Indissociável parceiro
de literatura
Pedro
J. Bondaczuk
“A leitura obrigatória
é uma coisa tão absurda quanto se falar em felicidade obrigatória”. Quem
escreveu isso foi um dos meus escritores favoritos, uma espécie de guru da
minha geração, meu parâmetro de qualidade quando me dedico à atividade que
tanto me encanta e mobiliza. Refiro-me, e o leitor sagaz certamente já chegou a
essa conclusão, a Jorge Luís Borges. Ler tem que ser algo espontâneo, atrativo
e, sobretudo, prazeroso. Não deve e não pode, portanto, ser imposto como dever,
como tarefa, em suma, como obrigação. O que temos que fazer é motivar as
crianças (ou mesmo adultos recém alfabetizados)
para empreenderem essa aventura do espírito por sua própria e livre
vontade. Cada qual deve descobrir, por si mesmo, o prazer que essa nobre
atividade do espírito encerra.
O leitor, meus amigos,
é personagem central da Literatura. É figura imprescindível, tanto quanto a do
escritor, de quem é indissociável parceiro. Um não sobrevive sem o outro. Claro
que aqui me refiro em termos genéricos, sem particularizar a questão. Em casos
específicos, porém, posso prescindir de “determinados leitores”, caso conte com
uma infinidade de outros (e quantos mais, melhor). Contudo, não posso dispensar
a “todos”. Caso contrário, será inútil que me disponha a escrever sem que haja
quem leia o que escrevi, mesmo que para discordar das minhas colocações ou para
criticar minhas ideias. A recíproca é rigorosamente verdadeira. Determinadas
pessoas podem passar muito bem sem os meus livros e os meus textos esparsos,
pois contará com milhões de outros tantos literatos mundo e tempo afora, que
sejam do seu agrado, para suprir, não raro com vantagem, minha ausência.
O universo dos leitores
é infinitamente mais vasto do que o dos escritores, embora a produção destes
seja tão vasta (estima-se entre 50 milhões e 80 milhões de títulos de livros
publicados, anualmente, embora estas cifras possam ser muito maiores) que
ninguém, em momento algum, se verá privado do que ler. Caso seja, não o será
por falta de produção, como se vê. Muito pelo contrário. Pode privar-se por
outros motivos, como o econômico, por exemplo. Não, porém, por falta de opções.
Ademais, todo escritor é, necessariamente, compulsivo leitor. Neste caso,
ressalte-se, nem sempre a recíproca é verdadeira. Relativamente poucos
consumidores de livros são, simultaneamente, seus produtores. Em outras
palavras, um leitor não é necessariamente um escritor, ou por falta de talento,
ou por não gostar de redação, ou por tantos e tantos outros motivos.
Jorge Luís Borges
destacou a propósito: “Sem leitura, não se pode escrever”. Não, pelo menos,
textos válidos, lúcidos e minimamente coerentes. Vários escritores consagrados
confessaram-se obsessivos leitores. Pudera! Um deles, por exemplo, foi José
Saramago, o primeiro autor de língua portuguesa a conquistar um Prêmio Nobel de
Literatura. Ele escreveu a respeito: “Eu fui um leitor apaixonado. Não havia
livros em minha casa, mas costumava ler bastante nas bibliotecas públicas,
especialmente à noite. Lembro-me de ler a tradução do ‘Paraíso perdido’, quando
tinha 16 anos. Não havia ninguém que me dissesse o que experimentar a seguir.
Por isso tive uma educação literária anárquica cheia de lacunas, mas com o
tempo consegui organizar uma espécie de visão coerente da literatura,
especialmente da literatura francesa”.
Poucos escritores
trataram com mais detalhes, esmiuçando as várias facetas e motivações, desse
personagem que tanto tememos, por ser uma espécie de árbitro da nossa produção,
mas que simultaneamente ambicionamos cativar, conquistar e “fidelizar”
(neologismo que detesto, mas que aqui cabe a caráter) quanto o argentino
Ricardo Piglia. Um de seus livros de maior sucesso tem por título “Último
leitor”. Além disso, escreveu inúmeros ensaios a propósito e concedeu diversas
entrevistas abordando essa figura geralmente “sem rosto” (na maior parte dos
casos, salvo raríssimas exceções, não temos como identificar quem nos lê. E
quanto à sua quantidade, não temos sequer como estimar, com razoável margem, de
acerto, quantos são nossos leitores).
Piglia escreveu, na
página 24 do citado livro: “”Não nos perguntaremos tanto o que é ler, como quem
é aquele que lê (onde está lendo, para quê, em que condições, qual é a sua
história?)”. E aduziu, na página 25: “Para poder definir o leitor, diria
Macedonio, primeiro é preciso saber encontrá-lo. Ou seja, nomeá-lo,
individualizá-lo, contar sua história. A literatura faz isso: dá ao leitor um
nome e uma história, retira-o da prática múltipla e anônima, torna-o visível
num contexto preciso, faz com que passe a ser integrante de uma narração
específica”.
E como o escritor faz
isso? Aleatoriamente. Na obra que produz, que pode agradar uns e desagradar
outros. Marcel Proust, em “O tempo
redescoberto”, explica o que ocorre quando o livro agrada: “Na realidade, todo
leitor é, quando lê, o leitor de si mesmo. A obra não passa de uma espécie de
instrumento ótico oferecido ao leitor a fim de lhe ser possível discernir o
que, sem ela, não teria certamente visto em si mesmo”. Ou seja, quando o livro
agrada quem o lê, serve como uma espécie de microscópio em que esse leitor “se
vê” interiormente e em detalhes. Acho fascinante esse tema, que há muito
planejava abordar, e, por isso, pretendo trazê-lo de novo à baila, com enfoques
mais detalhados e específicos, já nos próximos dias.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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