Wednesday, May 14, 2014

Vontade soberana


Pedro J. Bondaczuk

O eleitorado peruano confirmou, anteontem, em segundo turno, uma tendência que vinha manifestando desde as vésperas do primeiro, em 8 de abril passado, quando votou em massa no até então desconhecido engenheiro-agrônomo de 51 anos de idade, Alberto Fujimori, descendente de japoneses, para a Presidência da República.

Na oportunidade, ele somente não liquidou de vez a fatura porque os votos que anteontem choveram fartos para ele ficaram divididos entre inúmeros outros candidatos. O que se deduz da manifestação inclusive de assessores do próprio presidente eleito é que muita gente votou nele não por convicção de que fo0sse o melhor, mas de medo do apregoado choque econômico que o seu adversário, o escritor Mário Vargas Llosa, aplicaria caso vencesse.

O sucessor de Alan Garcia conquistou uma consagradora vitória apresentando à sociedade em crise uma plataforma extremamente vaga. Possivelmente não há, hoje, um único peruano que possa dizer com certeza o que Fujimori pretende fazer para cortar o déficit público (principal alimentador da hiperinflação, que já acumulou uma taxa anual próxima dos 2.000%), para pôr fim à violência guerrilheira, que numa década de lutas deixou 18 mil pessoas mortas ou para deter os narcotraficantes, que fizeram das terras do país um feudo particular, o transformando no maior produtor de cocaína do mundo.

Alguns analistas locais e outros do Exterior, mas experts em assuntos dessa República andina, chegaram a prognosticar, nos últimos dias, a iminência de um golpe militar, o que seria extremamente lamentável, num período em que toda a América Latina vem optando pelas vias democráticas para a solução de seus problemas. As previsões, inclusive, davam conta de que se o candidato do movimento independente “Câmbio 90” vencesse, essa possibilidade ficaria mais próxima. E ele venceu...

Até se entende a opção do eleitorado, descrente nos políticos tradicionais, como, aliás, vem ocorrendo em diversas outras partes do mundo. Ninguém mais suporta os carreiristas, que fazem da vida pública uma atividade voltada para seus próprios interesses e dos grupos que os apóiam, em detrimento da população.

Mas este, convenhamos, não era o caso de Vargas Llosa, um dos intelectuais mais lúcidos, esclarecidos e participativos da América Latina. Tomara, somente, que o povo tenha sido guiado pela intuição e feito a escolha certa. Mas se não fez, o mínimo que se espera dos responsáveis pela proteção das instituições, os militares, é que eles não invertam seus papéis e não se lancem numa aventura golpista. Que respeitem a voz das urnas como é o seu dever. Afinal, vox populi deveria ser, sempre, vox dei.         


(Artigo publicado na página 15, Internacional, do Correio Popular, em 12 de junho de 1990)

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