Friday, May 09, 2014

Gabinete de Karami perto do fracasso


Pedro J. Bondaczuk


O gabinete de unidade nacional do primeiro-ministro libanês, Rashid Karami, está muito próximo do fracasso total em sua tentativa de pôr fim a quase dez anos de guerra civil, que vêm transformando o país em um monte de ruínas; em uma sociedade sem perspectiva de um mínimo de organização e ordem, diante da impossibilidade de se conciliar as diversas partes em conflito.

Aliás, nesse novo governo, estabelecido após um acordo entre os beligerantes, no ano passado, em Lausanne, na Suíça, e oficialmente constituído em 26 de abril de 1984, estavam depositadas talvez as derradeiras esperanças de pacificação. Mas estas estão indo todas, infelizmente, com grande estrépito, por água abaixo.

Entre tantas mazelas provocadas por esta guerra, está o empobrecimento do país, com o Produto Nacional Bruto libanês registrando decréscimo anual de 8%, desde 1976, e com a moeda local, outrora cobiçada e procurada por cambistas do mundo inteiro, desvalorizando-se, não apenas diariamente, mas várias vezes num único dia.

O Líbano, constituído por 4 províncias administrativas e a zona da capital, é um país até fácil de ser administrado. Isso, é claro, em período de paz. Sua população, estimada em 2,8 milhões de habitantes, apresenta acentuada predominância árabe, se bem que misturada a vários povos que, no correr da sua milenar história, conquistaram a região. Ou que apenas por lá passaram, de lá gostaram e lá se fixaram, como fenícios, gregos, persas, romanos, armênios e europeus.

Desse caldo de cultura étnico, surgiu um povo dinâmico, culto e realizador, mas desgraçadamente dividido, pelo menos de dez anos para cá, o que já está até inviabilizando a existência de uma sociedade nacional naquele território, encruzilhada entre o Oriente e o Ocidente e onde se localiza o famoso Vale de Magedo, ou Armagedom que, segundo relato bíblico, será o palco da grande batalha final das superpotências.

No início do conflito, formaram-se diversos mini-exércitos armados, de grupos religiosos rivais. A princípio essas forças paramilitares eram inexpressivas, se bem que potencialmente perigosas. Hoje, são 16 e, em número de integrantes, já se igualam ao próprio Exército nacional, que conta com 25 mil soldados.

As milícias mais expressivas são a Falange Cristã, criada pelo falecido Pierre Gemayel (pai do atual presidente, Amin), nos moldes nazi-fscistas, e cujo controle fugiu, em 18 de março passado, a essa tradicional família, com a rebelião encabeçada por Samir Geagea; as milícias drusas, de Walid Jumblat, que detêm o controle da província de Monte Líbano, especialmente da capital provincial Bagdá (não confundir com a capital iraquiana) e das colinas ao redor de Beirute; as milícias xiitas Amal, de Nabi Berri, uma das mais poderosas entre as diversas facções muçulmanas e as milícias sunitas, do atual primeiro-ministro Rashid Karami. Além dessas, existem outras onze que, somadas a pequenos grupos terroristas e aos palestinos, completam um número impressionante de facções beligerantes.
Embora todas as milícias estejam representadas no gabinete de unidade nacional, os combates não param. Ora por um motivo, ora por outro, as trocas de tiros são praticamente intermitentes, ceifando vidas preciosas e espantando de seu território todos os estrangeiros, o que equivale a dizer, preciosas divisas.

Paradoxalmente, o próprio hino nacional libanês reflete que o sonho maior desse povo é diametralmente oposto ao que está ali ocorrendo atualmente. Que o ideal dos pais da pátria – que estabeleceram, a partir de 22 de novembro de 1945 nas terras outrora cobertas por florestas de cedro, este Estado já chamado de “Suíça do Oriente Médio” – era a fraternidade e a unidade das várias etnias que o compõem. Ele começa pela frase: “Todos nós...”. Isso implica em uma união de esforços, unidade que o ódio e a cobiça tacanha e insensata tornou mera letra morta.

(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 9 de abril de 1985).


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