Gabinete
de Karami perto do fracasso
Pedro J. Bondaczuk
O gabinete de unidade nacional do primeiro-ministro
libanês, Rashid Karami, está muito próximo do fracasso total em sua tentativa
de pôr fim a quase dez anos de guerra civil, que vêm transformando o país em um
monte de ruínas; em uma sociedade sem perspectiva de um mínimo de organização e
ordem, diante da impossibilidade de se conciliar as diversas partes em
conflito.
Aliás, nesse novo governo, estabelecido após um
acordo entre os beligerantes, no ano passado, em Lausanne, na Suíça, e
oficialmente constituído em 26 de abril de 1984, estavam depositadas talvez as
derradeiras esperanças de pacificação. Mas estas estão indo todas,
infelizmente, com grande estrépito, por água abaixo.
Entre tantas mazelas provocadas por esta guerra,
está o empobrecimento do país, com o Produto Nacional Bruto libanês registrando
decréscimo anual de 8%, desde 1976, e com a moeda local, outrora cobiçada e
procurada por cambistas do mundo inteiro, desvalorizando-se, não apenas
diariamente, mas várias vezes num único dia.
O Líbano, constituído por 4 províncias
administrativas e a zona da capital, é um país até fácil de ser administrado.
Isso, é claro, em período de paz. Sua população, estimada em 2,8 milhões de
habitantes, apresenta acentuada predominância árabe, se bem que misturada a
vários povos que, no correr da sua milenar história, conquistaram a região. Ou
que apenas por lá passaram, de lá gostaram e lá se fixaram, como fenícios,
gregos, persas, romanos, armênios e europeus.
Desse caldo de cultura étnico, surgiu um povo
dinâmico, culto e realizador, mas desgraçadamente dividido, pelo menos de dez
anos para cá, o que já está até inviabilizando a existência de uma sociedade
nacional naquele território, encruzilhada entre o Oriente e o Ocidente e onde
se localiza o famoso Vale de Magedo, ou Armagedom que, segundo relato bíblico,
será o palco da grande batalha final das superpotências.
No início do conflito, formaram-se diversos
mini-exércitos armados, de grupos religiosos rivais. A princípio essas forças
paramilitares eram inexpressivas, se bem que potencialmente perigosas. Hoje,
são 16 e, em número de integrantes, já se igualam ao próprio Exército nacional,
que conta com 25 mil soldados.
As milícias mais expressivas são a Falange Cristã,
criada pelo falecido Pierre Gemayel (pai do atual presidente, Amin), nos moldes
nazi-fscistas, e cujo controle fugiu, em 18 de março passado, a essa
tradicional família, com a rebelião encabeçada por Samir Geagea; as milícias
drusas, de Walid Jumblat, que detêm o controle da província de Monte Líbano,
especialmente da capital provincial Bagdá (não confundir com a capital
iraquiana) e das colinas ao redor de Beirute; as milícias xiitas Amal, de Nabi
Berri, uma das mais poderosas entre as diversas facções muçulmanas e as
milícias sunitas, do atual primeiro-ministro Rashid Karami. Além dessas,
existem outras onze que, somadas a pequenos grupos terroristas e aos
palestinos, completam um número impressionante de facções beligerantes.
Embora todas as milícias estejam representadas no
gabinete de unidade nacional, os combates não param. Ora por um motivo, ora por
outro, as trocas de tiros são praticamente intermitentes, ceifando vidas
preciosas e espantando de seu território todos os estrangeiros, o que equivale
a dizer, preciosas divisas.
Paradoxalmente, o próprio hino nacional libanês
reflete que o sonho maior desse povo é diametralmente oposto ao que está ali
ocorrendo atualmente. Que o ideal dos pais da pátria – que estabeleceram, a
partir de 22 de novembro de 1945 nas terras outrora cobertas por florestas de
cedro, este Estado já chamado de “Suíça do Oriente Médio” – era a fraternidade
e a unidade das várias etnias que o compõem. Ele começa pela frase: “Todos
nós...”. Isso implica em uma união de esforços, unidade que o ódio e a cobiça
tacanha e insensata tornou mera letra morta.
(Artigo publicado na
página 12, Internacional, do Correio Popular, em 9 de abril de 1985).
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