Thursday, May 08, 2014

Jogo de cintura na diplomacia informal


Pedro J. Bondaczuk

  
A guerra do Golfo Pérsico, entre Irã e Iraque, parece não ter mais fim. Em número de baixas, já é folgadamente o terceiro conflito do século, perdendo somente para as duas conflagrações universais, as de 1914-1918 e de 1939-1945. Todavia, em confronto bélico envolvendo somente duas nações é recordista de vítimas fatais, com os seus mais de dois milhões de mortos em seis anos e três meses de duração.

Os iraquianos vêm mostrando ainda (posto que já revelando um inevitável desgaste), uma preponderância no que diz respeito às forças aéreas. No entanto, o país está acossado visivelmente e lutando agora em seu próprio território, à espera da propalada "ofensiva final" do inimigo, que se espera seja deflagrada por uma avalanche humana fabulosa, envolvendo qualquer coisa ao redor de 500 mil a 600 mil combatentes. Quando ela ocorrer (se vier a ser realmente posta em andamento), o que se pode esperar é uma carnificina como raramente foi vista até agora.

O Irã recuperou-se no conflito em virtude, principalmente, de um surpreendente "jogo de cintura" de seus representantes diplomáticos, especialmente naquilo que se convencionou chamar de "diplomacia informal". Ou seja, negociações sigilosas, que na gíria costumamos chamar de "por debaixo do pano", mas que surtem resultados fabulosos quando bem executadas.

Foi dessa maneira que recompôs os seus arsenais, quase exauridos, com armamentos norte-americanos, por exemplo. Dessa mesma forma o país conseguiu uma certa hegemonia na Organização dos Países Exportadores de Petróleo, onde a sua influência, na atualidade, é inegavelmente das maiores. De tal sorte que na distribuição das novas quotas de produção, no último acordo, decidido no sábado passado pelo cartel, numa reunião difícil e complicada, levada a efeito em Genebra, obteve quase o dobro do que foi concedido ao seu grande inimigo no Golfo Pérsico: o Iraque.

Como Teerã conseguiu isso chega a ser um mistério, já que se sabe que a preponderância nesse órgão é das monarquias da região, que temem os arroubos revolucionários dos seguidores do aiatolá Ruhollah Khomeini (ou pelo menos sempre disseram temer). Da mesma forma como romperam o bloqueio da Opep, o do embargo de armas do Ocidente e outros mais, os iranianos estão conseguindo um outro feito. De forma secreta, é claro, já que os resultados obtidos por este meio foram mais compensadores. Vagarosamente estão podendo recuperar bens e depósitos congelados nos Estados Unidos desde 1979, um importante "oxigênio financeiro" para o seu esforço de guerra.

Com a doença do líder máximo iraniano, aiatolá Ruhollah Khomeini, e a perspectiva de ascensão ao poder de dirigentes mais moderados, a boa vontade ocidental em relação ao Irã começa a se recompor. E mesmo a CIA tem feito jogo duplo, quando forneceu indicações sobre posições iranianas para que os bombardeios do Iraque fossem mais efetivos, se percebe, embora à distância, uma certa exaustão de Bagdá. Uma quebra do elan, que está muito distante daquele das quatro primeiras semanas do conflito, quando parecia que em questão de poucos dias os tanques dos comandados do general Saddam Hussein estariam batendo às portas da capital persa para desalojarem do poder os "mulás" revolucionários.

A onda inicial refluiu, o ímpeto dos primeiros dias arrefeceu e o que se vê agora é o oposto. É Basra (conhecida no Ocidente com Bassora), a segunda cidade do Iraque, que está virtualmente sitiada por fanáticos guardas revolucionários. É o porto de Faw ocupado desde fevereiro pelos iranianos. São as tropas do Irã, embora perdendo milhares de soldados, avançando, apesar de penosamente, milímetro a milímetro, metro a metro, dentro do não tão grande território iraquiano. Salvo lamentável engano, a guerra do Golfo Pérsico está bem próxima da sua decisão. E esta está muito longe de ser a que os observadores ocidentais prognosticaram em 1980.

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 27 de dezembro de 1986)


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