Quais seriam as intenções?
Pedro J. Bondaczuk
O êxodo que se verifica atualmente, de alemães
orientais, fugindo em massa para o Ocidente, utilizando o território da
Hungria, permite ao observador tirar uma série de conclusões. A primeira é a de
que ainda há sistemas que, não satisfeitos com o repudio que recebem, pretendem
se impor à força a toda uma nação, como se fosse possível transformar todo um
Estado numa imensa penitenciária.
Os cidadãos, em tais sociedades, sentem-se
prisioneiros e reagem como qualquer ser humano que viva encarcerado reagiria.
Ou seja, fazem da fuga uma autêntica obsessão. A outra lição que o fato nos
ensina é que a chamada "guerra fria", que caracterizou as relações
entre o Leste e o Oeste no pós-guerra, está muito longe de ter acabado, embora
tenha amainado sobremaneira.
Um lado faz e fará tido para depreciar o outro. Isto
parece estar arraigado em toda uma geração, como se fosse uma segunda
personalidade dela. A terceira conclusão que se tira é que os refugiados são
classificados de acordo com a sua etnia, o que mostra que o racismo, o
preconceito estúpido e calhorda que já levou o mundo a duas guerras e pode
levar a uma terceira, está mais vivo do que nunca.
Recentemente, as autoridades germânicas ocidentais
pediram providências à mesma Alemanha Oriental, cujos cidadãos seu Estado está
recebendo agora de "braços abertos" (não se nega aqui o gesto
humanitário, o que se discute são as suas motivações) para que não permitisse o
enorme fluxo de pessoas procedentes do Oriente Médio para o seu território.
Elas poderiam argumentar, como de fato o fizeram,
temer que junto com gente pacífica, terroristas também entrassem no país e
causassem problemas. Só que os atos de terrorismo cometidos por imigrantes
procedentes dessa região, na Alemanha Ocidental, são possíveis de se contar nos
dedos de uma só mão. O que há é preconceito mesmo.
Aliás, por falar nisso, veja o leitor o que está
acontecendo com os sofridos refugiados vietnamitas em Hong Kong. Os
chamados "boat people", que receberam essa denominação por terem como
único bem as fragílimas e insalubres embarcações em que fogem do Vietnã em
busca de uma vida melhor (a maioria, embora seja impossível de estimar quantos,
morre afogada no mar) são indesejados não apenas nessa colônia britânica, como
em qualquer outra parte.
Esse pessoal não é recebido por ninguém com flores,
bolos e nem champanhe. É escorraçado e devolvido ao ponto de origem, mesmo
depois do heroísmo demonstrado durante a fuga, quando afronta perigos incríveis
em busca da tão sonhada liberdade. Mas será que esta ainda existe em alguma
parte alhures? Ou esse conceito tão belo não passa de mera expressão retórica,
bonita de se usar, mas rara de se praticar?
(Artigo publicado na página 13, Internacional, do
Correio Popular, em 13 de setembro de 1989).
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