A irrestrita fidelidade
de Platão a Sócrates
Pedro
J. Bondaczuk
Uma das maiores
virtudes de Platão (posto que não a única), a crer-se no que a totalidade dos
seus biógrafos enfatizou, foi sua irrestrita e inabalável fidelidade a
Sócrates, seu mestre e mentor, ao qual “venerou” por toda a vida e imortalizou
em sua própria obra, ao ponto de se tornar uma espécie de seu “porta-voz”. Esse
comportamento, e principalmente na intensidade em que ocorreu, convenhamos,
sempre foi raro, em todos os tempos e é, ainda muito mais, em nossa época,
caracterizada por um individualismo exacerbado e por um feroz e crescente
egoísmo, alimentado sobretudo pela vaidade. E ambos conviveram nem mesmo por
tanto tempo assim. Foram, apenas, oito anos (algumas fontes asseguram que foram
dez) de convivência.
A diferença de idade
entre ambos, quando começou esse convívio, era considerável. Platão tinha vinte
anos quando se tornou discípulo de Sócrates que, então, tinha quarenta. O
segundo, portanto, poderia ter sido pai do primeiro, embora não o fosse.
Pode-se dizer, porém, que houve, sim, “paternidade”, posto que “espiritual”.
Platão jamais negou isso. Pelo contrário, enfatizou-a. Esses dois gigantes do
pensamento não tinham praticamente nada em comum quando um se tornou discípulo
do outro. Eram, inclusive, de classes sociais diferentes, separados, principalmente,
por profundo abismo econômico.
Platão era um
aristocrata. Provinha de abastada e respeitável família e era, o tempo todo,
cortejado pelos mais influentes políticos de Atenas. Já Sócrates – que nem
mesmo tinha um local específico para ensinar seus princípios filosóficos e que
o fazia nas ruas e nas praças da cidade-Estado (sem nada cobrar de ninguém)
– provinha de família da faixa pobre da
população, superior, na escala social. apenas aos escravos. Seu pai era um
humilde escultor e a mãe simples parteira. É certo que na juventude recebeu
educação das mais esmeradas para a época, com aulas de matemática, retórica e
ginástica, entre outras disciplinas. Teve como mestre ninguém menos que o
genial Pitágoras. Chegou a servir o exército e a participar de batalhas em pelo
menos uma das tantas guerras que Atenas travou.
Platão, porém,
encantou-se pela sabedoria de seu mestre. Ao lado de Xenofonte, outro dos
ilustres e fieis discípulos dele, tornou-se o que Joviano Caiado, advogado e
expert em Filosofia, classificou, em um excelente artigo, de “marqueteiro de
Sócrates”. Não fossem esses dois, o “pensamento socrático” teria morrido no
nascedouro e jamais chegaria até nós. Sócrates não acreditava no texto. Por
isso, não escreveu uma reles linha sobre os princípios que criou. Entendia que
o aprendizado só era eficaz quando transmitido cara a cara, diretamente do
mestre aos discípulos, mediante continuado diálogo, com perguntas e respostas
entre ambos, o que a leitura impossibilitaria.
De acordo com o filósofo
britânico Martin Cohen, Platão chegou praticamente a “divinizar” seu ilustre
professor. E ao registrar e divulgar seu pensamento, oferece, de bandeja, à
posteridade (a nós, inclusive) "um ídolo, a figura de um mestre, para a
filosofia. Um santo, um profeta do 'Deus-Sol', um professor condenado por seus
ensinamentos como herege”. E foi o que aconteceu com Sócrates. Foi condenado à
morte por heresia, num julgamento absurdo e surreal, tanto para a época em que
se deu, quanto, e principalmente, para nós, homens deste século XXI. E olhem
que isso se deu numa Atenas que se orgulhava de ser rigorosamente
“democrática”.
Essa condenação teve
efeito devastador no espírito de Platão, que levou décadas para se recuperar
desse baque. Depois da morte de Sócrates, ele desiludiu-se com a “democracia”.
Deixou Atenas com a intenção de nunca mais regressar. Felizmente, para os
atenienses, voltou atrás dessa determinação. Platão realizou, então, diversas
viagens pela Grécia, visitando, inicialmente, o sapientíssimo Euclides. Em
seguida, fez longo giro pelo Egito e pela Itália. Entre 399 a.C. e 387 a.C.,
criou vários de seus famosos diálogos em que Sócrates aparece como personagem
central, como "Críton", "Laques", "Lísias",
"Górgias" e "Protágoras", entre outros. No seu regresso,
alternou longas temporadas em Atenas com a realização de três grandes viagens à
Sicília, onde fez várias tentativas de colocar em prática suas teorias
políticas. Fracassou nesse intento e teve muita sorte em escapar com vida.
Chegou, por duas vezes, a ser feito escravo, sendo libertado por poderosos e
influentes amigos de Atenas.
Essa fidelidade de
Platão a Sócrates, todavia, ele manteve por toda a vida. E, através dos seus
livros, estendeu-a muito além dela, por séculos, por milênios, por tempo que
ninguém sabe de quanto será. Será, todavia, enquanto existir civilização,
cultura e Filosofia. Sócrates acreditava que as idéias pertenciam “a um mundo
que somente os sábios conseguiam entender”. E Platão conseguia isso, Pudera!
Era um sábio, de fato e de direito!
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