Saturday, September 10, 2016

Prejuízos para a imagem e para o bolso

Pedro J. Bondaczuk

Os problemas que o governo soviético terá que resolver, em conseqüência do acidente na usina eletronuclear de Chernobyl, na Ucrânia, são infinitamente maiores do que os meros prejuízos para a imagem desse país no Exterior que todo esse lamentável caso trouxe. A radiatividade afetou justamente a República mais produtiva da URSS, cujas terras negras são consideradas as mais férteis do mundo. A julgar pela movimentação das autoridades russas junto aos produtores de alimentos do Mercado Comum Europeu, sua colheita do corrente ano deve estar toda comprometida, bem como o gado e os produtos que dele se obtêm.

Outro prejuízo, e dos grandes, está ainda na iminência de acontecer, se a Comunidade Econômica Européia de fato vetar as importações de gêneros alimentícios, especialmente frutas, verduras e laticínios procedentes da União Soviética e de cinco outros países do Leste do continente: Polônia, Romênia, Hungria, Checoslováquia e Bulgária. Se isso realmente ocorrer, o setor agrícola russo deverá fechar o ano duplamente no vermelho.

Além das exportações dos produtos do país serem virtualmente zeradas, as aquisições no mercado externo deverão crescer (especialmente de grãos, o "calcanhar de Aquiles" de Moscou) dramaticamente. Nessas perdas não está contabilizada a principal. Não se inclui o fator humano, o sofrimento dos que foram diretamente atingidos pelo desastre.

Mesmo que os mortos no acidente sejam apenas os três anunciados pelo Cremlin (dois no próprio dia da ocorrência e o terceiro falecido ontem num hospital de Kiev), já é caso para se lamentar. Ressalte-se que na lista oficial de feridos, pelo menos seis estão em estado gravíssimo sendo submetidos a transplante de medula óssea para que se possa salvar as suas vidas. Todos preocuparam-se até agora somente em criticar a atitude deselegante e até certo ponto irresponsável do governo soviético, tentando esconder o acidente.

Até aí tudo bem, pois foi digno de reprovação, mas se esqueceram que os principais prejudicados, e portanto merecedores de toda a solidariedade internacional (afinal são seres humanos), foram os cidadãos russos.

Ao observador parece, também, que houve uma visível tentativa de fazer do desastre uma arma política contra a União Soviética, o que, se de fato aconteceu, é no mínimo aético, para não dizer outra coisa.

Omitir acontecimentos, da natureza do verificado em Chernobyl, foi um desserviço à comunidade internacional e um ato criminoso. Mas exagerar esses fatos, criando alarme entre a população européia, apenas para explorar diferenças ideológicas e rancores indisfarçados, não é menos condenável. E procurar tirar vantagens monetárias do acidente usando-o como pretexto para desrespeitar contratos comerciais e criar fatos novos num mercado saturado de produtos, é algo que se reveste de gravidade muito maior. Em momentos como este, o último aspecto que deve ser visto é o financeiro. Afinal, somos ou não somos seres inteligentes?

Por todos esses fatores e pelas conseqüências de longo prazo que o desastre pode provocar, de dimensões literalmente desconhecidas, esse lamentável fato ficará na lembrança dos povos por muitos anos. Do soviético, por motivos óbvios. Porque ele foi o maior prejudicado, em todos os sentidos. Para o restante dos europeus, pelos temores que a nuvem de radiação despertou em tantas pessoas, que ficaram sensibilizadas para os riscos reais criados pelos engenhos nucleares, mesmo que para fins pacíficos.

Agora imagine o leitor se ao invés desse reator, cercado de tamanhos cuidados e de tanta proteção, explodisse, por qualquer motivo, ou de forma intencional ou acidental, alguma dessas 50 mil ogivas que soviéticos e norte-americanos possuem em seus silos (uma para cada nove mil habitantes do mundo), com potência mil vezes superior à que destruiu Hiroshima em agosto de 1945!

(Artigo publicado na página 8, Internacional, do Correio Popular, em 9 de maio de 1986)


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