Arte
pelo amor à vida
Pedro J. Bondaczuk
O poeta irlandês Seamus Heaney, desconhecido em
âmbito internacional (mas dizem que bastante apreciado em seu país), foi o
ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1995. A Academia da Suécia,
responsável pela outorga, justificou, na oportunidade, a escolha ressaltando
que seus poemas exaltam os milagres diários que ocorrem na vida do homem. E
quantos não se verificam cotidianamente! Claro que se trata, na maioria das
vezes, dos pequenos, daqueles que sequer percebemos. Mas estão presentes. E
todos os dias. O simples fato de acordarmos vivos a cada manhã é milagroso. A
Terra é tão frágil e exposta a tantos perigos e o homem tão pequeno, que essa
sobrevivência chega a ser excepcional. Mas não nos damos conta.
Optamos pelo exercício covarde e inútil das
lamúrias, queixas e recriminações. Escolhemos objetivos errados para correr
atrás e com isso construímos somente a infelicidade. Experimente, leitor amigo,
a título de teste, cumprimentar alguém agora, qualquer pessoa, conhecida ou
não. Pergunte-lhe o de praxe: "como vai?". A resposta certamente vai
variar muito pouco, apenas na ênfase. "Mais ou menos", dirão alguns
(talvez a maioria). "Mal", responderá secamente o sujeito sisudo e
eternamente mau-humorado. "Vou indo", afirmará vagamente outro.
E assim por diante. Claro que a insatisfação, na devida dose, é saudável. Mas
desde que acompanhada do necessário esforço para satisfazer o que se deseja ou
que se precisa.
Contudo a vida é um milagre. Nossas pequenas
vitórias diárias sobre os instintos e sobre as deficiências (todos temos as
nossas) o são. O suceder das gerações... Os ciclos da natureza... As quatro
estações... A correspondência no amor... As oportunidades... A aquisição de
conhecimentos... As artes... Tudo isso é um milagre! Mas nós não nos
satisfazemos com o que julgamos ser tão pouco. Queremos mais, muito mais.
Aspiramos o poder. Nos trucidamos por bens cuja posse será apenas transitória,
no espaço relativamente curto da nossa existência. Colocamos a "miragem"
da propriedade como dogma sagrado, sem admitir contestações. E achamos que
somos civilizados.
Érico Veríssimo, em seu livro "O resto é
silêncio", põe na boca de um personagem aquilo que considero o meu credo,
enquanto indivíduo e intelectual. Diz: "Arte pelo amor da vida. Pinta-se,
compõe-se música, escreve-se romance ou poesia, faz-se escultura, enfim,
praticam-se todas as formas de arte, parece-me, num desejo de imitar a vida,
corrigi-la, compreendê-la, ampliá-la ou fruí-la da maneira mais sensualmente
larga. E não devemos esquecer que nisso, como em tudo o mais, há sempre a
presença do mistério". Eu diria, do milagre.
A poesia, no Brasil, é tratada como um gênero menor,
maldito, visto com menosprezo pelo público e pelos editores. Os mais broncos
acham que se trata de coisa de "maricas". Para outros, não passa de
jogo de palavras. Outros ainda confundem-na com a água com açúcar banal,
de rimas pobres, popularesca, que alguns tentam lhes impingir. Para um poeta
lançar um livro, tenha o valor literário que tiver, precisará custear a edição.
Nenhuma editora se arriscará a bancá-lo. Argumentará com o risco do encalhe. E
raramente o infeliz autor consegue vender um número de exemplares suficiente
que lhe permita sequer recuperar o investimento.
Não preciso ir longe para fazer essa constatação.
Cito o caso dos meus dois livros inéditos de poesia, “Carrossel” e “O poeta de
alma azul”, cujos poemas venho postando, há já alguns dias, nas redes sociais.
Admito que não sou nenhum Quintana, ou Drummond, ou Bandeira. Talvez até
chegasse a esse patamar caso me sentisse “motivado”. Se meus poemas não são
geniais (não são mesmo) não fogem, todavia, da média de qualidade dos que têm
livros do gênero publicados. Com eles, venci alguns concursos, regionais e até
nacionais, em que não conhecia nenhum jurado e, portanto, a conquista não se
deveu a nenhuma “marmelada”. No entanto... cansei de ser recusado por editoras,
pelas razões mais pueris que se possa imaginar. Decidi que eles permanecerão
inéditos e ponto final.
A não ser que se trate de um dos chamados
"monstros sagrados" das letras, como Drummond, Bandeira, Mário de
Andrade, Guilherme de Almeida e um ou outro mais, nossas oportunidades de
publicação são ZERO. E todos estes poetas citados também enfrentaram as mesmas
dificuldades que os desconhecidos enfrentam para brindar o público com sua
arte. No entanto, a poesia está longe de morrer. Felizmente. Caso morresse, o
mundo, que já é tão chato, se tornaria chatérrimo, sombrio, horrível e
insuportável.
Todos os dias aparecem novos e bons escritores do
gênero, dispostos a todos os sacrifícios para comunicar aos outros os seus
sentimentos. Para desvendar-lhes um mundo novo de beleza, de harmonia e de
humanidade. O pior é que este ato de generosidade é, invariavelmente, mal-interpretado.
É visto como mera manifestação de vaidade. E ainda assim os poetas persistem. É
outro milagre do cotidiano. São pessoas que fazem arte pelo amor à vida. São
prestidigitadores que tiram da cartola da realidade pombas brancas de paz. São
mágicos que constróem mundos da frágil matéria-prima das palavras. Murilo
Mendes constata: "A poesia é muito grande/mas o alfabeto é bem
curto". Por isso, a atribuição do Nobel a Heaney, que sabe vislumbrar
estrelas, onde a maioria das pessoas apenas vê uma suja poça de água, foi
bastante justa. Trata-se de alguém que, de tanto exaltar os milagres do
cotidiano, viu o maior deles se materializar diante dos olhos.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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