Cárie da inteligência
Pedro
J. Bondaczuk
O ceticismo exacerbado
é um veneno letal que, dependendo da dose, tende a matar a inteligência. E essa
afirmação não é exagerada, como a própria lógica, aliás, sugere. Como vou
entender o que quer que seja se não acredito nisso? Não entenderei, claro! Os antídotos
para essa mortífera poção venenosa são apenas dois: a comprovação concreta,
insofismável e sem a menor sombra de dúvidas, de que aquilo em que não
acreditamos existe de fato e é mesmo como se diz, e a fé.
Fôssemos esperar por
provas para entender o que somos, onde estamos e o que fazemos, estaríamos
ainda num estágio de absoluta obtusidade mental. Dependeríamos exclusivamente
dos instintos para sobreviver, como ocorre com os demais animais. Não teríamos
filosofia, ciências, artes, religião, tecnologia e nada do que nos caracteriza
como seres racionais. Viveríamos na maior das obscuridades e nem há certeza de
que já não estaríamos extintos como espécie.
É certo que um tantinho
de ceticismo, na dose adequada, não faz mal a ninguém. Não podemos sair por aí,
por exemplo, acreditando, de cara, em tudo o que lemos, vemos, ouvimos ou
pensamos sem uma análise, mesmo que superficial. Há que se ter, porém, (como em
tudo na vida) moderação e bom-senso. Os céticos absolutos (se é que os há), que
fazem do ceticismo dogma, não são filósofos como se dizem (pois não crêem na
filosofia), cientistas (descrêem da ciência) e muito menos pesquisadores da
verdade (de que duvidam que exista). São parasitas infelizes, pessoas sem norte
ou rumo.
O ceticismo, palavra
derivada do verbo grego “sképtomai” (que significa “olhar à distância”,
“examinar”, “observar”), é a doutrina que afirma que não se pode obter nenhuma
certeza a respeito da verdade. Implica em uma condição intelectual de perpétua
dúvida. E mais, de admissão, a priori, da incapacidade de compreensão de
fenômenos metafísicos, religiosos ou mesmo da realidade.
Há, nessa definição,
enorme paradoxo, ou seja, inconciliável contradição. Se o supostamente cético
“crê” na incapacidade de compreensão de fenômenos metafísicos, religiosos ou
mesmo da realidade, acredita em alguma coisa. Dessa forma, seu propalado
ceticismo foi para o espaço. Se “acredita” nisso, por que não poderia
acreditar, também, em tantos outros princípios, que são verdadeiros (pelo menos
até prova em contrário)?
Vitor Hugo cunhou
interessante metáfora para esse tipo de descrença liminar, absoluta e
inflexível. Classificou-a de “cárie da inteligência”. Da mesma forma que a
primeira destrói, paulatinamente, um dente, até que seja impossível sua
restauração (se este não for tratado a tempo), a segunda erode a capacidade de
pensar do infeliz que está sob o seu domínio. Como essa pessoa pode ter futuro,
se sequer acredita nele? Como pode amar, ter alegria, buscar a felicidade, se
não crê em nada disso?
Os odontologistas
definem cárie como uma doença originada da associação de placas bacterianas
cariogênicas com açúcares ingeridos na alimentação. Quando ambos se encontram,
produz-se uma reação química. Formam-se ácidos, que propiciam a saída de
minerais do dente. Estes destroem, pois, a camada protetora de esmalte, o que
propicia a ação demolidora das bactérias, causando a destruição localizada dos
tecidos dentais. A cárie, embora alguns não saibam, é contagiosa, como várias
tantas doenças. O ceticismo também contagia incautos. A cárie, em geral, ocorre
em decorrência de dietas alimentares inadequadas e, sobretudo, da falta de
higiene bucal.
O ceticismo doentio e
danoso tem (guardadas as devidas proporções, pelo menos nas causas primárias)
evolução parecida com essa que ocorre em nossa boca. Manifesta-se por causa de
“dieta” inadequada de pensamentos, decorrente de deficiências na educação e,
principalmente, da falta de higiene mental. Ou seja, da ausência de incessante
seleção de idéias, em que as nocivas e equivocadas (as destrutivas) sejam de
imediato eliminadas, e as positivas estimuladas e consolidadas, numa profilaxia
preventiva que funciona a contento em cem por cento dos casos.
Dúvidas razoáveis, que
todos temos em algum momento das nossas vidas (na verdade, em vários deles),
mas que são facilmente esclarecidas, não podem ser confundidas com ceticismo,
ou seja, com “a admissão a priori da incapacidade humana de compreensão de
fenômenos metafísicos, religiosos ou mesmo da realidade”. Isso descamba para a alienação,
que anda, via de regra, de mãos dadas com a omissão, atitude que considero das
mais covardes e negativas que uma pessoa possa assumir. Cuidado, pois, com o
perigo representado por esta “cárie da inteligência”. Cuide, com carinho e
assiduidade, da higiene bucal e, sobretudo, da mental.
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