Marcas, difíceis de apagar, da tirania
Pedro J.
Bondaczuk
O papa João Paulo II, no seu atual giro sul-americano,
certamente vai ter a oportunidade de ver, sentir e tirar conclusões das
terríveis conseqüências que uma tirania traz para os povos tiranizados, que
persistem mesmo após o seu término.
Na missa campalque rezou, ontem,
na Esplanada das Três Cruzes, em Montevidéu, certamente não pôde deixar de
notar os cartazes empunhados por parentes de “desaparecidos” do Uruguai, Chile
e Argentina, justamente os três países que se propôs a visitar.
Dois conseguiram, bem ou mal, uma
relativa conciliação de suas respectivas sociedades, que no entanto não
conseguem esconder as marcas do “furacão” devastador que se abateu sobre elas.
O terceiro ainda vive, sabe Deus até quando, esse drama das pessoas sentirem-se
prisioneiras até dentro das próprias casas.
Apesar da visita do Papa ao Chile
não ter nenhuma conotação de caráter político, seus olhos, certamente, irão
perceber a angústia que toma parte de boa parte de sua população, que se apega
teimosamente às derradeiras esperanças, de que, como acontece com todas as
coisas boas e ruins na vida de todas as pessoas, essa situação dramática, um
dia, também vai passar.
João Paulo II vai ter um encontro
com o futuro desse país, a sua juventude, e ironicamente, ele vai ocorrer num
dos locais de mais triste lembrança desse povo: o Estádio Nacional, em
Santiago, palco de tantos dramas solitários, de tanta agressão aos direitos
mais sagrados dos indivíduos, de tantos sofrimentos e mortes.
O Papa, que vai ao Chile na
condição de “defensor da vida” (que ficou ainda mais ressaltada com a emissão
de um documento recente de intensa sabedoria e profundidade, condenando a sua
manipulação), terá sempre presente, em cada lugar por onde passar, sombras,
fantasmas, lembranças dos que não aceitaram sobreviver sem liberdade e
preferiram o caminho do sacrifício pessoal.
Que ninguém espere, no entanto,
que ele vá às praças públicas pregar uma sublevação armada. Esse, aliás, nem é
o seu papel. Que não se cobre dele nenhum pronunciamento contundente, pois ele
sabe que se agisse dessa forma, traria mais prejuízos do que benefícios aos
oprimidos para os quais foi levar consolo.
Mas que não se pense que João
Paulo II vai ficar omisso diante daquilo que seus olhos puderem ver, seus
ouvidos ouvir e seu coração sentir. O simples fato dele ter decidido ir a um
país que vive sob um regime ditatorial já foi um ato de coragem, daquele que
vem de uma postura moral exemplar para o mundo de hoje, onde posições claras e
coerentes não abundam, e a perfídia e a dissimulação são práticas rotineiras no
comportamento dos líderes mundiais.
O Papa esteve, no passado, em
outras terras que viviam oprimidas e que hoje respiram democracia. Como as
Filipinas, de Ferdinand Marcos. Como o Haiti, de Baby Doc. E como vários outros
países por onde passou em suas 33 andanças anteriores. Portanto, conhece o que
é uma ditadura.
Quem sabe a sua presença no Chile
abra os olhos das partes em conflito e as faça entender que, embora por
caminhos diferentes, ambos os lados querem a mesma coisa, ou seja, a segurança,
a prosperidade e a grandeza da pátria. Quem sabe uma súbita luz mostre aos dois
extremos que suas atitudes radicais só prejudicam a maioria, que eles garantem
defender e em nome da qual juram estar agindo.
Quem sabe surja a consciência de
que, através da violência, da prepotência e do crime, o que estão conseguindo,
atualmente, é apenas ferir a própria nacionalidade e enfraquecer o país perante
a comunidade internacional. Quem sabe. Isto tardou um pouco, mas aconteceu, nas
Filipinas de Ferdinand Marcos. Demorou um pouco mais, mas se verificou, no
Haiti dos Duvaliers. Pode tardar ainda um certo tempo, mas certamente irá
ocorrer no Chile de Pinochet.
(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 2
de abril de 1987).
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