As
aparências enganam
Pedro J. Bondaczuk
“As aparências enganam”, diz
conhecido dito popular. É certo que não devemos generalizar. Afinal, como diria
Nelson Rodrigues, “toda generalização é burra”. Há coisas que realmente são o
que aparentam. Mas há uma infinidade delas que não são e que conduzem incautos
e desinformados a equívocos imensos. Quem se deixa levar “apenas” pelas
aparências, não raro se engana e muitos destes enganos não têm conserto. Ou
seja, são irremediáveis. Nem sempre o que parece de fato é o que aparenta. E
isso vale tanto para o aspecto material do mundo, quanto para o lado espiritual
das pessoas.
Vamos fazer uma experiência e
raciocinar juntos? Convido-os a se dirigirem para o quintal de suas casas para
observarem o céu. Não sei como ele está no lugar em que vocês residem,
caríssimos leitores, mas aqui, na minha cidade, está azul, azul, sem nenhuma
reles nuvem, neste dia de um verão inusitadamente quente, numa cidade
interiorana deste nosso país tropical. Ou seja, num território que nesta época
do ano está voltado diretamente para o Sol. Este, por sua vez, aparenta estar
bem na vizinhança, principalmente por causa do intenso calor que emite. Não
está. Está longe, muito longe, a vários milhões de quilômetros de distância.
Imaginem se estivesse mais próximo. Seria, certamente, nosso fim.
Querem outra aparência
enganadora? O ar. Parece coisa abstrata, porquanto é invisível, não é mesmo?.
Não o vemos. Todavia, existe. Trata-se de mistura de vários gases, rigorosamente
exata para garantir a vida, e em proporções bem definidas de oxigênio (21%),
nitrogênio (78%), além de gás carbônico, vapor de água e alguns outros (1%). É
certo que o homem, com suas atividades, desequilibra essa composição, com as
chaminés de suas fábricas e com automóveis de seus escapamentos lançando, por
segundo, toneladas e mais toneladas de outros tantos produtos, todos nocivos
aos seres vivos, não somente ao homem, na atmosfera. Como se vê, a aparência
engana. O ar não é abstrato, como parece,
mas concretíssimo.
Embora não pareça, e a humanidade
tenha, por milênios, duvidado disso, o Planeta é uma espécie de “aquário”,
posto que repleto não só de água, mas, principalmente, dessa mistura apropriada
de gases que nós respiramos. E estes, mesmo que invisíveis, têm peso. E pesam
muito. Pesam alguns milhões de toneladas. E por que não sentimos esse peso
todo? Por que ele não nos esmaga como esmagamos alguns insetos incômodos sempre
que os conseguimos apanhar? Por outro providencial capricho da natureza. Por
termos, no interior dos nossos corpos, esses mesmos gases. A pressão externa
exercida pelo ar é compensada por outra igualzinha, do nosso corpo para o
exterior. Assim, essas duas forças se igualam e se anulam. Não fosse isso....
Seríamos mais achatados do que gilete. Não haveria a mínima chance de estarmos
aqui, vivos, fazendo esse elementar exercício de raciocínio. Viram como as aparências enganam?
Convenhamos, não dá para criticar nossos antepassados, e muito menos para rir
deles, por não acreditarem em nada disso. Afinal, aqueles seres tão primitivos,
acreditavam nas aparências. Porém... elas muitas vezes enganam.
Querem outro equívoco, que até o
século XV, se não me falha a memória, era muito comum? Aproveitemos que estamos
no quintal e olhemos ao redor. Não parece tudo plano? Mas não é. Estamos todos
sobre uma esfera (que sequer é regular, já que o Pólo Norte tem formato de uma
pêra e o Pólo Sul é achatado). E por que não despencamos no espaço, no abismo,
no vácuo? Hoje, qualquer criança com informações elementares sabe que é por
causa da tal “força de gravidade”, em que corpos maiores atraem os menores para
o seu centro. Como querer, porém, que o homem primitivo cresse nisso? Eles
baseavam-se no que viam, mas as aparências... às vezes enganam.
Quando olhamos para o céu,
estamos convictos de olharmos para o alto. Será, então, que as pessoas que
vivem em países em posição oposta à nossa, digamos, no Japão, olham para baixo?
Nós achamos que sim. Eles acham que não. Entendem que nós é que olhamos para
baixo. O mesmo vale para quem está nas laterais dessa bola irregular que é a
Terra. No espaço, não há altura e nem profundidade. Depende da posição em que
as pessoas estão, nesta esfera irregular, para terem essa impressão. É o que
aparenta. Mas... é aparência que engana.
Poderíamos citar muitos, e muitos
e muitos outros exemplos, mas isso fica como desafio para você, paciente
leitor, lembrar. Creio que se trate de bom exercício de reflexão. Hermann Hesse
coloca, na boca de um dos seus personagens, esta verdade, que também contradiz
as aparências: “O macio é mais forte do que o duro. A água mais forte do que a
rocha. O amor mais forte que a violência”. E essa força maior, dos elementos
citados, não é apenas figura de linguagem, mas pura realidade. Analisemos: o
macio verga, mas não quebra, ao contrário do que é duro, que se rompe
facilmente. A água é a que gera a maior parte da energia elétrica que se
consome mundo afora, e não a rocha. Já a violência, destrói, não raro, não
apenas a vítima dela, mas também seu agente. O amor, porém, redime a ambos. Por
isso, não nos deixemos levar, jamais, por meras aparências.
Permita-me, paciente leitor, que
lhe faça só mais uma e última pergunta. Estas reflexões caracterizam, ou não,
um texto literário? Por quais parâmetros você irá medi-lo, para concluir se tem
ou não essa característica? Dependendo do qual você escolher, a resposta,
possivelmente, será “não”. Este texto não tem características de Literatura ou
pelo menos aparenta não ter. Todavia, você tem certeza? A aparência destas
reflexões talvez o conduza no sentido de não considerar que se trate de
produção literária. Mas... as aparências enganam...
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