Prejuízos para a imagem e
para o bolso
Pedro J. Bondaczuk
Os
problemas que o governo soviético terá que resolver, em conseqüência do
acidente na usina eletronuclear de Chernobyl, na Ucrânia, são infinitamente
maiores do que os meros prejuízos para a imagem desse país no Exterior que todo
esse lamentável caso trouxe. A radiatividade afetou justamente a República mais
produtiva da URSS, cujas terras negras são consideradas as mais férteis do
mundo. A julgar pela movimentação das autoridades russas junto aos produtores
de alimentos do Mercado Comum Europeu, sua colheita do corrente ano deve estar
toda comprometida, bem como o gado e os produtos que dele se obtêm.
Outro
prejuízo, e dos grandes, está ainda na iminência de acontecer, se a Comunidade
Econômica Européia de fato vetar as importações de gêneros alimentícios,
especialmente frutas, verduras e laticínios procedentes da União Soviética e de
cinco outros países do Leste do continente: Polônia, Romênia, Hungria,
Checoslováquia e Bulgária. Se isso realmente ocorrer, o setor agrícola russo
deverá fechar o ano duplamente no vermelho.
Além
das exportações dos produtos do país serem virtualmente zeradas, as aquisições
no mercado externo deverão crescer (especialmente de grãos, o "calcanhar
de Aquiles" de Moscou) dramaticamente. Nessas perdas não está
contabilizada a principal. Não se inclui o fator humano, o sofrimento dos que
foram diretamente atingidos pelo desastre.
Mesmo
que os mortos no acidente sejam apenas os três anunciados pelo Cremlin (dois no
próprio dia da ocorrência e o terceiro falecido ontem num hospital de Kiev), já
é caso para se lamentar. Ressalte-se que na lista oficial de feridos, pelo
menos seis estão em estado gravíssimo sendo submetidos a transplante de medula
óssea para que se possa salvar as suas vidas. Todos preocuparam-se até agora
somente em criticar a atitude deselegante e até certo ponto irresponsável do
governo soviético, tentando esconder o acidente.
Até
aí tudo bem, pois foi digno de reprovação, mas se esqueceram que os principais
prejudicados, e portanto merecedores de toda a solidariedade internacional
(afinal são seres humanos), foram os cidadãos russos.
Ao
observador parece, também, que houve uma visível tentativa de fazer do desastre
uma arma política contra a União Soviética, o que, se de fato aconteceu, é no
mínimo aético, para não dizer outra coisa.
Omitir
acontecimentos, da natureza do verificado em Chernobyl, foi um desserviço à
comunidade internacional e um ato criminoso. Mas exagerar esses fatos, criando
alarme entre a população européia, apenas para explorar diferenças ideológicas
e rancores indisfarçados, não é menos condenável. E procurar tirar vantagens
monetárias do acidente usando-o como pretexto para desrespeitar contratos
comerciais e criar fatos novos num mercado saturado de produtos, é algo que se
reveste de gravidade muito maior. Em momentos como este, o último aspecto que
deve ser visto é o financeiro. Afinal, somos ou não somos seres inteligentes?
Por
todos esses fatores e pelas conseqüências de longo prazo que o desastre pode
provocar, de dimensões literalmente desconhecidas, esse lamentável fato ficará
na lembrança dos povos por muitos anos. Do soviético, por motivos óbvios.
Porque ele foi o maior prejudicado, em todos os sentidos. Para o restante dos
europeus, pelos temores que a nuvem de radiação despertou em tantas pessoas,
que ficaram sensibilizadas para os riscos reais criados pelos engenhos
nucleares, mesmo que para fins pacíficos.
Agora
imagine o leitor se ao invés desse reator, cercado de tamanhos cuidados e de
tanta proteção, explodisse, por qualquer motivo, ou de forma intencional ou
acidental, alguma dessas 50 mil ogivas que soviéticos e norte-americanos
possuem em seus silos (uma para cada nove mil habitantes do mundo), com
potência mil vezes superior à que destruiu Hiroshima em agosto de 1945!
(Artigo
publicado na página 8, Internacional, do Correio Popular, em 9 de maio de 1986)
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk.
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