O amor platônico
Pedro
J. Bondaczuk
É curioso que a mais
popular menção ao filósofo grego Platão derive de um equívoco de seu
pensamento, ou seja, de uma distorção de sua filosofia e não dos tantos e
tantos e tantos conceitos que emitiu sobre idéias, alma, divindade, governo que
considerava ideal e vai por aí afora, todos polêmicos, mas revolucionários para
a época que viveu. Qualquer pessoa medianamente informada já ouviu falar de um
tal de “amor platônico”, mesmo que desconheça do que realmente se trata. Muitas
delas, inclusive, já viveram esse tipo de experiência, notadamente na
adolescência, sem que sequer se dessem conta. Mesmo entre os eruditos há muito
equívoco a esse propósito.
A expressão jamais foi
usada na Grécia Antiga, nem por Platão e nem por quaisquer de seus inúmeros
discípulos através dos séculos. O termo só veio a ser utilizado pela primeira
vez – na verdade cunhado, pois até então sequer existia – quase um mil e
novecentos anos após a morte do filósofo. Foi apenas no século XV da nossa
era. Curiosamente, porém, é esse tal “amor
platônico” que popularizou Platão (como
se vê, à sua revelia), e não seus inúmeros, brilhantes, posto que polêmicos
diálogos. A expressão foi criada por Marsilio Ficino. Recomendo ao leitor que
busque se informar quem foi e o que fez essa ilustre personalidade.
Trata-se de um filósofo
florentino, o maior representante da corrente filosófica que ficou
conhecida como “Humanismo”, cuja
filosofia está na raiz do Renascimento. Ficino está no mesmo patamar, portanto,
de um Giovanni Pico de La Mirandola. Apesar do respeito que se deve ter pelas
idéias desse filósofo renascentista, a expressão “amor platônico” nasceu do
que, no meu entender, é um enorme e injusto equívoco: o de que Platão, e antes
dele seu mentor, Sócrates, nutriam, por seus respectivos jovens discípulos, uma
espécie de paixão homossexual. No que o pensador florentino se baseou para essa
ilação? Na biografia dos dois é que não foi. Nenhum dos biógrafos de ambos
sequer insinuou essa tendência. Talvez Marsílio Ficino tenha se baseado no fato
de Platão não haver se casado e nem deixado filhos. E daí? Conheço dezenas de
solteirões convictos e empedernidos que, nem por isso revelam ou alguma vez
revelaram a mínima tendência homossexual.
De acordo com pesquisa
do IBGE, divulgada em 2013, 48,1% dos brasileiros são solteiros e metade deles
não têm planos de se casar. Quer dizer, então, que todo esse contingente tem
tendências homossexuais?!!! Ora, ora, ora. Apenas mentes muito maliciosas,
possivelmente insanas, fazem esse tipo de ilação. Amor platônico é, na acepção
vulgar, a ligação amorosa entre duas pessoas, de “sexos diferentes”, onde não
há qualquer tipo de interesse envolvido, sobretudo o sexual. Ademais, esta
definição difere da concepção do amor ideal defendida por Platão. O filósofo
concebeu esse sentimento como algo essencialmente puro e desprovido de paixões.
Entendia que estas são essencialmente cegas, materiais, efêmeras e falsas. O
Amor, no ideal platônico, fundamenta-se exclusivamente na virtude, na verdade e
na beleza espiritual.
Pode ocorrer entre
pessoas do mesmo sexo? Pode e certamente ocorre, e em profusão, mundo afora.
Mas não tem nada a ver com o autor de “A República” e com suas idéias. A
enciclopédia eletrônica Wikipédia informa a respeito: “Platão defendia que o
Verdadeiro Amor nunca deveria ser concretizado, pois quando se ama tende-se a
cultuar a pessoa amada com as virtudes do que é perfeito. Quando esse amor é
concretizado, não raro aparecem os nativos defeitos de caráter da pessoa
amada”. Observo que minha admiração pelo filósofo não me obriga a concordar com
todas suas idéias. E não concordo mesmo. Não, pelo menos, com essa. Se todas as
pessoas no mundo agissem da forma que Platão propôs, a humanidade há muito
estaria extinta. Esse tipo de amor que ele considerava ideal pode ser bonito
para fazer literatura, mas é estéril. Para mim, amor verdadeiro envolve tanto o
que o filósofo grego considerava sublime e desejável, quanto o aspecto físico,
a conjunção carnal, sem a qual ele jamais se materializa e se revela em toda
sua grandeza e transcendência.
Além do que, se Platão
foi solteiro, Sócrates (seu mestre e mentor) não foi. Foi casado, e por duas
vezes. Sua primeira esposa foi Xantipa, com a qual gerou Lamprocles. A segunda
mulher foi Mirto, com a qual teve os filhos Sofronisco e Menexeno. No diálogo
platônico “O Banquete”, o autor descreve Sócrates numa reunião, em que era a
personalidade mais importante entre os presentes. Ele diz, segundo Platão, que
na juventude foi iniciado na filosofia amorosa por Diotima de Mantinea, que era
uma sacerdotisa. Foi esta que lhe ensinou a genealogia do amor. Por isso as
ideias desta mulher estão na origem do conceito socrático-platônico sobre tal
sentimento. E estas não tinham rigorosamente nada a ver como homossexualidade.
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