Saturday, May 31, 2014

As aparências enganam

Pedro J. Bondaczuk

As aparências enganam”, diz conhecido dito popular. É certo que não devemos generalizar. Afinal, como diria Nelson Rodrigues, “toda generalização é burra”. Há coisas que realmente são o que aparentam. Mas há uma infinidade delas que não são e que conduzem incautos e desinformados a equívocos imensos. Quem se deixa levar “apenas” pelas aparências, não raro se engana e muitos destes enganos não têm conserto. Ou seja, são irremediáveis. Nem sempre o que parece de fato é o que aparenta. E isso vale tanto para o aspecto material do mundo, quanto para o lado espiritual das pessoas.

Vamos fazer uma experiência e raciocinar juntos? Convido-os a se dirigirem para o quintal de suas casas para observarem o céu. Não sei como ele está no lugar em que vocês residem, caríssimos leitores, mas aqui, na minha cidade, está azul, azul, sem nenhuma reles nuvem, neste dia de um verão inusitadamente quente, numa cidade interiorana deste nosso país tropical. Ou seja, num território que nesta época do ano está voltado diretamente para o Sol. Este, por sua vez, aparenta estar bem na vizinhança, principalmente por causa do intenso calor que emite. Não está. Está longe, muito longe, a vários milhões de quilômetros de distância. Imaginem se estivesse mais próximo. Seria, certamente, nosso fim.

Querem outra aparência enganadora? O ar. Parece coisa abstrata, porquanto é invisível, não é mesmo?. Não o vemos. Todavia, existe. Trata-se de mistura de vários gases, rigorosamente exata para garantir a vida, e em proporções bem definidas de oxigênio (21%), nitrogênio (78%), além de gás carbônico, vapor de água e alguns outros (1%). É certo que o homem, com suas atividades, desequilibra essa composição, com as chaminés de suas fábricas e com automóveis de seus escapamentos lançando, por segundo, toneladas e mais toneladas de outros tantos produtos, todos nocivos aos seres vivos, não somente ao homem, na atmosfera. Como se vê, a aparência engana. O ar não é abstrato, como parece,  mas concretíssimo.

Embora não pareça, e a humanidade tenha, por milênios, duvidado disso, o Planeta é uma espécie de “aquário”, posto que repleto não só de água, mas, principalmente, dessa mistura apropriada de gases que nós respiramos. E estes, mesmo que invisíveis, têm peso. E pesam muito. Pesam alguns milhões de toneladas. E por que não sentimos esse peso todo? Por que ele não nos esmaga como esmagamos alguns insetos incômodos sempre que os conseguimos apanhar? Por outro providencial capricho da natureza. Por termos, no interior dos nossos corpos, esses mesmos gases. A pressão externa exercida pelo ar é compensada por outra igualzinha, do nosso corpo para o exterior. Assim, essas duas forças se igualam e se anulam. Não fosse isso.... Seríamos mais achatados do que gilete. Não haveria a mínima chance de estarmos aqui, vivos, fazendo esse elementar exercício de raciocínio.  Viram como as aparências enganam? Convenhamos, não dá para criticar nossos antepassados, e muito menos para rir deles, por não acreditarem em nada disso. Afinal, aqueles seres tão primitivos, acreditavam nas aparências. Porém... elas muitas vezes enganam.

Querem outro equívoco, que até o século XV, se não me falha a memória, era muito comum? Aproveitemos que estamos no quintal e olhemos ao redor. Não parece tudo plano? Mas não é. Estamos todos sobre uma esfera (que sequer é regular, já que o Pólo Norte tem formato de uma pêra e o Pólo Sul é achatado). E por que não despencamos no espaço, no abismo, no vácuo? Hoje, qualquer criança com informações elementares sabe que é por causa da tal “força de gravidade”, em que corpos maiores atraem os menores para o seu centro. Como querer, porém, que o homem primitivo cresse nisso? Eles baseavam-se no que viam, mas as aparências... às vezes enganam.

Quando olhamos para o céu, estamos convictos de olharmos para o alto. Será, então, que as pessoas que vivem em países em posição oposta à nossa, digamos, no Japão, olham para baixo? Nós achamos que sim. Eles acham que não. Entendem que nós é que olhamos para baixo. O mesmo vale para quem está nas laterais dessa bola irregular que é a Terra. No espaço, não há altura e nem profundidade. Depende da posição em que as pessoas estão, nesta esfera irregular, para terem essa impressão. É o que aparenta. Mas... é aparência que engana.

Poderíamos citar muitos, e muitos e muitos outros exemplos, mas isso fica como desafio para você, paciente leitor, lembrar. Creio que se trate de bom exercício de reflexão. Hermann Hesse coloca, na boca de um dos seus personagens, esta verdade, que também contradiz as aparências: “O macio é mais forte do que o duro. A água mais forte do que a rocha. O amor mais forte que a violência”. E essa força maior, dos elementos citados, não é apenas figura de linguagem, mas pura realidade. Analisemos: o macio verga, mas não quebra, ao contrário do que é duro, que se rompe facilmente. A água é a que gera a maior parte da energia elétrica que se consome mundo afora, e não a rocha. Já a violência, destrói, não raro, não apenas a vítima dela, mas também seu agente. O amor, porém, redime a ambos. Por isso, não nos deixemos levar, jamais, por meras aparências.

Permita-me, paciente leitor, que lhe faça só mais uma e última pergunta. Estas reflexões caracterizam, ou não, um texto literário? Por quais parâmetros você irá medi-lo, para concluir se tem ou não essa característica? Dependendo do qual você escolher, a resposta, possivelmente, será “não”. Este texto não tem características de Literatura ou pelo menos aparenta não ter. Todavia, você tem certeza? A aparência destas reflexões talvez o conduza no sentido de não considerar que se trate de produção literária. Mas... as aparências enganam...


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