Thursday, September 01, 2016

Antagonismo civilizado


Pedro J. Bondaczuk


A quarta reunião de cúpula entre o presidente norte-americano, Ronald Reagan, e o líder soviético, Mikhail Gorbachev, já está assegurada, com a data marcada e a agenda praticamente completa. De todos os encontros realizados pelos dois dirigentes, este foi o que teve a sua definição mais fácil e rápida.

Desta feita, Moscou sequer fez questão que o acordo para a redução de 50% dos mísseis de longo alcance das duas superpotências estivesse pronto para ser assinado. Os dois lados concordaram que, se o pacto não ficar concluído em tempo, até 29 de maio próximo, quando da realização da conferência, sua assinatura pode ficar para uma outra ocasião.

Deixaram em aberto, portanto, a possibilidade de uma quinta reunião de cúpula, o que será absolutamente inédito se vier a acontecer e refletirá bem, o estado do relacionamento entre os dois gigantes mundiais.

Não há como negar que o clima existente entre a União Soviética e os Estados Unidos, se ainda não é de cordialidade, pelo menos é de um antagonismo civilizado. E, certamente, ficará melhor depois que os 115 mil soldados russos deixarem o Afeganistão.

A despeito do desmentido do chanceler Eduard Shevardnadze, acerca dessa retirada, não tenham dúvidas de que ela acontecerá e, provavelmente, dias antes do desembarque de Reagan em Moscou. Os soviéticos sempre apreciaram esses lances dramáticos, que ganham manchetes e melhoram a imagem do país no mundo. E deve ser isso o que está acontecendo.

Há muitos sinais de que a saída do território afegão é iminente, para que o analista se engane ou se precipite. O clima criado na URSS é todo ele propício a esse regresso. Inclusive os familiares dos pracinhas já começam a ser repatriados, o que é um sintoma dos mais fortes de que essa questão está próxima de uma solução.

O entendimento maior entre as superpotências, no entanto, não significa que o mundo poderá afirmar que há paz. Isto está longe, muito longe ainda de acontecer. Só que esse clima de cordialidade permitirá que os problemas enormes que persistem sejam solucionados de forma racional e não mais emocional, como vinha acontecendo até aqui.

Não teremos, de novo, os arroubos da guerra fria, que tornavam até os noticiários monótonos, com a sucessão de xingamentos e de ameaças mútuos que deixavam todos em suspense. Há, ainda, uma longa e penosa caminhada a fazer, principalmente para se evitar retrocessos.

Afinal, as duas ideologias são antagônicas até por definição. Mas fica a certeza que todos os caminhos da paz, daqui para frente, conduzirão a Washington e a Moscou. Finalmente se progride, em termos de relacionamento, neste violento e duro século XX.  

(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 24 de março de 1988)


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