmou:
"Sem Pasteur, não seria nada".
O que me diz, agora, o leitor cético sobre as
afirmações de Shakespeare? São ou não são exageradamente modestas para
qualificar Pasteur? "Bem", dirá o sujeito amargo, alienado às
avessas, que vislumbra o mal em tudo e todos (porque este, certamente, habita o
seu coração), "esta é uma exceção". Seria mesmo? O que dizer, por
exemplo, do gênio de um Leonardo da Vinci? E de um Jonas Salk? Ou de um Christian
Barnard? Ou de Madre Tereza de Calcutá? Ou de milhões de tantos outros, através
dos tempos, em várias partes do mundo?
Seria possível passar horas e horas falando de
pessoas que, se não tivessem existido, aí sim saberíamos o que é de fato um
inferno. E qual o lugar que destinamos a esses seres iluminados em nossa
lembrança? Que gratidão lhes tributamos? Leiam as manchetes do dia 28 de setembro
de 1995, ou do dia 28 de dezembro, ou dessas duas datas dos últimos anos, ou
mesmo as notícias internas, ou quem sabe as notas de pé de página de jornais e
de revistas. Leram? Onde se falou de
Pasteur?!
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