Jogo de cintura na diplomacia
informal
Pedro J. Bondaczuk
A
guerra do Golfo Pérsico, entre Irã e Iraque, parece não ter mais fim. Em número
de baixas, já é folgadamente o terceiro conflito do século, perdendo somente
para as duas conflagrações universais, as de 1914-1918 e de 1939-1945. Todavia,
em confronto bélico envolvendo somente duas nações é recordista de vítimas
fatais, com os seus mais de dois milhões de mortos em seis anos e três meses de
duração.
Os
iraquianos vêm mostrando ainda (posto que já revelando um inevitável desgaste),
uma preponderância no que diz respeito às forças aéreas. No entanto, o país
está acossado visivelmente e lutando agora em seu próprio território, à espera
da propalada "ofensiva final" do inimigo, que se espera seja deflagrada
por uma avalanche humana fabulosa, envolvendo qualquer coisa ao redor de 500
mil a 600 mil combatentes. Quando ela ocorrer (se vier a ser realmente posta em
andamento), o que se pode esperar é uma carnificina como raramente foi vista
até agora.
O
Irã recuperou-se no conflito em virtude, principalmente, de um surpreendente
"jogo de cintura" de seus representantes diplomáticos, especialmente
naquilo que se convencionou chamar de "diplomacia informal". Ou seja,
negociações sigilosas, que na gíria costumamos chamar de "por debaixo do
pano", mas que surtem resultados fabulosos quando bem executadas.
Foi
dessa maneira que recompôs os seus arsenais, quase exauridos, com armamentos
norte-americanos, por exemplo. Dessa mesma forma o país conseguiu uma certa
hegemonia na Organização dos Países Exportadores de Petróleo, onde a sua
influência, na atualidade, é inegavelmente das maiores. De tal sorte que na
distribuição das novas quotas de produção, no último acordo, decidido no sábado
passado pelo cartel, numa reunião difícil e complicada, levada a efeito em
Genebra, obteve quase o dobro do que foi concedido ao seu grande inimigo no
Golfo Pérsico: o Iraque.
Como
Teerã conseguiu isso chega a ser um mistério, já que se sabe que a
preponderância nesse órgão é das monarquias da região, que temem os arroubos
revolucionários dos seguidores do aiatolá Ruhollah Khomeini (ou pelo menos
sempre disseram temer). Da mesma forma como romperam o bloqueio da Opep, o do
embargo de armas do Ocidente e outros mais, os iranianos estão conseguindo um
outro feito. De forma secreta, é claro, já que os resultados obtidos por este
meio foram mais compensadores. Vagarosamente estão podendo recuperar bens e
depósitos congelados nos Estados Unidos desde 1979, um importante "oxigênio
financeiro" para o seu esforço de guerra.
Com
a doença do líder máximo iraniano, aiatolá Ruhollah Khomeini, e a perspectiva
de ascensão ao poder de dirigentes mais moderados, a boa vontade ocidental em
relação ao Irã começa a se recompor. E mesmo a CIA tem feito jogo duplo, quando
forneceu indicações sobre posições iranianas para que os bombardeios do Iraque
fossem mais efetivos, se percebe, embora à distância, uma certa exaustão de
Bagdá. Uma quebra do elan, que está muito distante daquele das quatro primeiras
semanas do conflito, quando parecia que em questão de poucos dias os tanques
dos comandados do general Saddam Hussein estariam batendo às portas da capital
persa para desalojarem do poder os "mulás" revolucionários.
A
onda inicial refluiu, o ímpeto dos primeiros dias arrefeceu e o que se vê agora
é o oposto. É Basra (conhecida no Ocidente com Bassora), a segunda cidade do
Iraque, que está virtualmente sitiada por fanáticos guardas revolucionários. É
o porto de Faw ocupado desde fevereiro pelos iranianos. São as tropas do Irã,
embora perdendo milhares de soldados, avançando, apesar de penosamente,
milímetro a milímetro, metro a metro, dentro do não tão grande território
iraquiano. Salvo lamentável engano, a guerra do Golfo Pérsico está bem próxima
da sua decisão. E esta está muito longe de ser a que os observadores ocidentais
prognosticaram em 1980.
(Artigo
publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 27 de dezembro de
1986)
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