Os versos do capitão
Pedro
J. Bondaczuk
“Os versos do capitão”
é um dos melhores livros de Pablo Neruda. Não ouso afirmar que seja (e nem que
não seja), “o melhor”, pois esse poeta revolucionário e ao mesmo tempo sensível
se supera, não apenas de um volume para outro, mas de um poema para outro. Você
lê determinados versos dele e fica embasbacado, achando que nunca leu nada
melhor. Na sequência, lê outro e muda logo de opinião por se sentir ainda mais
empolgado do que antes. Pudera! Poucos, pouquíssimos poetas sequer se
aproximaram dele em termos de qualidade e de capacidade de despertar empatia no
leitor. Você “sente” sua poesia. Apaixona-se, revolta-se, motiva-se de acordo
com o tema que explora.
Convenhamos, não é
qualquer um que leva uma multidão de mais de cem mil pessoas ao delírio, como
Pablo Neruda fez, em 1945, no Estádio Municipal do Pacaembu, em São Paulo, à
simples leitura de um poema que escreveu. O sujeito que consegue isso é, no
mínimo, muito superior à média. Mas “Os versos do capitão” é, mesmo, um livro
especial. Ainda mais quando traduzido por outro poeta que nada fica a dever aos
melhores, como é o caso do ultrapremiado Thiago de Mello, na edição brasileira
(a minha é a terceira, de 1997) desta obra, da editora Bertrand do Brasil, que
tenho em mãos, preciosíssimo presente do meu genro Horácio Poblete.
O curioso é que este
livro, publicado pela primeira vez em 1952 (dedicado à amante do poeta,
Matilde) veio a público sem que Pablo Neruda assumisse a autoria. Foi lançado
sem a menção ao autor (o que, se não é inédito, e acho que é, pelo menos é
raríssimo). Todavia, o estilo e, sobretudo, a qualidade dos poemas, não enganam
os amantes da boa poesia. Os leitores logo identificaram quem havia composto
tais versos, simultaneamente ternos e delicados e vibrantes e heróicos. Mas foi
só a partir da terceira edição em espanhol que o nome de Neruda foi colocado
como autor destes poemas que, como destaca o texto de contracapa da versão
brasileira, “fundem, com paixão vital, o impulso revolucionário com o mais
terno e ardente amor”.
“Os versos do capitão”
é, então, o melhor livro do laureado poeta chileno? Não diria isso. Não pelo
menos com convicção. E a dúvida, insisto, nada tem a ver com a qualidade dessa
publicação, que é irretocável. Ela existe pensando em outros tantos liovros
marcantes do mesmo autor, tão bons quanto. Só não sei se são melhores. Digamos
que se equiparam. Gosto de escrever sobre Neruda, mas evito fazê-lo, porque não
consigo parar. Quase que à minha revelia (se é que isso seja possível) vou
alinhando parágrafo após parágrafo e, quando me dou conta, o texto já está
extensíssimo e caudaloso, desses que não atraem a leitura dos preguiçosos e dos
comodistas. Prometo escrever outros comentários sobre este poeta, até para que,
sendo mais enxutos, sejam mais “palatáveis” aos que não têm paciência para ler
crônicas ou ensaios extensos.
Não poderia encerrar
estas considerações de hoje sem partilhar com vocês pelo menos um poema do
livro “Os versos do capitão”. Não resisto, todavia, a tentação e partilho, no
embalo, logo dois deles. Leiam e sintam a força poética do gênio.
As vidas
“Ai
que incômoda às vezes
te
sinto
comigo,
vencedor entre os homens!
Porque
não sabes
que
comigo venceram
milhares
de olhos que não podes ver,
milhares
de pés e peitos que andaram comigo,
que
sou mais forte
porque
levo em mim
não
minha vida breve,
porém
todas as vidas,
e
ando seguro para a frente
porque
tenho mil olhos,
golpeio
com peso de pedra
porqeu
tenho mil mãos
e
minha voz se ouve nas margens
de
todas as terras
porque
é a voz de todos
os
que não falaram,
dos
que não cantaram
e
cantam hoje com esta boca
que
te beija”.
O segundo poema de
Pablo Neruda, publicado no livro “Os versos do capitão”, que o convido, leitor
de bom gosto, a “degustar” comigo, é este:
A Bandeira
“Levanta-te
comigo.
Ninguém
mais do que eu
quisera
ficar
sobre
a almofada em que tuas pálpebras
querem
fechar o mundo para mim.
Ali
também queria
deixar
dormir meu sangue
rodeando
tua doçura.
Levanta-te,
porém,
tu,
te levanta,
mas
te levanta comigo
e
saiamos reunidos
a
lutar corpo a corpo
contra
as teioas do malvado,
contra
o sistema que reparte a fome,
e
contra a organização da miséria.
Vamos,
e
tu, minha estrela, junto a mim,
recém-nascida
do meu próprio barro,
já
encontrarás o manancial que ocultas
e
no meio do fogo estarás
junto
a mim,
com
teus olhos bravios
alçando
minha bandeira”.
Pelo exposto, portanto,
não tenho como dizer com um mínimo de convicção se “Os versos do capitão” é, ou
não, o melhor dos livros de Pablo Neruda. Desconfio que sim, até porque esse
tipo de avaliação é rigorosamente subjetivo, ainda mais quando se trata de
avaliar um gênio das letras mundiais. Prefiro ficar com a opinião de quem
redigiu o texto de contracapa da edição brasileira desta obra, publicada pela
editora Bertrand do Brasil: “‘Os versos do capitão’ se situa entre os mais
importantes livros de amor do nosso tempo”. Há alguma dúvida?
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