Monday, May 12, 2014

Os versos do capitão

Pedro J. Bondaczuk

Os versos do capitão” é um dos melhores livros de Pablo Neruda. Não ouso afirmar que seja (e nem que não seja), “o melhor”, pois esse poeta revolucionário e ao mesmo tempo sensível se supera, não apenas de um volume para outro, mas de um poema para outro. Você lê determinados versos dele e fica embasbacado, achando que nunca leu nada melhor. Na sequência, lê outro e muda logo de opinião por se sentir ainda mais empolgado do que antes. Pudera! Poucos, pouquíssimos poetas sequer se aproximaram dele em termos de qualidade e de capacidade de despertar empatia no leitor. Você “sente” sua poesia. Apaixona-se, revolta-se, motiva-se de acordo com o tema que explora.

Convenhamos, não é qualquer um que leva uma multidão de mais de cem mil pessoas ao delírio, como Pablo Neruda fez, em 1945, no Estádio Municipal do Pacaembu, em São Paulo, à simples leitura de um poema que escreveu. O sujeito que consegue isso é, no mínimo, muito superior à média. Mas “Os versos do capitão” é, mesmo, um livro especial. Ainda mais quando traduzido por outro poeta que nada fica a dever aos melhores, como é o caso do ultrapremiado Thiago de Mello, na edição brasileira (a minha é a terceira, de 1997) desta obra, da editora Bertrand do Brasil, que tenho em mãos, preciosíssimo presente do meu genro Horácio Poblete.

O curioso é que este livro, publicado pela primeira vez em 1952 (dedicado à amante do poeta, Matilde) veio a público sem que Pablo Neruda assumisse a autoria. Foi lançado sem a menção ao autor (o que, se não é inédito, e acho que é, pelo menos é raríssimo). Todavia, o estilo e, sobretudo, a qualidade dos poemas, não enganam os amantes da boa poesia. Os leitores logo identificaram quem havia composto tais versos, simultaneamente ternos e delicados e vibrantes e heróicos. Mas foi só a partir da terceira edição em espanhol que o nome de Neruda foi colocado como autor destes poemas que, como destaca o texto de contracapa da versão brasileira, “fundem, com paixão vital, o impulso revolucionário com o mais terno e ardente amor”.

“Os versos do capitão” é, então, o melhor livro do laureado poeta chileno? Não diria isso. Não pelo menos com convicção. E a dúvida, insisto, nada tem a ver com a qualidade dessa publicação, que é irretocável. Ela existe pensando em outros tantos liovros marcantes do mesmo autor, tão bons quanto. Só não sei se são melhores. Digamos que se equiparam. Gosto de escrever sobre Neruda, mas evito fazê-lo, porque não consigo parar. Quase que à minha revelia (se é que isso seja possível) vou alinhando parágrafo após parágrafo e, quando me dou conta, o texto já está extensíssimo e caudaloso, desses que não atraem a leitura dos preguiçosos e dos comodistas. Prometo escrever outros comentários sobre este poeta, até para que, sendo mais enxutos, sejam mais “palatáveis” aos que não têm paciência para ler crônicas ou ensaios extensos.

Não poderia encerrar estas considerações de hoje sem partilhar com vocês pelo menos um poema do livro “Os versos do capitão”. Não resisto, todavia, a tentação e partilho, no embalo, logo dois deles. Leiam e sintam a força poética do gênio.   

As vidas

“Ai que incômoda às vezes
te sinto
comigo, vencedor entre os homens!

Porque não sabes
que comigo venceram
milhares de olhos que não podes ver,
milhares de pés e peitos que andaram comigo,
que sou mais forte
porque levo em mim
não minha vida breve,
porém todas as vidas,
e ando seguro para a frente
porque tenho mil olhos,
golpeio com peso de pedra
porqeu tenho mil mãos
e minha voz se ouve nas margens
de todas as terras
porque é a voz de todos
os que não falaram,
dos que não cantaram
e cantam hoje com esta boca
que te beija”.

O segundo poema de Pablo Neruda, publicado no livro “Os versos do capitão”, que o convido, leitor de bom gosto, a “degustar” comigo, é este:

A Bandeira

“Levanta-te comigo.

Ninguém mais do que eu
quisera ficar
sobre a almofada em que tuas pálpebras
querem fechar o mundo para mim.
Ali também queria
deixar dormir meu sangue
rodeando tua doçura.

Levanta-te, porém,
tu, te levanta,
mas te levanta comigo
e saiamos reunidos
a lutar corpo a corpo
contra as teioas do malvado,
contra o sistema que reparte a fome,
e contra a organização da miséria.

Vamos,
e tu, minha estrela, junto a mim,
recém-nascida do meu próprio barro,
já encontrarás o manancial que ocultas
e no meio do fogo estarás
junto a mim,
com teus olhos bravios
alçando minha bandeira”.

Pelo exposto, portanto, não tenho como dizer com um mínimo de convicção se “Os versos do capitão” é, ou não, o melhor dos livros de Pablo Neruda. Desconfio que sim, até porque esse tipo de avaliação é rigorosamente subjetivo, ainda mais quando se trata de avaliar um gênio das letras mundiais. Prefiro ficar com a opinião de quem redigiu o texto de contracapa da edição brasileira desta obra, publicada pela editora Bertrand do Brasil: “‘Os versos do capitão’ se situa entre os mais importantes livros de amor do nosso tempo”. Há alguma dúvida?


Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk 

No comments: