Processo de Contadora ameaçado
Pedro J. Bondaczuk
A
atuação do Grupo de Contadora na América Central (neutralizada sistematicamente
pelo governo do presidente norte-americano Ronald Reagan, que luta desde 1981
para desestabilizar o regime sandinista da Nicarágua) poderá fracassar
totalmente diante de um incidente tolo, onde se percebe claramente o “dedo” da
Casa Branca.
A Costa Rica acusa o governo de Manágua de ter
violado a sua embaixada, ao retirar, à força, em outubro do ano passado, um
desertor nicaragüense, que teria se asilado naquela sede diplomática. E usou
esse incidente para não comparecer (e o que é pior, convencer El Salvador e
Honduras a imitar sua atitude) a uma reunião do Grupo de Contadora, marcada
para esta semana no Panamá.
No que isso implica?, perguntaria o leitor arguto.
Quem responde é o ex-presidente venezuelano, Carlos Andres Perez: “Não existem
palavras para se referir à gravidade da situação na América Central se o Grupo
de Contadora fracassar em suas gestões. Sem Contadora, não se poderá deter a
guerra que vemos se aproximar a cada dia”.
E esse magnífico político, reconhecidamente um
defensor intransigente dos direitos humanos, sabe o que está falando. Afinal,
foi um dos inspiradores do Grupo, composto por Venezuela, Colômbia, México e
Panamá, que deve o seu nome por ter se reunido pela primeira vez na ilha
panamenha de Contadora (célebre por ter
acolhido o deposto xá do Irã, Rhezza Pahlevi, em 1979, quando este teve
que abandonar o seu refúgio em Cuernavaca, no México).
Ao processo de paz desses quatro países se deve a
relativa estabilidade na América Central. Não fora sua atuação, e esse
continente miserável, uma autêntica “panela de pressão” de descontentamentos,
gerados por profundas injustiças sociais, estaria inteiramente conflagrado por
uma guerra suicida.
No recente relatório sobre a situação dos direitos
humanos no mundo, elaborado pelo Departamento de Estado dos EUA, e encaminhado
nesta semana ao Congresso norte-americano, o regime sandinista é pintado com as
cores mais negras possíveis. Mas o documento não aponta, para respaldar as
opiniões dos seus autores, prisões políticas e nem torturas na Nicarágua.
Ressalta a perseguição movida contra opositores e a
censura à imprensa. Embora este tipo de atitude seja também reprovável, não é
tanto quanto os morticínios indiscriminados movidos contra a população civil em
El Salvador, país tratado com muita condescendência no relatório, já que seu
regime é reconhecidamente mantido às custas de muitos dólares pela Casa Branca.
Ainda se Reagan estivesse apoiando uma oposição
democrática para suceder os sandinistas, embora o crítico não concordasse com
essa intolerável interferência nos assuntos internos de outro país, seria capaz
de aceitar. Mas quem são os libertadores que Washington deseja impor aos
nicaragüenses? São os adeptos do ex-ditador Somoza!
A Nicarágua, nas vésperas do Natal de 1972 (mais
especificamente, em 23 de dezembro desse ano) foi atingida por uma sucessão de
terremotos, que mataram dez mil pessoas, feriram 15 mil e deixaram metade da
população de Manágua desabrigada.
O jornalista Pino Cimó, um italiano que trabalhava
para o jornal “Il Messagero”, esteve lá, na ocasião. Na época o mundo todo se
mobilizou para socorrer a Nicarágua. Inclusive em Campinas foi feita uma
gigantesca campanha de arrecadação de donativos para os nicaragüenses. E sabem
qual foi o destino dessa ajuda, dado pelo ditador Somoza e seus asseclas?
O jornalista narra: “...A Guarda está vendendo a
preços decuplicados o arroz e as batatas que chegam nos aviões da Cruz
Vermelha... No dia seguinte pudemos ver os soldados de Somoza venderem, a peso
de ouro, cobertores, remédios, batatas e latarias vindas de todas as partes do
mundo. Vimos soldados carregando nas camionetas geladeiras e televisores das
grandes lojas abandonadas”.
Esses são os “democratas” que Reagan deseja impor
aos nicaragüenses, não medindo esforços e nem despesas para essa tarefa,
sabotando, até mesmo, a atuação do Grupo de Contadora. Esse foi o destino dado
na época à generosidade mundial (talvez até mesmo ao seu donativo, caro
leitor), pelos que posam agora de “anjinhos inocentes”, de guardiões da
democracia.
Nós não morremos, particularmente, de amores por
regimes extremistas, quer de esquerda, quer de direita. Mas, francamente, impor
a um país dirigentes que compactuaram com tamanha bandalheira, testemunha por
gente de todas as partes do mundo, não condiz com os reconhecidos foros de
civilidade e de respeito ao próximo desse grande povo, que é o norte-americano!
Ou será que a liberdade é boa apenas para os Estados Unidos?!
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio
Popular, em 17 de fevereiro de 1985).
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